Alexandre Andrade Martins
Religioso Camiliano. Filósofo e Teólogo
Adital
Um dos maiores mistérios do ser humano é o funcionamento do seu cérebro. Desde a antiguidade, filósofos, teólogos e cientistas tentam entender o que faz homens e mulheres serem seres pensantes. Existem muitas explicações para a vida mental. Nenhuma delas dá conta de desvendar o mistério, mas não se pode dizer que elas estejam totalmente erradas. Contudo, parece que agora dois grupos de pesquisas neurocientificas estão determinados a desvendar esse mistério de uma vez por todas, e entender detalhadamente o funcionamento do cérebro e todos os seus labirintos. Dois consórcios de neurocientistas entraram nessa corrida, um europeu, The Human Brain Project (Projeto de Cérebro Humano), e outro nos Estados Unidos, Brain Mapping Project (Projeto do Mapeamento do Cérebro). Ambos receberam investimento de milhões de dólares de governos de países europeus e dos Estados Unidos, e prometem ter esse mistério desvendado entre 10 e 15 anos. Ontem (02.04.2013), o presidente Obama anunciou a investimento inicial de 1 bilhão de dólares para o mapeamento de cérebro, investimento que pode chegar até 3 bilhões, projeto esse que chamado agora pelo presidente de Brain Initiative. Entre os argumentos utilizados por Obama para justificar esse investimento, estão a possível cura de doenças, o desenvolvimento de novas biotecnologias e o retorno econômico.
A neurociência é fascinante e sedutora. Nós já usufruímos de muitos benefícios provenientes da neurociência e os possíveis benefícios com o mapeamento do cérebro são incontáveis. Porém há riscos em toda essa sedutora área e muitas questões éticas. Tudo isso precisa ser pensado para que o conhecimento proveniente da neurociência venha contribuir para a vida humana e seu desenvolvimento e não para gerar mais exclusão, injustiças e violência contra pessoas vulneráveis. Vejamos algumas questões que lideram o debate em torno da neurociência.
As pesquisas neurocientificas vivem um período de grande desenvolvimento e alguns dos seus resultados já estão sendo utilizados para o benefício da vida humana. O conhecimento neurocientífico é utilizado em muitos exames médicos como os exames que verificam as atividades elétricas do cérebro (EEG), as tomografias computadorizadas (CAT, PET, etc.) e os exames de imagens feitos com resonância magnética. Outra área que também utiliza esse conhecimento é a farmacologia, que desenvolve medicamentos capazes de atuarem diretamente no sistema nervoso, como os antidepressivos e os ansiolíticos. O foco principal da neurociência é a restauração da saúde e de funcionalidades do sistema nervoso. Somado a isso, há um crescente interesse no desenvolvimento de técnicas e drogas capazes de melhorar o ser humano no que diz respeito ao seu corpo, suas capacidades mentais e emocionais. Tecnicamente isso é chamado de melhoramento do ser humano, mas o significado disso é algo muito controverso porque envolve, desde aspectos cognitivos e emocionais até a alteração da personalidade e controle de comportamento moral. Melhoramento em neurociência não é apenas desenvolver algo que protege o corpo humano contra doenças, mas é também alterar vários aspectos do cérebro e das faculdades mentais assim como o modo com que as pessoas expressam a si mesmas no mundo.
Aplicação do conhecimento produzido pela neurociência tem uma enorme potencialidade de beneficiar o ser humano, mas existem questões éticas que não podem ser esquecidas, como a possibilidade de acesso direto a parte do cérebro que determina a personalidade das pessoas e as áreas responsáveis pelo julgamento moral e a capacidade de fazer escolhas. Isso fez surgir a neuroética, que reflete sobre questões morais, legais e sociais criadas pelo desenvolvimento teórico e prático da neurociência. São muitos os argumentos contra a o uso do conhecimento neurocientífico para o melhoramentodo ser humano. Os principais argumentos estão em torno da identidade e autenticidade do ser humano. Por exemplo, o uso de medicamento para melhorar a capacidade cognitiva e evitar sofrimento poderia desconectar a pessoa da realidade e fazê-la viver em uma falsa existência na qual é dependente de medicamentos e não tem consciência da sua própria realidade. Há o rico de faz a pessoas perder seu referencial cultural, familiar, social e demais aspectos que contribuíram para a formação da sua personalidade, consequentemente essa pessoa viveria controlada por medicamentos e por aqueles que os administram.
Em neurociência há um forte debate sobre a autonomia, mas recurso ao argumento da autonomia é ambíguo. Ele é usado para dizer que, se uma pessoa autônoma deseja utilizar neurofarmacos para melhorar sua vida e não sofrer mais, ela tem o direito de fazer. Por outro lado, o uso do conhecimento neurocientifico para melhorar o ser humano pode fazer a pessoa perder a sua autonomia e liberdade, uma vez que autonomia não depende apenas da atividade cerebral, mas é resultado de um processo de amadurecimento em termos morais e sociais. Processo esse que acontece por meio de experiências e relações com coisas e pessoas tendo o corpo como mediador entre a pessoa e o mundo.
Os riscos e dilemas éticos existem e eles precisam ser pensados e ponderados no uso do conhecimento neurocientifico para o bem de todos os seres humanos. O ensino social da Igreja Católica apresenta uma perspectiva comunitária que nos ajuda a refletir sobre o uso desse saber, que é marcado por uma visão positivista e individualista. Uma visão comunitária sobre o uso do conhecimento neurocientifico convida a refletir sobre a justiça e a solidariedade, sobre o bem comum, e o aceso aos benefícios da neurociência. Precisamos refletir se a neurociência e se seus benefícios são apenas para um pequeno grupo ou é um bem comum que deve ser colocado à disposição de todos.
A neurociência é uma área repleta de conflitos, individualista e envolve muito dinheiro. Todos aqueles que estão investindo para mapear o cérebro querem o retorno econômico desse investimento. Temos aqui um desafio para os teólogos e para toda a Igreja na defesa da justiça e dos pobres e vulneráveis que, por meio da reflexão ética, apresenta valores e significativos elementos para um florescimento neurocientífico ético e comprometido com a promoção da vida. O ensino social da Igreja tem elementos capazes de contribuir para bom uso da neurociência e que os resultados obtidos com o mapeamento do cérebro sejam o máximo possível acessível para o benefício de todos e não apenas mais um produto nas mães de grandes companhias para ser comercializado.
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