| ojetos diferentes |
Virou chavão, tanto de setores da direita quanto de esquerda, reclamar da falta de um projeto para o Brasil. Todos reclamam dessa ausência, como se isso fosse tarefa de outros. Porém, de forma aberta ou mascarada, cada um à sua maneira, colocam em pauta suas próprias propostas.
Vladimir Pomar
Vladimir Pomar

À esquerda, em princípio, podemos distinguir três grandes projetos. Um, que poderíamos chamar de socialista revolucionário, que pretende liquidar imediatamente o capitalismo e instaurar o socialismo pleno. Outro, de um socialismo socialdemocrata de feição europeia, que supõe possível domesticar o capitalismo, seja através da democracia liberal, ou de uma democracia mais participativa. E um terceiro, que poderíamos chamar de socialismo realista, na ausência de uma melhor classificação, que não considera esgotado o papel histórico do capitalismo no desenvolvimento das forças produtivas, mas supõe possível edificar o socialismo, na condição de possuir um Estado capaz de construir a propriedade social paralelamente à propriedade privada.
Os socialistas realistas supõem que a selvageria do capitalismo ainda está presente, expressando-se através dos preços administrados e lucros máximos dos oligopólios. O capitalismo selvagem continuaria sobrevivendo mesmo sem a proteção ditatorial. Mas eles reconhecem os avanços sociais das políticas públicas dos últimos anos. Constatam, porém, que nada disso mudou o capitalismo, nem criou uma força social de contenção dos aspectos destrutivos e degenerativos de funcionamento do sistema capitalista. Tal sistema continuaria acumulando, concentrando e centralizando o capital, muito mais rapidamente do que a parte da renda que pode ser apropriada pela classe trabalhadora assalariada e pela pequena burguesia.
Além disso, o sistema capitalista, por sua própria natureza, continuaria se impondo ao consumo, produzindo mais mercadorias-objetos e mercadorias-dinheiro do que a capacidade social de consumo. E corroeria constantemente tal capacidade devido à sua propensão ao avanço técnico e ao aumento da produtividade, expelindo trabalhadores das atividades produtivas. Para piorar, na busca de recursos naturais mais baratos, o capitalismo continuaria demonstrando uma sanha destrutiva sem paralelo na história, tanto na produção industrial, quanto na produção agrícola. E na busca de novas fontes de lucros, persistiria em sua tendência de abarcar setores cada vez mais amplos dos serviços públicos, privatizando-os e tornando-os inacessíveis a grandes parcelas da população.
Nesse sentido, eles se acercam dos socialistas revolucionários e se distanciam dos socialistas socialdemocratas. No entanto, ao contrário dos primeiros, eles consideram que o capitalismo, tanto nos países capitalistas desenvolvidos quanto nos países subdesenvolvidos e em desenvolvimento, ainda não esgotou seu papel histórico de desenvolver as forças produtivas a um ponto em que a propriedade privada se torne uma excrescência ou um absurdo. E consideram que quando as forças produtivas chegarem a esse nível, tornando possível superar completamente o capitalismo, a sociedade daí resultante deverá ser uma sociedade sem classes, cooperativa, possível de suprir totalmente as necessidades de cada indivíduo.
Nessas condições, o socialismo, como tem mostrado a experiência histórica, deve ser uma sociedade de transição, na qual os diferentes aspectos do capitalismo serão paulatinamente superados, enquanto os diferentes aspectos de uma sociedade cooperativa serão reforçados. É nesse sentido que o socialismo se apresenta como uma questão atual. As mudanças sociais e políticas nem sempre esperam que o capitalismo esteja completamente maduro para que possam ocorrer. A conquista de parcelas do Estado, por via eleitoral, ou do Estado como um todo, por via de reformas políticas ou de transformações democrático-revolucionárias, pode introduzir mudanças de caráter socialista, paralelamente à presença do capitalismo, introduzindo um processo de transição.
Em geral, a luta política de classes impõe tarefas que podem ir além das condições econômicas e sociais presentes, criando uma situação em que tais condições não podem ser mudadas no mesmo ritmo das mudanças políticas, e mesmo impõem limites a estas. Sem considerar a realidade, ou as contradições do desenvolvimento capitalista, seja em termos globais, seja em ternos nacionais, os socialistas parecem destinados a continuar apresentando projetos diferentes, em especial quando se apresentam situações inusitadas, como as que vivem vários países do mundo atual. O Brasil inclusive.
Wladimir Pomar é escritor e analista político.
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