Fogueiras acesas, gordura de foca sobre a pele e proteína de leãomarinho eram algumas das estratégias de sobrevivência dos povos indígenas nas geladas ilhas da Terra do Fogo
Ricardo Arnt
Ricardo Arnt
Os fueguinos eram povos indígenas nômades e caçadores que viviam em pequenos grupos familiares, dispersos por dois grandes territórios: nas planícies e florestas viviam os selknans, os tehuelches e os haushs, morando em tendas móveis, sempre atrás das manadas de guanacos (um parente da lhama); o litoral e as ilhas eram habitadas pelos pescadores yamanas e alakalufs, que se deslocavam de canoa para caçar peixes, focas, leões-marinhos, lontras e gansos.
As tribos que vieram da Ásia e atravessaram o Estreito de Bering há 11 mil anos desceram até o extremo da América do Sul e chegaram ao fim do mundo nas ilhas da Terra do Fogo. Mais para o sul o frio impedia os as sentamentos humanos e o mar bravio desencorajava a navegação. Assim, ao longo de séculos, os fueguinos não tiveram alternativa senão adaptar-se.
Em geral, homens e mulheres usavam saias e peles e passavam gordura no corpo para se proteger da baixa temperatura, da maresia e da chuva, constantes na região. A proteína abundante do guanaco, de foca, do leão-marinho e das pequenas baleias constituía a dieta básica. Nenhum dos grupos construía abrigos permanentes. Os selknans faziam tendas de couro, folhas e gravetos e se deslocavam atrás da caça, carregando-as. Os yamanas e os alakalufs mudavam de acampamento viajando de canoa, zelando por pequenas fogueiras acesas sobre montes de areia dentro das embarcações. Suas mulheres eram hábeis nadadoras e mergulhavam no mar gelado em busca de mariscos. Os nômades desconheciam a cerâmica, mas faziam cestos de palha.
Doenças de brancos
Com a chegada dos europeus, os índios das terras frias foram dizimados por doenças de brancos como sarampo e varíola. O primeiro estabelecimento europeu permanente na Terra do Fogo, Ushuaia, na Argentina, foi fundado por missionários em 1870. Mineradores, garimpeiros de ouro e criadores de ovelhas logo invadiram as terras sem dono, promoven do, direta ou indiretamente, o extermínio dos selknans e dos haushs, em alguns casos por meio de caçadas de rifle, como a expedição do romeno Julius Popper, na Baía de San Sebastián, em 1886. Um destino semelhante ao de vários grupos indígenas do Brasil, como os xavantes e os cintas-largas.
Por algum tempo os yamanas e os alakalufs tiveram mais sorte, porque os europeus não tinham interesse em acampamentos de pesca no litoral árido. Mas em 1884 o governo argentino despachou 20 homens para o recém-criado posto oficial em território yamana. Os índios subiram ao navio para dar as boas-vindas aos brancos e, em poucas horas, contraíram sarampo. Quando retornaram às tendas, passaram a doença para uma população desprovida de imunidade. Calcula-se que essa primeira epidemia de sarampo tenha matado mais da metade da população yamana.
Lamentavelmente, bem-intencionados missionários também contribuíram para a mortandade insistindo que os índios se protegessem do frio com vestimentas. Assim, a gordura de foca usada como proteção térmica foi substituída por roupas que, em virtude do clima inóspito da região, eram utilizadas quase sempre úmidas, induzindo surtos de resfriado, pneumonia e tuberculose que se tornaram comuns e mortais.
Não é fácil encontrar fueguinos da Terra do Fogo atualmente. O panorama é bastante diferente do Brasil, onde a população indígena vem crescendo sistematicamente e hoje ocupa 12% do território nacional. Em 1870, havia cerca de 3.000 selknam e haush na Terra do Fogo; em 1910, esse número caiu para 300. Em 1925, os haush haviam desaparecido e o número de selknam caíra para 100. Já os 3.000 yamana que existiam em 1881 passaram a 130 em 1902.
Hoje, tanto o Chile quanto a Argentina classificam os povos nativos da Terra do Fogo como “presumivelmente extintos”. Restaram as imagens mudas dos índios do frio.
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