Parece que o objeto de resgate de todos, incluindo os parlamentares, é o status de paraíso fiscal. A troika não só castiga povos inteiros para salvar os bancos, mas também está comprometida com o mercado financeiro, ainda que tenha que trair alguns de seus princípios (se é que alguma vez os teve).
Alejandro Nadal
Alejandro Nadal
Primeiro, destrói as expectativas que se tinham sobre a união bancária proposta para a Zona Euro. Além dos problemas de supervisão sobre os bancos, a crise cipriota revela que, se os banqueiros são sagrados, os depósitos não. Segundo, reaviva os temores de efeitos de contágio sobre outros países na Zona Euro, entre eles a Itália e a Espanha, desta vez no comportamento dos depositantes. Terceiro, abre um novo flanco no teatro da crise Europeia ao envolver a Rússia.
A base da economia cipriota está precisamente nos serviços financeiros: o tamanho do setor bancário é 8,35 vezes o PIB da ilha. Para ser mais claro, há anos o Chipre se converteu em um gigantesco paraíso fiscal no qual se podem abrir contas bancárias com rapidez, discrição e baixo custo. A minimização de custos fiscais é acompanhada da possibilidade de penetrar na esfera do euro. Por isso há mais de 1.400 empresas russas registradas no Chipre, incluídas algumas das maiores, como Gazprom, Norilsk e Lukoil.
As operações de lavagem de dinheiro também são facilitadas, uma vez que o Chipre é um espaço preferencial para a máfia russa. O governo russo, com Vladimir Putin à frente, deixou claro sua contrariedade a respeito do que considera um imposto confiscatório. Calcula-se que os depósitos realizados por pessoas e empresas russas na ilha ultrapassam os 30 bilhões de dólares, aproximadamente 40% dos depósitos. Diz-se que, na verdade, que o Chipre tem sido há anos o cavalo de Troia que a máfia russa usou para penetrar na zona do euro. Não por nada, há pouco Moscou outorgou ao Chipre um crédito de 2,5 bilhões de euros e já está envolvido com as empresas que descobriram grandes reservas de gás natural na Zona Econômica Exclusiva do Chipre.
Naturalmente, o acordo com a troika (Banco Central Europeu - BCE, Fundo Monetário Internacional - FMI e Comissão Europeia. N. do T.), ia acompanhado das demais condições que estiveram afundando a Grécia, a Itália, a Espanha, Portugal e Irlanda. A austeridade fiscal (4,5% do PIB) e a contração salarial aprofundaram a recessão. Mas o imposto sobre os depósitos é o que mais chama a atenção e revela a podridão que é o projeto neoliberal de união monetária na Europa.
A troika mostrou suas cartas e deve estar furiosa. Ensaiaram-se muitas opções na crise Europeia, mas até agora haviam evitado impor um gravame sobre depósitos bancários porque estas medidas são consideradas confiscatórias. E é verdade que algo disso tem esta disposição. Mas, como os bancos cipriotas estão reciclando recursos enviados pelas grandes companhias (e a máfia) russas, a troika decidiu que desta vez os depositantes poderiam suportar o custo do ‘resgate'. Ao fazê-lo mostraram que até os depositantes ocupam um lugar secundário em suas prioridades.
A rejeição do parlamento cipriota ao plano de resgate servirá para manter contentes os grandes ‘investidores' russos na ilha. Parece que o objeto de resgate de todos, incluindo os parlamentares, é o status de paraíso fiscal. A troika não só castiga povos inteiros para salvar os bancos, mas também está comprometida com o resgate de paraísos fiscais, ainda que tenha que trair alguns de seus princípios (se é que alguma vez os teve).
Tradução: Liborio Júnior
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