Buenos Aires, boate Cromañón, 2004; Santa Maria, boate Kiss, 2013: o que a história nos ensina
A conversa do apresentador de um programa diurno de tevê com um chefe do corpo de bombeiros elucida bastante como o debate sobre a tragédia de Santa Maria tem sido feito no campo da moralidade ingênua, e não no campo do real, onde as mudanças devem ser feitas. É preciso muito mais do que um alvará para resolver nossos problemas.
Caio Mello
Já faz tempo que a questão da segurança em centros de entretenimento, como casas noturnas e bares, é posta em foco somente depois de uma catástrofe. Aqui na Carta Maior lemos que uma tragédia como a que aconteceu em Santa Maria não é nenhuma fatalidade, mas o resultado expresso de uma série de escolhas e renúncias que se fazem.
Um caso paradigmático, tanto em número de mortes como também no seu desdobramento, é o de Buenos Aires, da casa noturna República Cromañón (foto acima) no bairro de Once, em 2004. Foram 194 vítimas fatais e mais de mil feridos. O então prefeito portenho, Aníbal Ibarra, acabou deposto dois anos depois da tragédia. A deposição foi resultado de denúncias de corrupção e negligência com a segurança de casas de lazer como a Cromañón.
Ainda nos resultados da investigação consta a condenação de um grupo de pessoas, entre eles os integrantes da banda Callejeros, que acenderam o sinalizador dentro do estabelecimento, os donos do local, Omar Chabán, e outro funcionário de confiança da boate, Raúl Villareal. Além destes, foram também sentenciados três ex-funcionários públicos da cidade de Buenos Aires e o ex-subdelegado Carlos Rubén Diaz. Condenações que só foram efetivadas no final do ano passado, depois de rechaçados todos os recursos dos réus.
O que se assemelha, evidentemente, em todas estas tragédias, seja em Santa Maria ou Buenos Aires, é a negligência com a prevenção e adequação destes espaços. A superlotação e as saídas de emergência insuficientes são o denominador comum nos dois casos.
Cromañón tinha 3500 pessoas num lugar capaz de receber 1031, ou seja, mais que o triplo; já em Santa Maria esta capacidade foi superada em quase o dobro. Em um artigo publicado no Clarín, poucos meses depois da catástrofe argentina, o jornalista Alberto Amato escreveu sobre como esta tragédia já estava anunciada: "o local era extremamente inflamável, suas paredes e teto revestidos de espuma de poliuretano", citando o laudo de um bombeiro que investigou o caso.
A combustão desta espuma produziu gases tóxicos que foram suficientes para causar as mortes, e o mesmo se viu em Santa Maria. O jornalista, na ocasião, escreveu que "depois que tudo isso entrou combustão, Cromañón virou uma gigantesca câmara de gás".
A prevenção, o rigor e a preocupação com alvarás estão nos discursos da opinião pública – e não sem motivo. Mas não adianta criar mitificações, como a de que basta ter o documento e todo o problema desmancha no ar. O jornal Estadão pede aos leitores que mandem nomes de bares e casas noturnas que não estão regularizadas, mas se esquece de que este é um caso muito mais complicado, e os mesmos nomes que recebem dos leitores são colocados em lista de recomendação em seus guias para se divertir na cidade.
Como é apontado pelo jornalista Leonardo Sakamoto, as tramitações burocráticas e a falta de transparência na obtenção destes certificados mostram que "um alvará não torna uma casa noturna segura em São Paulo".
Casos espantosos como esses que listamos estão sempre prenunciados. As condições de segurança e o distanciamento que este assunto tomou daqueles a quem diz inteiro respeito são evidentes quando os debates são levantados na mídia. A conversa do apresentador de um programa diurno de tevê com um chefe do corpo de bombeiros elucida bastante como esse debate tem sido feito no campo da moralidade ingênua, e não no campo do real, onde as mudanças precisam ser feitas.
A caça às bruxas também é um sintoma dessa discussão trôpega, um bode expiatório que dará conta de todo o problema, sem olhar para seus fundamentos e complicações. A culpa existe, isso é inegável, mas ela deve ser investigada a fim de resolver e impedir repetições, não saciar o desejo comum por um simulacro de justiça.
Um caso paradigmático, tanto em número de mortes como também no seu desdobramento, é o de Buenos Aires, da casa noturna República Cromañón (foto acima) no bairro de Once, em 2004. Foram 194 vítimas fatais e mais de mil feridos. O então prefeito portenho, Aníbal Ibarra, acabou deposto dois anos depois da tragédia. A deposição foi resultado de denúncias de corrupção e negligência com a segurança de casas de lazer como a Cromañón.
Ainda nos resultados da investigação consta a condenação de um grupo de pessoas, entre eles os integrantes da banda Callejeros, que acenderam o sinalizador dentro do estabelecimento, os donos do local, Omar Chabán, e outro funcionário de confiança da boate, Raúl Villareal. Além destes, foram também sentenciados três ex-funcionários públicos da cidade de Buenos Aires e o ex-subdelegado Carlos Rubén Diaz. Condenações que só foram efetivadas no final do ano passado, depois de rechaçados todos os recursos dos réus.
O que se assemelha, evidentemente, em todas estas tragédias, seja em Santa Maria ou Buenos Aires, é a negligência com a prevenção e adequação destes espaços. A superlotação e as saídas de emergência insuficientes são o denominador comum nos dois casos.
Cromañón tinha 3500 pessoas num lugar capaz de receber 1031, ou seja, mais que o triplo; já em Santa Maria esta capacidade foi superada em quase o dobro. Em um artigo publicado no Clarín, poucos meses depois da catástrofe argentina, o jornalista Alberto Amato escreveu sobre como esta tragédia já estava anunciada: "o local era extremamente inflamável, suas paredes e teto revestidos de espuma de poliuretano", citando o laudo de um bombeiro que investigou o caso.
A combustão desta espuma produziu gases tóxicos que foram suficientes para causar as mortes, e o mesmo se viu em Santa Maria. O jornalista, na ocasião, escreveu que "depois que tudo isso entrou combustão, Cromañón virou uma gigantesca câmara de gás".
A prevenção, o rigor e a preocupação com alvarás estão nos discursos da opinião pública – e não sem motivo. Mas não adianta criar mitificações, como a de que basta ter o documento e todo o problema desmancha no ar. O jornal Estadão pede aos leitores que mandem nomes de bares e casas noturnas que não estão regularizadas, mas se esquece de que este é um caso muito mais complicado, e os mesmos nomes que recebem dos leitores são colocados em lista de recomendação em seus guias para se divertir na cidade.
Como é apontado pelo jornalista Leonardo Sakamoto, as tramitações burocráticas e a falta de transparência na obtenção destes certificados mostram que "um alvará não torna uma casa noturna segura em São Paulo".
Casos espantosos como esses que listamos estão sempre prenunciados. As condições de segurança e o distanciamento que este assunto tomou daqueles a quem diz inteiro respeito são evidentes quando os debates são levantados na mídia. A conversa do apresentador de um programa diurno de tevê com um chefe do corpo de bombeiros elucida bastante como esse debate tem sido feito no campo da moralidade ingênua, e não no campo do real, onde as mudanças precisam ser feitas.
A caça às bruxas também é um sintoma dessa discussão trôpega, um bode expiatório que dará conta de todo o problema, sem olhar para seus fundamentos e complicações. A culpa existe, isso é inegável, mas ela deve ser investigada a fim de resolver e impedir repetições, não saciar o desejo comum por um simulacro de justiça.
Fotos: Wikipedia - Boate Cromañón, Buenos Aires
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