Objetivo é substituir trabalhadores mais velhos e com direitos por uma classe menos organizada sindicalmente
Agência Efe
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Com hino da Revoulção dos Cravos, centenas de milhares de portugueses exigiram demissão do governo e rechaço às imposições da Troika
Arrisco propor que o que está a ser feito dentro de Portugal é um modelo para o continente, porque o rebaixamento dos salários aqui e a precarização do sul da Europa serão o enterro dos direitos laborais e do salário minimamente decente no norte.
Em 1984 e 1989, uma restruturação dos trabalhadores portuários (estivadores) coloca uma grande parte deles (cerca de 2.500) em situação de reforma antecipada. Duas portarias, de 1984 e 1988 (nº 614-B e 820/88), permitem que estes sejam reformados a partir dos 55 anos com um mínimo de 15 anos de desconto, em geral. O Decreto-Lei 116/90, de 5 de abril de 1990, permite mesmo que essas reformas antecipadas abranjam trabalhadores de 40 anos de idade.
Em 1993, na sequência da assinatura do Pacto de Concertação Social do Setor Portuário, afastam-se em Lisboa mais cerca de 520 trabalhadores através de um processo de licenciamento - demissões por mútuo acordo com indenização - e assina-se um Contrato Coletivo de Trabalho. Em 1995, fruto de uma greve que durou 10 dias, assina-se um protocolo a esse acordo que, de alguma forma, coloca limites à contratação de trabalhadores eventuais. Em 1999, um novo Decreto-Lei (nº 483/99, de 9 de novembro), abre de novo as portas à reforma antecipada aos 55 anos de idade. O número de trabalhadores do Porto de Lisboa entretanto caiu de 3.500 em 1980 para 2.000 em 1989, 800 em 1993, 280 em 1994, 280 em 1995 (mas acrescidos de cerca de 60 trabalhadores temporários), para os atuais 261 (acrescidos de cerca de 50 temporários).
Em 1º de agosto de 2012 o governo fez aprovar o novo código laboral onde, além de diminuir drasticamente o valor das reformas antecipadas, facilita as demissões baixando muito o nível das indenizações. Estes trabalhadores entram em greve contra a nova Lei dos Portos, que permitia a flexibilização laboral, no último trimestre de 2012 e são retratados na mídia como privilegiados com “regalias” e salários de “5.000 euros”. A greve termina em 27 de dezembro de 2012, sem resultados. A Lei nº3/2013, de 14 de janeiro, foi aprovada em dezembro de 2012 e entrou em vigor em janeiro de 2013. No final desse mês são demitidos 18 trabalhadores temporários.
Um mês e meio depois, em 18 de março de 2013, os trabalhadores receberam a denúncia do Contrato Coletivo de Trabalho – a carta de três páginas, dirigida ao sindicato, onde se informa que são denunciados todos os acordos e protocolos adicionais, com uma tabela com os respetivos protocolos e um “sem outro assunto de momento apresentamos os nossos melhores cumprimentos”. Em anexo uma proposta para as novas relações laborais: fim do limite à contratação de temporários, fim das categorias mais qualificadas de trabalhadores, aumento do horário de trabalho e uma redução do salário base de 1.700 euros para 550 euros .
Este exemplo, que poderia ser o exemplo dos estaleiros navais da Lisnave, de outras empresas metalomecânicas, do setor bancário, da PT (Portugal Telecom, setor de telecomunicações), levanta-nos algumas questões centrais, para além da evidente busca de níveis de produtividade através da exaustão da força de trabalho.
Chefe de governo português, Pedro Passos Coelho, é árduo defensor de medidas que precarizam progressivamente mercado de trabalho português
Um sobreiro (ou chaparro, árvore semelhante ao carvalho) é plantado, mas dá cortiça passados nove anos; um pinheiro leva quatro décadas para dar madeira e um filho 20 anos para crescer. Garantir ontem os direitos adquiridos, sem uma visão estratégica de conjunto, que garantisse os direitos também para os que iam entrar no mercado de trabalho, não os garantiu.
Mesmo que os sindicatos ou as organizações de trabalhadores olhem de forma corporativa e setorial para as suas condições laborais, o modo de acumulação capitalista não funciona dessa forma. O expediente das reformas antecipadas não garantiu nem as próprias reformas dos que as assinaram há 10, 15 e 20 anos trás. Um vez que essas reformas, nos acordos que foram estabelecidos, permitiam ou 1) a eliminação total de postos de trabalho (sem redução de horário para os que se mantinham) ou 2) a entrada de trabalhadores precários, criando assim um contingente cada vez maior de “homens livres como passarinhos”, para usar uma conhecida frase de Karl Marx, dispostos a vender a sua força de trabalho porque não têm nenhuma outra forma de garantir a sua vida, livres e desesperados, num país onde há 1 milhão e 400 mil desempregados (taxa real de desemprego em Portugal em março de 2013).
Esta situação enfraqueceu objetivamente os sindicatos, as comissões de trabalhadores e outros organismos representativos dos trabalhadores e hoje os empregadores logram oferecer uma proposta de redução de um terço do salário direto a uma categoria profissional.
O quadro do novo código de trabalho, que entrou em vigor em 1º de agosto de 2012 – e que torna as demissões “fáceis e baratas” – indica que esta proposta juntos dos trabalhadores estivadores não é única, mas é exemplar. Sendo de antever daqui para a frente – arriscamos fazer esta conjectura – uma imensa remodelação do mercado de trabalho, em que se joga para fora do mercado de trabalho os que têm direitos e substitui-se massivamente pelos mais jovens, mais formados e por isso mais produtivos, mas também menos organizados politica e sindicalmente.
Entretanto a segurança social foi sendo descapitalizada, ora porque os trabalhadores precarizados descontam cada vez menos, ora porque as empresas não pagam de acordo com riqueza produzida (que aumenta com a introdução de novas máquinas e demissões de trabalhadores), ora porque estas restruturações foram feitas usando os fundos da segurança social: subsídios de desemprego, subsídios parciais de desemprego, isenções de contribuições para empresas, pagamento dos lay off (paragem de produção) e formação profissional.
Esta descapitalização – que ocorre não pelo aumento da esperança média de vida mas pelas relações e condições laborais – é hoje o argumento para baixar as reformas dos que há 20 anos as negociaram, e de todos os pensionistas e reformados hoje. A concretizar-se a denúncia do CCT dos trabalhadores portuários poderá ter como consequência a saída da mão-de-obra mais velha, menos qualificada, e mais organizada sindicalmente, que passariam à situação de desempregados ou reformados, portanto com muito menos capacidade de paralisar e fazer pressão sobre a produção.
Haverá saída para isto? Dos desafios mais interessantes hoje para os historiadores do trabalho é o papel dos transportes nesta fase de desenvolvimento capitalista. Imagine-se um dia de greve nos estivadores, seguido de um dia de greve nos maquinistas, seguido de um dia de greve nos transportes aéreos? Imagine o leitor agora uma greve concertada de todos eles? Na verdade basta parar a cadeia produtiva numa ponta que ela para em todo o caminho – o modelo "just in time" faz com que grande parte da produção esteja dependente dos transportes. Hoje, algumas centenas de trabalhadores – estivadores, maquinistas, caminhoneiros, pilotos, comissários de bordo – podem parar este modelo de acumulação baseado na pauperização das classes médias, destruição de direitos laborais e arraso, por garrote fiscal, das pequenas empresas.
A alternativa é deixar os trabalhadores amarrados a um paliativo alucinogeno – subsídio de desemprego, rendimento social de inserção, cantinas sociais –, e acabarmos (sei o quanto estarei a ser polémica!), lumpenizados, brutos, “feitos, porcos e maus”, perdendo a dignidade, a cultura, a gentileza, o amor, que só é possível numa sociedade humanizada por condições laborais dignas.
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