sábado, 29 de dezembro de 2012

Os índios do fim do mundo



Fogueiras acesas, gordura de foca sobre a pele e proteína de leãomarinho eram algumas das estratégias de sobrevivência dos povos indígenas nas geladas ilhas da Terra do Fogo

Ricardo Arnt

Os índios do fim do mundo

Em 1520 certamente os povos selknam (ou ona), haush (ou manekenk), tehuelche (aonikenk), yamana (yagan) e alakaluf (kaweskar) eram numerosos, também usavam fogueiras para enviar sinais e não deixavam que se apagassem. O fogo era a melhor garantia contra o frio numa região assolada por temperaturas gélidas, vento do mar e muita chuva.
Os fueguinos eram povos indígenas nômades e caçadores que viviam em pequenos grupos familiares, dispersos por dois grandes territórios: nas planícies e florestas viviam os selknans, os tehuelches e os haushs, morando em tendas móveis, sempre atrás das manadas de guanacos (um parente da lhama); o litoral e as ilhas eram habitadas pelos pescadores yamanas e alakalufs, que se deslocavam de canoa para caçar peixes, focas, leões-marinhos, lontras e gansos.
As tribos que vieram da Ásia e atravessaram o Estreito de Bering há 11 mil anos desceram até o extremo da América do Sul e chegaram ao fim do mundo nas ilhas da Terra do Fogo. Mais para o sul o frio impedia os as sentamentos humanos e o mar bravio desencorajava a navegação. Assim, ao longo de séculos, os fueguinos não tiveram alternativa senão adaptar-se.
Em geral, homens e mulheres usavam saias e peles e passavam gordura no corpo para se proteger da baixa temperatura, da maresia e da chuva, constantes na região. A proteína abundante do guanaco, de foca, do leão-marinho e das pequenas baleias constituía a dieta básica. Nenhum dos grupos construía abrigos permanentes. Os selknans faziam tendas de couro, folhas e gravetos e se deslocavam atrás da caça, carregando-as. Os yamanas e os alakalufs mudavam de acampamento viajando de canoa, zelando por pequenas fogueiras acesas sobre montes de areia dentro das embarcações. Suas mulheres eram hábeis nadadoras e mergulhavam no mar gelado em busca de mariscos. Os nômades desconheciam a cerâmica, mas faziam cestos de palha.
Doenças de brancos
Com a chegada dos europeus, os índios das terras frias foram dizimados por doenças de brancos como sarampo e varíola. O primeiro estabelecimento europeu permanente na Terra do Fogo, Ushuaia, na Argentina, foi fundado por missionários em 1870. Mineradores, garimpeiros de ouro e criadores de ovelhas logo invadiram as terras sem dono, promoven do, direta ou indiretamente, o extermínio dos selknans e dos haushs, em alguns casos por meio de caçadas de rifle, como a expedição do romeno Julius Popper, na Baía de San Sebastián, em 1886. Um destino semelhante ao de vários grupos indígenas do Brasil, como os xavantes e os cintas-largas.
Por algum tempo os yamanas e os alakalufs tiveram mais sorte, porque os europeus não tinham interesse em acampamentos de pesca no litoral árido. Mas em 1884 o governo argentino despachou 20 homens para o recém-criado posto oficial em território yamana. Os índios subiram ao navio para dar as boas-vindas aos brancos e, em poucas horas, contraíram sarampo. Quando retornaram às tendas, passaram a doença para uma população desprovida de imunidade. Calcula-se que essa primeira epidemia de sarampo tenha matado mais da metade da população yamana.
Lamentavelmente, bem-intencionados missionários também contribuíram para a mortandade insistindo que os índios se protegessem do frio com vestimentas. Assim, a gordura de foca usada como proteção térmica foi substituída por roupas que, em virtude do clima inóspito da região, eram utilizadas quase sempre úmidas, induzindo surtos de resfriado, pneumonia e tuberculose que se tornaram comuns e mortais.
Não é fácil encontrar fueguinos da Terra do Fogo atualmente. O panorama é bastante diferente do Brasil, onde a população indígena vem crescendo sistematicamente e hoje ocupa 12% do território nacional. Em 1870, havia cerca de 3.000 selknam e haush na Terra do Fogo; em 1910, esse número caiu para 300. Em 1925, os haush haviam desaparecido e o número de selknam caíra para 100. Já os 3.000 yamana que existiam em 1881 passaram a 130 em 1902.
Hoje, tanto o Chile quanto a Argentina classificam os povos nativos da Terra do Fogo como “presumivelmente extintos”. Restaram as imagens mudas dos índios do frio.

Nenhum comentário:

Postar um comentário