segunda-feira, 4 de março de 2013

Espumentes - Do fim de festa a protagonista


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Por Camilla Veras Mota | De São Paulo
Daniel Wainstein/Valor / Daniel Wainstein/Valor
Sergio Degese, da LVMH: grupo francês quer dobrar produção local de Chandon e posicionar o Brasil entre os cinco maiores consumidores de Veuve Clicquot
O argentino Sergio Degese, da Chandon, gosta de explicar o crescimento da marca à qual se dedica há 37 anos lembrando o papel coadjuvante que o espumante desempenhava nos mercados latinos até os anos 2000. Ele só aparecia durante as grandes comemorações. No momento do brinde, só um gole, e ficava esquecido sobre a mesa. O executivo se recorda bem, pois, brinca, costumava coletar o que sobrava das taças no fim da festa quando garoto.
Em pouco mais de dez anos, o espumante desceu do salto e hoje divide a mesa de bar do happy hour com a cerveja e a caipirinha. Degese, diretor geral no Brasil da Moët Hennessy, divisão de bebidas do conglomerado de luxo francês LVMH, conta que a Chandon vendeu 3 milhões de garrafas de espumante no país em 2012. Estreou seu pop-up bar, até então restrito a praças do Sul e Sudeste, em Fortaleza e Recife. Como nos três anos anteriores, faturou 20% mais que no exercício anterior e espera repetir em 2013 o percentual de crescimento. "Em 4 ou 5 anos conseguiremos dobrar a produção", prevê. Aqui, a marca está baseada em Garibaldi, no Rio Grande do Sul, desde 1973. Também possui fábricas na Argentina, na Austrália e nos Estados Unidos.
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Espumantes da Casa Valduga passam pela "rémuage", etapa de produção do método champénoise
O avanço da Chandon é uma espécie de metonímia do setor. Enquanto a produção nacional de vinhos finos - tintos, brancos e rosés - patina nos mesmos 17 milhões de litros desde 2007, de acordo com o Instituto Brasileiro do Vinho (Ibravin), o volume de espumantes fabricados no país cresceu, no mesmo período, em cerca de 1 milhão de litros por ano. De acordo com os dados mais recentes divulgados pelo Ibravin, entre janeiro e novembro de 2012 a produção de espumantes atingiu 13 milhões de litros, um avanço de 12,04% em relação ao período anterior. Contrariando a dinâmica do segmento de vinhos finos, castigado pela concorrência dos importados, o espumante nacional domina 80% do mercado.
Esse avanço compassado já faz do espumante o principal produto de uma parcela importante de vinícolas brasileiras. Na gaúcha Casa Valduga, ele responde por 55% do volume total comercializado em 2012, 1,2 milhão de garrafas. Há 15 anos, esse percentual não passava de 10%, lembra Juciane Casagrande, diretora comercial da vinícola. O crescimento em valor da divisão em relação a 2011 foi de 22%, contra 6,7% da de vinhos. A marca tem 11 rótulos no portfólio, todos produzidos através do método champenoise, usado na região francesa da Champagne. A edição comemorativa de 130 anos, Casa Valduga 130 Brut, lançada em 2005, foi tão bem recebida que entrou permanentemente no catálogo. Motivada pelos resultados, a empresa construiu recentemente uma cava no Vale dos Vinhedos, em Bento Gonçalves (RS), com espaço para 6 milhões de garrafas - e que tem apenas metade de sua capacidade ocupada atualmente.
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Espaldeiras da Salton, adotadas em substituição às "latadas"
Alexandre Miolo, sócio da vinícola que leva seu sobrenome, afirma que a divisão de espumantes cresce em sua empresa cerca de 20% em receita há quatro anos. Em 2012, ela passou a representar 37% do volume total comercializado, que foi de 1,7 milhões de litros. A linha Terranova, com uvas cultivadas no município de Casa Nova (BA), Vale do São Francisco, é uma das que mais têm crescido entre as mais de dez marcas que pertencem ao grupo, ele conta. "Por causa do clima tropical semi-árido, temos duas safras por ano na região. O espumante que vem do São Francisco é bastante fresco - 40 dias depois da colheita, o produto já está nas prateleiras." São quatro variedades: o campeão de vendas moscatel, além de brut, demi-sec e brut rosé. Também entre as prioridades da Miolo, os espumantes Almadén foram introduzidos no portfólio em 2011 em resposta ao ganho de renda e aumento do apetite de consumo da classe C. Com custo médio de R$ 20 por garrafa de 660 ml, os rótulos, defende o executivo, têm vocação para substituir a cidra.
Na vinícola Salton, as borbulhas já são, em bloco, o maior faturamento, 35,4% do total registrado em 2012 (R$ 280 milhões), quando foram produzidas 7,3 milhões de garrafas, cerca de 5 milhões de litros. No ranking de vendas, elas vêm seguidas pelos vinhos e sucos (34,4%) e pelo conhaque Presidente (30,2%), que era o carro-chefe da empresa cerca de dez anos atrás. Graças ao avanço contínuo nas vendas de espumantes, a Salton espera neste ano crescer 13% em receita bruta e atingir R$ 317 milhões.
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Butique Veuve Clicquot no shopping Leblon, no Rio
Daniel Salton atribui o ritmo acelerado de expansão do segmento no país à receptividade do brasileiro ao espumante nacional. Nos últimos anos, a categoria tem sido premiada internacionalmente e tem colocado novas variedades nas prateleiras, emenda Diego Bertolini, gerente de marketing do Ibravin. Além disso, ela é cada vez mais percebida pelo consumidor como aquisição de bom custo-benefício. O Casa Valduga 130 Brut, por exemplo, citado anteriormente e considerado um dos melhores espumantes nacionais em 2012, custa em média R$ 60.
O terroir da Serra Gaúcha, dizem os especialistas, é apropriado para a vitivinicultura, mas especialmente para produção de espumantes. O solo ácido e a umidade abundante são ideais para o cultivo de uvas de ciclo curto, usadas na elaboração do gênero borbulhas - vinhos leves, frutados e com bom frescor.
Sem muito esmero, os produtores já conseguiriam entregar um produto final de qualidade. Nos últimos anos, porém, com esforço para aperfeiçoar a tecnologia de vinificação, o espumante nacional tem conseguido competir com muito importado. Há dois anos, a Casa Valduga gastou mais de R$ 1 milhão para adquirir de um produtor na Champagne uma prensa pneumática, máquina usada para o processamento da uva sem que haja oxidação. Recentemente, valor semelhante foi empregado na nova linha de dégorgement, que é a fase final do método de produção champenoise, usado pela vinícola. Retorno indireto do investimento, as exportações aumentaram e chegaram a 12% do volume total vendido em 2012. A vinícola já distribui para 20 países e pretende abrir os mercados japonês e escandinavo neste ano.
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Onda de "champanherias" no Rio: depois da abrir seu Bubble Bar, restaurante Bazzar, em Ipanema, registrou aumento de 50% no faturamento
A Miolo calcula que, dos R$ 100 milhões que aplicou em tecnologia e qualificação nos últimos dez anos, cerca de 15% foram empregados na divisão de espumantes. A Salton, além de comprar clones de variedades melhores, substituiu o método de cultivo em "latada", sistema de condução utilizado em boa parte da Serra Gaúcha, pelas espaldeiras - consideradas melhores por muitos enólogos e agrônomos.
O ganho de qualidade foi acompanhado pelo que Degese, da Chandon, chama de "premiunização do mercado". O aumento de renda e sua melhor distribuição no país têm sofisticado o gosto do brasileiro e democratizado o espumante. Por isso, o consumo, antes concentrado nos últimos meses do ano, é cada vez menos sazonal. A gente não se acanha mais em tomar uma tacinha antes do meio-dia - se o café da manhã for devidamente chamado de brunch -, no fim de tarde na praia, no salão de beleza.
Só no Rio de Janeiro foram inauguradas no ano passado seis "champanherias", bares especializados na venda da bebida. Entre elas, Champanhota e Cabaret Lounge, em Botafogo, Champa e Bla Blá Champanheria, na Barra. A restaurantrice Cristiana Beltrão transformou em novembro um pedaço de seu Bazzar, em Ipanema, no Bubble Bar, que tem 14 lugares hoje disputados nos fins de tarde. "Queria ter um espaço como esse desde 2010. Com a crise na Europa, muitas vinícolas-butique perderam mercado e começaram a vender seus rótulos raros também por aqui". Com garrafas de Krug Grange Cuvée e Pol Roger Sir Winston Churchill Brut vendidas a quase R$ 900, o restaurante registrou aumento de 50% no faturamento apenas três meses depois da abertura do novo bar, conta Cristiana. "Desde 98, quando inauguramos o Bazzar, é comum ver gente tomando champanhe durante o almoço. Mas agora os clientes sabem a diferença entre os tipos de rótulos, entendem o que é champanhe vintage, safrado."
Não por acaso, o Comité Interprofessionnel du Vin de Champagne, entidade que fala pelos produtores da Champagne, abriu representação em São Paulo no ano passado, a 15º no mundo. Sophie Lechevalier, diretora do escritório brasileiro, afirma que o país importou em 2011, pela primeira vez, mais de 1 milhão de litros de champanhe. Há dez anos, conta, o volume não chegava a metade disso.
A Veuve Clicquot, que, como a Chandon, pertence ao portfólio da francesa LVMH, aumentou em 30% o número de itens no portfólio entre 2008 e 2012, afirma Sérgio Degese. Chegaram ao país novas variedades da champanhe francesa, embalagens especiais, presenteáveis. Em novembro, a maison abriu no shopping Leblon, no Rio, a primeira butique das Américas, em que vendia kits com garrafas escoltadas por itens colecionáveis - de saca-rolha a chapéu panamá - coloridos com o amarelo inconfundível da marca. O Brasil, segundo o executivo, está hoje entre os 9 principais mercados de Veuve Clicquot, mas o objetivo é posicioná-lo entre os 5 mais importantes. Como consequência desse esforço, afirma o executivo, a verba de marketing da marca tem crescido entre 10% e 15% ao ano.
Mesmo diante do avanço acelerado do setor, os produtores acreditam que ainda há bastante espaço para crescer. Como lembra Diego Bertolini, do Ibravin, o consumo per capita de vinho no Brasil ainda é de 2 litros por habitante por ano, contra 60 litros na França e 30 litros na Argentina.


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