segunda-feira, 4 de março de 2013

O governo alemão e a União Europeia não devem receber ao governo de fato do Paraguai

01.03.13 - Paraguai

 
Cristiano Morsolin
Adital
Tradução: ADITAL
Após o chanceler do governo de fato paraguaio ter anunciado sua visita oficial à Almanha, Gabi Zimmer, presidenta do grupo parlamentar GUE/NGL(1) declarou: "Caso aceitem receber a um representante ilegítimo do Paraguai, o governo alemão e a Comissão Europeia causarão grande dano à democracia. Eles seriam os primeiros europeus a acolher ao governo de fato, fruto do golpe parlamentar contra o presidente constitucional do Paraguai, Fernando Lugo”.
O eurodeputado alemão do grupo GUE/NGL, Jürgen Klute(2), membro da Delegação Parlamentar com os países do Mercosul, sublinhou que "Seria uma vergonha que o governo alemão se prestasse novamente para tentar legitimar golpes de Estado e assegurar seus interesses econômicos, seguindo a história do saqueio que tanto mal já causou na América Latina”. Jürgen Klute participou na missão oficial de investigação que o Parlamento Europeu enviou ao Paraguai frente as preocupações que emanaram desde as instituições europeias ante o processo de destituição do presidente constitucional Fernando Lugo.
"A União Europeia e seus países membros devem respeitar e abster-se de intervir nas decisões tomadas por seus homólogos regionais, como o Mercosul, a Unasul e a Celac, que foram unânimes em condenar a ruptura da ordem institucional do Paraguai e, por consequência, suspenderam o Paraguai desses organismos regionais”, concluiu Jürgen Klute.
O chanceler paraguaio, José Feliz Fernández, que anunciou sua visita a Europa, foi denunciado publicamente por monopolizar terras para sua família.
Criminalização do protesto social e alta concentração da terra
O Paraguai é um dos 10 países mais desiguais do mundo, o problema da alta concentração da terra continua sendo um ponto central do conflito social.
No dia 20 de fevereiro de 2013, a Coordenadora Nacional de Organizações de Mulheres Trabalhadoras Rurais e Indígenas (Conamuri) assinalou que o assassinato do dirigente camponês Benjamín Lezcano busca "esmagar o protesto social”. A organização atribui o crime, que aconteceu na terça-feira passada, em Concepción, à "mão suja do capitalismo agrário”.
O comunicado de Conamuri ressalta que Lezcano era conhecido por sua luta contra as sementes transgênicas e contra a empresa de capital estrangeiro Río Tinto.
Condenam que se mencione que o líder da organização camponesa, Rodríguez de Francia, esteve vinculado ao EPP, utilizando esse argumento para "desprestigiar a reforma agrária”, indica o comunicado.
A organização considera que esse fato, bem como o assassinato do camponês Vidal Vega, tem como objetivo "descabeçar as organizações camponesas”.
"Denunciamos o terrorismo de Estado que permite que situações como esta continuem repetindo-se, engrossando a nefasta lista de lutadores/rãs sociais vítimas de uma oligarquia latifundiária que se sente incomodada com as demandas por justiça social”.
A Conamuri exige a investigação do fato e o castigo "exemplar” dos responsáveis. Além disso, anunciam constantes mobilizações para reclamar a investigação e punição desses fatos.
O líder Benjamín Toto Lezcano foi morto a tiros por desconhecidos. Aconteceu na noite da terça-feira, em frente à sua residência, no assentamento Núcleo 4, de Arroyito, Departamento de Concepción, informou a Polícia(3).
Na zona norte do país aumentam e continuam os assassinatos seletivos de dirigentes camponeses. Todo assassinato desse tipo responde a uma agenda política definida a partir dos setores de poder; é uma prática que pode ser utilizada em determinados momentos; é uma parte importante do complexo plano de dominação e de opressão contra as camadas mais empobrecidas da sociedade, que são vistas como inimigas pelas elites econômicas e políticas locais ou internacionais, relata Serpaj Paraguai(4).
Abel Irala, especialista do Serpaj Paraguai comenta ao Observatorio Selvas que "A lógica do inimigo-amigo se traduz na guerra contra o terrorismo. Essa mesma lógica cataloga de "terrorismo” a todas as ações que incomodem ou que ponham em risco os interesses das elites; desde esse ponto de vista podem ser fortemente vigiados e controlados.
É por isso que para o sistema dominante é importante que se gerem climas de desestabilização ou de insegurança para permitir o deslocamento de forças policiais de elite, trabalhos de inteligência; declarações de estados de exceção; invasões de domicilio; perseguições e outros instrumentos que caracterizam a militarização de determinados territórios para o controle dos supostos inimigos.
O combate ao terrorismo é o principal pilar da política externa dos Estados Unidos; dentro dessa se pode incluir, como instrumento, o assassinato seletivo. Através de diferentes programas e "acordos de cooperação”, chega a diferentes partes do mundo, estendendo sua política de eliminação daqueles que consideram terroristas. Em nosso continente, um dos mais conhecidos é o Plano Colômbia, questionado especialmente por organizações sociais e de direitos humanos pelos elevados níveis de violação e atropelos dos direitos humanos cometidos no desenvolvimento desse plano.
Os Estados Unidos impulsionam no Paraguai –precisamente na zona norte- o programa denominado IZN (Iniciativa Zona Norte) através do qual materializa sua política exterior no país.
Como parte desse programa, foi criado e treinado um novo corpo de elite policial denominado COR (Comando de Operações Rurais); segundo James Thessin, embaixador dos EUA no Paraguai, com a criação desse corpo será oferecida mais segurança e desenvolvimento aos Departamentos do norte. "A segurança é essencial para que a democracia funcione, para que o governo seja forte e que a economia cresça”, afirmava o diplomata em um ato com os egressados nacionais do curso, instrutores chilenos, colombianos e autoridades paraguaias, conclui Irala.
Ex-ministra Liz Torres denuncia que no Paraguai avançam as multinacionais e as máfias


Após o golpe de Estado parlamentar, que derrocou o presidente constitucional Fernando Lugo, as multinacionais e os clãs mafiosos continuam instalando-se no Paraguai. Isso foi denunciado por Liz Cristina Torres, ex-ministra da Infância e da Adolescência da anterior administração, destituída em junho do ano passado e atualmente candidata de Kuña Pyrenda(5).
Em declarações à Prensa Latina, ressaltou que o golpe de Estado contra Lugo concretizou um plano da direita, "dos poderes fáticos” entre os quais estão "as transnacionais monopolizadoras das riquezas naturais do país”.
Torres explicou que entre esses poderes fáticos se encontram "a máfia, que vem se instalando com força há algum tempo no Paraguai”.
Alertou que o nível de dependência com esses setores "é absolutamente arriscado e põe em perigo uma vez mais a soberania e o processo histórico paraguaio”.
As declarações de Torres aconteceram por ocasião de seu apoio a uma manifestação de camponeses e indígenas contra o Governo de fato de Frederico Franco e em reclamo da reforma agrária.
Para a ex-ministra, a nova administração já "deu mostras de uma regressão muito grane das conquistas alcançadas” e deu como exemplo a liberação do uso de sementes transgênicas nos cultivos de algodão e milho.
Recordou que o Paraguai tem um problema histórico de apropriação da terra por parte de um setor minoritário, onde 80% está em mãos de 20% da população. Também acusou à direita de cerrar fileiras, associada aos meios de comunicação, às multinacionais e à máfia, todos atores potentes que vão incorporando à sociedade a trata de pessoas para exploração no trabalho e sexual.
Além disso, Torres destacou que no seu país se registra um avanço na conscientização alcançada nos quase quatro anos de governo Lugo, algo demonstrado nas ações de resistência que acontecem dia a dia no Paraguai(6).
Compromisso da ex-Vice Ministra Mercedes Canese
A ex-viceministra de Minas y Energia, Mercedes Canese(7), informou no dia 26 de janeiro que encabeçará a lista para deputados em Assunção, pela Frente Guasu, nas eleições gerais de 2013.
Os três eixos principais de sua gestão como legisladora serão: conseguir a instalação de um transporte público elétrico, ecológico e de qualidade; construir residências dignas e seguras destinadas às pessoas que vivem nos bairros mais humildes e incentivar a participação cidadã para conseguir um melhor exercício da democracia.
Ressaltou também a necessidade de impulsionar a concretização de obras públicas que permitam gerar fontes de trabalho e aprofundar os programas sociais iniciados durante a gestão de Fernando Lugo.
Participaram no encontro para escutar as propostas de Mercedes Canese, além dos mencionados, candidatos/as por Assunção, militantes, dirigentes de bairros e simpatizantes em geral.
Vale recordar que Canese foi vice-ministra de Minas e Energia durante o governo Lugo e, após a destituição do presidente, se pôs à frente da campanha de conscientização cidadã ‘Não a Rio Tinto Alcán’, com a qual conseguiu instalar uma agenda pública o debate sobre a convivência ou não da chegada dessa questionada empresa ao Paraguai(8).
Mercedes Canese comenta ao Observatorio Selvas que "O golpe parlamentar instalou uma plutocracia ‘vendepatria’ no poder. Os termos podem ser fortes; porém, tudo se comprova nos fatos que acontecem. O governo defende os interesses dos poderosos, tentando destruir as conquistas sociais do governo de Fernando Lugo, tais como saúde gratuita, participação cidadã, a não discriminação e, inclusive, prioriza a defesa dos interesses das grandes transnacionais, como Monsanto, Rio Tinto Alcán acima dos interesses da classe empresarial nacional, além dos interesses da cidadania. Atrocidades como o não esclarecimento do massacre de Curuguaty, a venda de terras ancestrais e estrangeiros (tituladas em nome do Instituto Nacional de Desenvolvimento Indígena – Indi) e a expulsão dos indígenas, demonstra que os direitos humanos e os Tratados internacionais são letra morta para eles e não pretendem dissimulá-lo. E o que dizer das perseguições por motivos ideológicos, das demissões injustificadas na função pública”.
O bispo Melanio Medina denuncia que Lugo foi destituído por lutar a favor dos pobres
Dom Mario Melanio Medina, bispo de Misiones e Ñeembucú, afirmou que Lugo foi destituído por querer lutar em favor dos pobres, por buscar a equidade social. Durante sua homilia na missa em honra a San Juan Batista, também qualificou como "um golpe do parlamento” a decisão do Senado de destituir Lugo. A liturgia aconteceu no domingo, 30 de novembro, na Catedral dessa capital Departamental, com a participação de milhares de fieis católicos. "Puseram a Franco, mas ele não poderá fazer absolutamente nada, porque está atado ao capitalismo, pela estrutura parlamentar e os que têm poder econômico”, ressaltou Dom Medina.
Assinalou que a raiz do "golpe parlamentar” a Argentina já cortou relações com o Paraguai. "Talvez mais adiante a relação bilateral tem conserto; porém, foi cortado o abastecimento de gás e combustível que o país compra da Argentina”, disse.
Sublinhou que, devido à ambição dos latifundiários, entre eles Blas N. Riquelme, que tem mais de 40.000 hectares, aconteceu o massacre de Curuguaty.
Se o presidente de fato, Franco, quiser fazer bem as coisas e ajudar aos pobres, também será destituído, advertiu Dom Medina, ao mesmo tempo que assinala o capitalismo, acusa e rotula aos que protestam e buscam a igualdade social de comunista, socialista e esquerdista. Paraguai e América Latina estão submetidos entre dois modelos: o que busca a igualdade social e o capitalismo (que somente quer fazer fortuna) que não se interessa de maneira nenhuma pela situação dos pobres, expressou Dom Medina, em declarações difundidas pelo Celam(9).
O sociólogo estadunidense Immanuel Wallerstein, reconhecido em âmbito mundial, foi entrevistado com exclusividade pelo Observatorio Selvas. Na conversa, manifestou que "o escandaloso golpe de Estado contra o presidente Lugo, do Paraguai, deve ser resistido por todas as pessoas democráticas e progressistas de todo o mundo”. "Os atores cruciais, no entanto, além dos cidadãos paraguaios, são os outros Estados sul-americanos. Têm que ser muito firmes com a tentativa do Senado do Paraguai para desfazer os direitos democráticos no país. Nessa luta, o mundo respirará melhor e a Unasul se fortalecerá em grande medida”, disse Wallerstein, principal teórico da análise de "sistema-mundo”(10).
Concluindo, o Observatorio sobre a América Latina Selvas tem denunciado a violação da democracia no Paraguai, a partir do golpe parlamentar contra o presidente Lugo e publicou várias notas na web do bloco GUE-NGL do Parlamento Europeu(11) e do prestigiado The Guardian de Londres(12), encontrando o próprio presidente Fernando Lugo na missão realizada em Assunção no passado mês de agosto(13).
NOTAS
(1)http://www.guengl.eu/news/article/gue-ngl-news/german-government-and-eu-should-not-receive-representatives-of-de-facto-gov
(2) http://www.juergen-klute.eu
(3) http://www.cloc-viacampesina.net/es/temas-principales/derechos-humanos/1391-paraguay-conamuri-frente-a-asesinato-de-dirigente
(4) http://www.serpajpy.org.py/?p=719
(5) www.kunapyrenda.org/
(6) http://www.avn.info.ve/contenido/ex-ministra-denuncia-que-paraguay-avanzan-multinacionales-y-mafia
(7) http://paraguayresiste.com
(8) http://www.novaparaguay.com/nota.asp?n=2013_2_19&id=19470&id_tiponota=4
(9) http://www.celam.org/detalle.php?id=Mzgz
(10) http://diversidadenmovimiento.wordpress.com/2012/06/28/entrevista-exclusiva-a-wallerstein-el-escandaloso-golpe-debe-ser-resistido-por-todas-las-personas-democraticas-y-progresistas-del-mundo
(11) http://www.guengl.org/showPage.php?ID=10827&LANG=1&GLANG=1
(12) http://www.guardian.co.uk/global-development/poverty-matters/2012/jun/29/fernando-lugo-paraguay-coup-development?intcmp=122
(13) http://diversidadenmovimiento.wordpress.com/2012/07/

[Cristiano Morsolin, investigador italiano e operador de redes, radicado na América Latina desde 2001. Autor de vários livros e painelista internacional. Co-Fundador do Observatorio sobre Latinoamérica SELVAS. Realizou uma missão em Assunção, em agosto 2012, entrevistando o Presidente Lugo, dirigentes políticos e líderes de movimentos sociais].
28.02.2013
NdE: Leia também:
23.11.2012 - Juicio ético condena Parlamento de Paraguay (Cristiano Morsolin)

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