sexta-feira, 22 de fevereiro de 2013

Pressões explosivas no sistema monetário internacional


Pressões explosivas no sistema monetário internacional

O sistema monetário internacional deve ser reformado pela raiz. Do contrário, seguirá sendo fonte de pressões explosivas na economia mundial. Enquanto não se corrigir sua estrutura e, em especial, o papel hegemônico do dólar estadunidense, persistirão as fontes de tensões econômicas e a recuperação será mais difícil. O artigo é de Alejandro Nadal.

Entre as causas da crise global se encontram alguns elementos estruturais da economia mundial. Um dos mais importantes é o defeituoso sistema monetário internacional. Enquanto não se corrigir sua estrutura e, em especial, o papel hegemônico do dólar estadunidense, persistirão as fontes de tensões econômicas e a recuperação será mais difícil.

A supremacia do dólar pode ser explicada por vários fatores. É a herança da conferência de Bretton Woods (1944) na qual se consagrou o dólar como âncora do sistema de taxas de câmbio fixas, peça chave do sistema monetário internacional. Este esquema outorgou uma enorme vantagem para os Estados Unidos, mas constitui um fator de desequilíbrio internacional de grande importância.

A partir de 1945 a organização da economia mundial permitia aos Estados Unidos importar o que quisesse e pagar com uns papeizinhos verdes que diziam In God We Trust (Confiamos em Deus). Claro, no princípio a economia estadunidense manteve um superávit comercial porque as economias europeia e japonesa tinham sido devastadas pela guerra. Mas já nos anos 60 as coisas começaram a mudar: a balança comercial dos EUA se deteriorou e desde então sua condição deficitária não deixou de se agravar.

Frente ao déficit estadunidense surgiram países que mantiveram um superávit constante em suas relações comerciais com o gigante norteamericano. Esses países constituíram reservas em dólares, mas também começaram a reciclar seus dólares na própria economia dos Estados Unidos. Isso incrementou a demanda de todo tipo de ativos financeiros nesse país, aumentando o preço desses ativos e reduzindo a taxa de juros. Desta forma, as famílias e empresas nos EUA puderam aumentar sua demanda enquanto conservavam uma enganosa sensação de boa saúde econômica.

Desde 1973 os salários deixaram de crescer e o endividamento se converteu no principal instrumento dos lares para manter seu nível de vida. O salário deixou de ser a base da reprodução da força de trabalho e a demanda agregada se manteve de maneira artificial, ajudada também por episódios de inflação nos preços de ativos como casas e papeis nas bolsas de valores. Essas bolhas permitiam incrementar a demanda durante algum tempo, ainda que causassem grandes danos ao estourar.

O déficit externo também aumentou porque a demanda de ativos financeiros nos EUA contribuía para apreciar o dólar: as exportações dos EUA se encareciam enquanto as importações barateavam. Esse estado de coisas reduziu a inflação e beneficiou o consumidor estadunidense, mas também contribuiu para o desmantelamento da indústria manufatureira do país.

Os Estados Unidos foram se convertendo no consumidor de última instância da economia mundial. Os países que tinham problemas para incrementar sua demanda agregada (como Alemanha e China) foram dependendo cada vez mais da inesgotável capacidade de compra dos EUA. O dólar seguiu sendo a moeda de reserva por excelência (mais de 60% das reservas mundiais de divisas) e hoje os países credores possuem bilhões de dólares em ativos emitidos pelo governo estadunidense e por Wall Street. Nessas condições, ninguém quer que os Estados Unidos se submetam à chamada disciplina do mercado para resolver o problema de seu déficit externo.

Em plena crise mundial renasce a pergunta sobre o que permitira reformar o sistema monetário internacional. Uma possível resposta está no aumento da demanda agregada dos países com superávit, o que teria que ser feito aumentando os salários nessas economias. Os autores pós-keynesianos pensam que isso permitira contar com outras fontes de crescimento econômico sem ter que se basear no consumidor estadunidense.

No entanto, mesmo nesse caso, os ajustes internacionais não seriam tão fáceis. Em primeiro lugar, é preciso lembrar as origens do problema: a estagnação dos salários nos anos setenta não foi uma casualidade. O corte nos gastos salariais foi a resposta do capital para a queda na taxa de lucro na década anterior. Será possível que as economias dos EUA, da Alemanha e agora da China introduzam políticas de aumento salarial? Isso parece quase impossível, sobretudo no contexto atual no qual o custo da crise foi repassado aos trabalhadores.

Em segundo lugar, os fluxos de capital característicos da economia mundial não facilitam o ajuste das contas externas de um país. É falso dizer que o sistema de taxas de câmbio flexíveis permita tal ajuste porque os fluxos de capital perturbam o processo que deveria levar à eliminação dos desequilíbrios. É precisamente o esquema neoliberal de economia aberta que faz com que os fluxos de capital gerem uma apreciação cambial no momento em que mais se necessita de uma desvalorização.

O sistema monetário internacional deve ser reformado pela raiz. Do contrário, seguirá sendo fonte de pressões explosivas na economia mundial.

Tradução: Katarina Peixoto

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