“O importante é saber de quem é a responsabilidade pelo rejeito que vai parar no lixão ou no aterro. Quem paga pelo rejeito ir até lá? Somos nós ou o fabricante tem a sua responsabilidade?”, questiona Elisabeth Grimberg
Graziela Wolfart e Márcia Junges
Graziela Wolfart e Márcia Junges
Elisabeth Grimberg é coordenadora executiva do Instituto Pólis e da área de resíduos sólidos. Também compõe a coordenação do Fórum Lixo eCidadania da Cidade da Cidade de São Paulo e a coordenação da Coalizão Nacional contra a Incineração de Lixo. É mestre em Sociologia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS.
Confira a entrevista.
IHU On-Line – Qual sua opinião sobre a captação de biogás como uma das possibilidades de se lucrar com o lixo, que o mercado de carbono abre para as empresas do setor?
Elisabeth Grimberg – O uso do biodigestor para captar metano pode ser uma boa solução para o resíduo úmido, tendo como subproduto – ao aproveitar o processamento desse resíduo – a geração tanto de adubo quanto da captura do metano, gerando energia. Esse é o aspecto central. Trata-se de uma boa solução tecnológica para o resíduo úmido, sobras de alimentos, e tem esse subproduto, que é a captação do metano para a geração de energia. Será preciso, sim, implantar um sistema de coleta domiciliar diferenciada eficiente, em que não se misture resíduos secos (recicláveis), úmidos e rejeitos no momento do descarte.
IHU On-Line – De forma geral, qual sua avaliação sobre a Política Nacional de Resíduos Sólidos – PNRS? Quais os principais avanços e limites?
Elisabeth Grimberg – O fato da PNRS ter sido aprovada e já regulamentada em 2010 por si só já é uma conquista em termos de construção compartilhada com atores da sociedade civil. Foram 19 anos de luta para que isso se efetivasse. Além disso, há avanços em termos de gestão e destinação de resíduos: a introdução de novos atores na questão da responsabilidade pela gestão dos resíduos. Aqui me refiro a responsabilização do fabricante, do importador, do distribuidor e do comerciante pelo custeio da coleta seletiva dos resíduos secos domiciliares, além dos seis resíduos especiais tais como pilhas, baterias, eletroeletrônicos, lâmpadas fluorescentes, pneus etc. Outro avanço é que os municípios que construírem políticas e formas de estruturar a rede de catadores terão acesso a recursos da União em função dessa integração dos catadores, outro ator central para a implantação de um novo padrão de destinação de resíduos sólidos, reconhecido pela nova lei como estratégico.
IHU On-Line – Como vê a possibilidade de adiar as metas da Política Nacional de Resíduos Sólidos – PNRS, anunciada recentemente pelo governo federal (http://bit.ly/UTd6yV)?
Elisabeth Grimberg – Essa possibilidade de adiamento das metas envolvendo a erradicação dos lixões até 2014 é bastante grave, porque eu considero um desestímulo à busca da capacitação e de todos os mecanismos que viabilizariam a implementação de um novo paradigma de gestão, que a política traz claramente indicado e instituído. Adiar as metas torna lento o processo, fazendo com que tanto o setor privado como o setor público não se apresse mais em implantar um modelo tecnológico voltado para a recuperação integral dos resíduos passíveis de reaproveitamento, que representa 90% do total gerado.
IHU On-Line – Menos de 10% das cidades entregaram seus Planos Municipais de Gestão Integrada de Resíduos – PMGIRS e, por consequência, segundo a lei, não podem receber verbas federais. Qual é a alternativa?
Elisabeth Grimberg – O PMGIRS é realmente importante, pois traz uma série de elementos estruturantes de uma política que permitirá uma ação planejada, otimizando recursos e integrando o conjunto de atores envolvidos na cadeia – a administração municipal, o setor empresarial, os catadores e a própria população, o que deverá garantir resultados positivos. No entanto, o fato de apenas 10% dos municípios terem feito seus planos não pode ser uma razão suficiente para suspender a meta para o fechamento de lixões e para só serem destinados rejeitos nos aterros sanitários até 2014, porque os outros 90% de resíduos podem ser aproveitados na cadeia da compostagem, da biodigestão, da reciclagem, como dito acima. Não ter acesso aos recursos da União pode ser interessante para os municípios se agilizarem, se movimentarem e procurarem formas de fazer a “lição de casa” e, então, receber esses valores.
IHU On-Line – Quais os desafios que se colocam à adesão dos municípios à coleta seletiva dos resíduos úmidos domiciliares?
Elisabeth Grimberg – A coleta seletiva é a coleta dos resíduos separados em três categorias: úmido, seco e rejeito. Em média, 60% dos resíduos é úmido. É atribuição da prefeitura estabelecer como funcionará o sistema de coleta seletiva de todos os tipos de resíduos, mas não de operar a coleta de todos os resíduos. Sua responsabilidade é a coleta diferenciada do resíduo úmido. Já o custeio da coleta dos resíduos secos é atribuição dos fabricantes, importadores, distribuidores e comerciantes, que poderão remunerar a prefeitura para tal, o que está previsto no parágrafo sétimo do Artigo 33 da lei. Dito isso, a dificuldade dos municípios está na necessidade de uma maior apropriação e conhecimento de modelos tecnológicos existentes, como a combinação da biodigestão e da compostagem. E o rejeito é uma fração dos resíduos que, se submetido a uma análise mais detalhada, pode perfeitamente identificar quem são os fabricantes destes produtos e, portanto, de quem é a responsabilidade pelo rejeito, permitindo também o rateio do custo de sua destinação para aterros sanitários. Quem deve pagar pelo rejeito ir até lá? O munícipe ou o fabricante tem a sua responsabilidade?
IHU On-Line – O que é preciso para as empresas e a sociedade repensarem o chamado “padrão de produção” tendo em conta o problema do lixo? O que está em jogo aqui?
Elisabeth Grimberg – Isso é bem importante. Fala-se muito de que é preciso reduzir o consumo. Mas as pessoas não têm opção de adquirir produtos em recipientes retornáveis, como o vidro, que pode ser reutilizável e para a mesma finalidade. Outra coisa envolvida aqui é a chamada obsoletização programada: os produtos já são feitos para terem uma vida útil curta. Isso tudo começou depois da crise de 1929, afinal era preciso produzir mais, para gerar mais consumo, o que ajudaria a sair da crise. Por questões do sistema capitalista em que vivemos, para se ter lucro, foi preciso mudar o padrão de produção para o padrão descartável a fim de se poder consumir com mais velocidade. Isso teria hoje que ser redefinido, o que não pode ser dissociado de uma discussão muito mais profunda e ampla, envolvendo o próprio modelo de desenvolvimento que temos.
IHU On-Line – O que deve mudar em relação à cultura política que rege a gestão de resíduos? O que é preciso para deixarmos de tratar resíduos reaproveitáveis como lixo?
Elisabeth Grimberg – Não podemos esquecer que a economia não anda separada das decisões políticas. O “padrão de produção” é formado por empresas envolvidas na produção, distribuição etc. que funcionam segundo normas definidas pelo Estado, que por sua vez pode exigir outras formas de atuação do mercado de maneira a garantir uma linha de produção ambientalmente sustentável.
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