Pode algo quebrado valer mais que a peça inteira? Aparentemente não. Mas no Brasil já aconteceu isto, talvez pela primeira vez na história da humanidade. Vamos contar esse mistério.
Manoel Henrique C. Botelho
Manoel Henrique C. Botelho
Agora a história começa a mudar por uma coisa linda que se chama arte. A maior parte do refugo recebida pelo empregado era de cacos cerâmicos vermelhos mas havia cacos amarelos e pretos também. O operário ao assentar os cacos cerâmicos fez inserir aqui e ali cacos pretos e amarelos quebrando a monotonia do vermelho contínuo. É, a entrada da casa do simples operário ficou bonitinha e gerou comentários dos vizinhos também trabalhadores da fábrica. Ai o assunto pegou fogo e todos começaram a pedir caquinhos o que a cerâmica adorou pois parte, pequena é verdade, do seu refugo começou a ter uso e sua disposição ser menos onerosa.
Mas o belo é contagiante e a solução começou a virar moda em geral e até jornais noticiavam a nova mania paulistana. A classe média adotou a solução do caquinho cerâmico vermelho com inclusões pretas e amarelas. Como a procura começou a crescer a diretoria comercial de uma das cerâmicas descobriu ali uma fonte de renda e passou a vender, a preços módicos é claro pois refugo é refugo, os cacos cerâmicos. O preço do metro quadrado do caquinho cerâmico era da ordem de 30% do caco integro (caco de boa família).
Até aqui esta historieta é racional e lógica pois refugo é refugo e material principal é material principal. Mas não contaram isso para os paulistanos e a onda do caquinho cerâmico cresceu e cresceu e cresceu e , acreditem quem quiser, começou a faltar caquinho cerâmico que começou a ser tão valioso como a peça integra e impoluta. Ah o mercado com suas leis ilógicas mas implacáveis.
Aconteceu o inacreditável. Na falta de caco as peças inteiras começaram a ser quebradas pela própria cerâmica. E é claro que os caquinhos subiram de preço ou seja o metro quadrado do refugo era mais caro que o metro quadrado da peça inteira... A desculpa para o irracional (!) era o custo industrial da operação de quebra, embora ninguém tenha descontado desse custo a perda industrial que gerara o problema ou melhor que gerara a febre do caquinho cerâmico.
De um produto economicamente negativo passou a um produto sem valor comercial a um produto com algum valor comercial até ao refugo valer mais que o produto original de boa família...
A história termina nos anos sessenta com o surgimento dos prédios em condomínio e a classe média que usava esse caquinho foi para esses prédios e a classe mais simples ou passou a ter lotes menores (4 x15m) ou foram morar em favelas.
São histórias da vida que precisam ser contadas para no mínimo se dizer:
- A arte cria o belo, e o marketing tenta explicar o mistério da peça quebrada valer mais que a peça inteira...
- A arte cria o belo, e o marketing tenta explicar o mistério da peça quebrada valer mais que a peça inteira...
Manoel Botelho é Engenheiro Civil e autor da coleção CONCRETO ARMADO EU TE AMO
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