quinta-feira, 28 de março de 2013

Fórum da Tunísia discute como abrir o Islã para o mundo


Fórum da Tunísia discute como abrir o Islã para o mundo

Muitos tunisianos em particular, e especialmente as tunisianas presentes ao Fórum, manifestam o desejo de que a sua religião seja uma porta aberta para o mundo, não a porteira fechada de um aprisco. O artigo é de Flávio Aguiar, direto de Túnis

Túnis – Duas traves horizontais balizam este Fórum na Tunísia.

Uma delas é uma velha conhecida. Estava em Porto Alegre, em 2001, em Mumbai, em 2004, em Nairóbi, em 2007, em Belém, em 2009, no Senegal, em 2011. Consiste na maciça presença de pessoas que, em qualquer das milhares de mesas e pequenas ou grandes discussões, pedem a palavra e dizem: “É a primeira vez que eu falo diante de tanta gente do mundo inteiro”... e por aí vai. Em Porto Alegre, em 2001, este sentimento de descoberta vinha acompanhado de outro, o de que também descobríamos, pela primeira vez desde a queda do muro de Berlim e da consolidação da vitória neo-liberal dentro do próprio capitalismo triunfante, que nem tão poucos éramos, nem tão sós, nós os das esquerdas e dos pensamentos alternativos de todos os matizes. O mundo falava, também, por nossa boca, e para nossos ouvidos então abalados e algo descrentes.

Talvez o extremo, até aqui, deste sentimento, tenha se dado aqui mesmo no continente africano, em Nairóbi, onde ficou evidente que muitos dos africanos de diferentes países estavam se vendo e se ouvindo pela primeira vez frente a frente. Alguns estavam até acostumados a esse diálogo – mas via Europa, e não poucas vezes dentro do cercado de suas línguas coloniais/nacionais, e de suas ex-metrópoles. Mas fora assim também na Índia, país de 17 línguas oficiais e centenas de dialetos, milhares de subdialetos, e assim por diante.

Aqui se vê este sentimento de descoberta no mundo e na língua árabes. Para muitas e muitos, vê-se, é a primeira vez que se confrontam uns com os outros, dos diferentes quadrantes de dois continentes (pelo menos), na mesma língua e sem a mediação dos ex-colonizadores, de sua língua, de sua presença geográfica, ainda que distante no espaço, mas ainda tão presente na forma dos modernos e pós-modernos imperialismos de toda a sorte.

A segunda baliza tem a ver com esta região norte-africana e o Oriente Médio como um todo. Ela atravessa todas as discussões, todas as tendas de militância, todas as conversas locais, e pode ser traduzida mais ou menos assim: “o que fazer com e dentro do Islã”? Os tunisianos, em particular, mais veementemente as tunisianas presentes ao Fórum manifestam todas e todos, invariavelmente, o desejo de que a sua religião seja uma porta aberta para o mundo, não a porteira fechada de um aprisco. Ao mesmo tempo, manifestam um temor moderado diante do Ennahda, o partido muçulmano que encabeça o governo oriundo do movimento que levou o ex-ditador Ben Ali à fuga para a Arábia Saudita. O temor é que nova Constituição a ser proposta e votada emane de uma visão restritiva do Corão e do Islã, comprometendo, inclusive, a possibilidade da construção de um estado laico. E que apresente restrições inaceitáveis à vida das mulheres e de seus direitos.

Este temor passa de moderado a intenso quando se refere aos grupos salafistas que constituem uma espécie de para-milícia militante em apoio à “islamização” das instituições do país e da região. Temem a violência mal contida, por vezes desatadas em ameaças e agressões destes militantes de um fundamentalismo retógrado e redutor da Jihad a uma guerra pseudamente santa contra tudo e contra todos que não sejam seus correligionários, sobretudo, os mais frágeis, como sóe acontecer, ou a uma visão judicial punitiva de quem transgrida a visão que têm do Islã como Carta Magna da vida cívica e jurídica de um país, como denunciava Edward Saïd, um dos cidadãos palestinos mais acirradamente anti-imperialistas.

Ao lado das tradicionais bandeiras antiimperialistas, pró-meio ambiente, sustentabilidade, economia familiar, anticapitalistas, entre outras, duas balizas vieram se juntar aos desafios marcantes apontados dentre do e desde o Fórum Social Mundial. 

P. S. – Por duas vezes hoje assisti a mesma cena deplorável no terreno do Fórum, dentro do campus da Universidade El Manar. Militantes de alguma coisa estenderam uma bandeira de Israel – uma na entrada de um dos espaços e outra numa estrada interna – e convidavam os passantes a limpar os pés nelas, e os carros e motos, no segundo caso, a passar-lhes por cima. Dá para entender e apoiar a crítica ao governo discricionário de Israel, até o ressentimento dentro do mundo árabe em relação a este país. Mas decididamente não é por aí.

*Publicado também no Blog do Velho Mundo, Rede Brasil Atual

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