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Terra e poder: livro analisa políticas agrárias do governo Olívio Dutra
Pesquisa de César Augusto Da Ros, defendida como tese de doutorado na Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, analisa a decisão ousada tomada pelo governo Olívio Dutra (1999-2002) no Rio Grande do Sul, durante o governo Fernando Henrique Cardoso: assentar 10 mil famílias de agricultores sem terra. Apesar de não ter atingido a meta, o governo Olívio conseguiu assentar 3.100 famílias no Estado, o que representou 88% de todos os assentamentos realizados no RS no período citado. Fez isso enfrentando uma reação pesada do conservadorismo gaúcho e contradições internas à sua base política e social.
Marco Aurélio Weissheimer
Porto Alegre - Apesar de não ter conseguido cumprir a ambiciosa meta a que se propôs – assentar 10 mil famílias de agricultores sem terra no Rio Grande do Sul -, o governo Olívio Dutra (PT) representou um marco na luta pela Reforma Agrária no Brasil. No período entre 2000 e 2002, com Fernando Henrique Cardoso na presidência da República, o governo Olívio conseguiu assentar 3.100 famílias no Estado, o que representou 88% de todos os assentamentos realizados no Rio Grande do Sul no período citado. Ou seja, o governo estadual tomou para si a política de Reforma Agrária, enfrentando limites, contradições nas suas relações com os movimentos sociais e, principalmente, uma reação cerrada dos setores conservadores no Estado, aliados com o principal grupo de comunicação do Sul do Brasil, a RBS.
Essa é uma das principais conclusões do livro “Terra e poder no Rio Grande do Sul. As políticas agrárias durante o governo Olívio Dutra (1999-2002)”, de César Augusto Da Ros (Editora Garamond/FAPERJ). A pesquisa publicada neste livro foi defendida originalmente como tese de doutoramento junto ao Curso de Pós-Graduação em Desenvolvimento, Agricultura e Sociedade, da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro. Em meio ao governo de FHC em nível nacional e após o governo de Antônio Britto (PMDB) no Rio Grande do Sul, que teve nas privatizações um de seus principais eixos programáticos, o governo Olívio Dutra caminhou em outra direção, resgatando compromissos que só tinham assumido caráter de política de Estado no RS no governo de Leonel Brizola.
Meta audaciosa e armadilha política
Na estratégia de desenvolvimento rural preconizada pelo governo Olívio Dutra, assinala Da Ros, a construção de uma política fundiária foi concebida para fortalecer e recuperar as formas familiares de produção, em contraposição às políticas de incentivo praticamente exclusivo ao agronegócio e à política fundiária centrada então nos instrumentos de obtenção de terras pela via do mercado. Em seu livro, o autor elenca os avanços obtidos nesta área, mas aponta também os problemas e limites enfrentados pelo governo da Frente Popular. A meta audaciosa de assentar 10 mil famílias de agricultores sem terra, escreve Da Ros, acabou se constituindo “numa armadilha política para o governo, uma vez que o forçou a trabalhar sob pressão, não apenas por parte dos sem-terra, mas pelo conjunto das organizações da sociedade civil gaúcha, que cobravam pelo seu cumprimento integral”.
Além disso, acrescenta o autor, essa meta acabou desviando o foco das pressões sobre o governo federal, a quem cabia a atribuição constitucional na execução de políticas de reforma agrária. Por outro lado, a ousadia da meta fixada levou o governo estadual a construir políticas e espaços institucionais até então inexistentes. Entre essas medidas, destacaram-se a criação do Gabinete de Reforma Agrária, o fortalecimento orçamentário do Funterra e a elaboração do Programa Estadual de Reforma Agrária (Pera). “Pela primeira vez na história recente do Rio Grande do Sul, um governo estadual propugnava por implantar uma política de assentamentos articulada à sua estratégia de desenvolvimento rural, e não apenas como resposta episódica ao acirramento dos conflitos fundiários”, sustenta Da Ros.
Na avaliação do autor, o traço mais singular do governo Olívio Dutra nesta área foi a participação de representantes dos movimentos sociais e sindicais na estrutura da Secretaria da Agricultura e dos seus respectivos departamentos. Isso não ocorreu apenas por concessão do governo, assinala Da Ros, mas também por uma decisão dos movimentos sociais que desejavam influir no processo de elaboração de políticas públicas. Inédita e ousada politicamente, essa decisão trouxe, porém, problemas para o governo, aponta o estudo. “Essa participação, além de ter gerado dúvidas acerca dos papeis a serem cumpridos de parte a parte, contribuiu para internalizar na Secretaria da Agricultura as divergências existentes entre os movimentos da Via Campesina e o movimento sindical rural ligado à CUT (...) O centro dessas divergências relacionava-se ao grau de prioridade a ser conferido pelo governo estadual à reforma agrária”.
Um governo pressionado à esquerda e à direita
Pressionado à esquerda pelo MST, Via Campesina e setores do PT, o governo Olívio enfrentou também uma forte pressão à direita, capitaneada pela Federação da Agricultura do Rio Grande do Sul (Farsul). O que mais desagradou os integrantes da Farsul, assinala Da Ros, “não foi o aumento das ocupações em si – as quais foram parcialmente estimuladas pela meta de assentamentos anunciado pelo governo -, mas, sim, a opção do governo em tratá-las por meio da negociação política, em detrimento do uso da repressão policial, como havia sido nos governos anteriores”. Nesta luta política, diz o pesquisador, “os representantes do patronato rural sempre contaram com o apoio dos órgãos da imprensa local para vocalizar suas posições e argumentos, em especial àqueles pertencentes à Rede Brasil Sul de Comunicações (RBS), principal afiliada das Organizações Globo nos estados do Rio Grande do Sul e Santa Catarina”. Mesmo com estas contradições sendo exploradas pela oposição durante todo o governo, assinala ainda o autor, a orientação de privilegiar a negociação política em detrimento da repressão foi dominante até o final do mandato de Olívio.
Apesar de todas as limitações postas então à execução de uma política agrária estadual, sem apoio do governo federal, a ação do governo Olívio Dutra, conclui o pesquisador, “foi a mais vigorosa, se comparada aos governos que o antecederam, o que permitiu um avanço significativo no número de assentamentos rurais no estado, contribuindo para ampliar consideravelmente o universo das famílias beneficiadas” Além disso, acrescenta, a análise do conjunto das ações fundiárias adotadas pelo governo da Frente Popular mostra que, “a despeito dos compromissos eleitorais e das disposições favoráveis dos governos estaduais em adotarem políticas fundiárias próprias, estas somente podem ser pensadas em caráter complementar às ações do governo federal”.
“Um Pepe Mujica do Brasil”
No prefácio ao livro, o professor Miguel Carter, da American University Washington DC, faz um elogio à figura de Olívio Dutra, apontado por ele como “um Pepe Mujica do Brasil”, uma figura que, segundo ele, “parece escassear no PT atual”. Carter fala da saudade que o governo Olívio desperta em setores da esquerda:
“Desconfio que essa saudade revela uma certa nostalgia de uma virtude que marcou um padrão em seu governo e que tem minguado em setores importantes da esquerda brasileira: a intrepidez de abraçar grandes sonhos e ideais e com eles lutar por profundas transformações sociais. Para isto é imprescindível cultivar um senso de utopia e esperança, acreditar que um outro mundo é possível. Esta inspiração é indispensável para estimular mudanças ousadas, criativas e viáveis porque, como salienta Max Weber, neste mundo nunca se consegue o possível se não tentarmos uma e outro vez atingir o impossível. Uma esquerda que deixa de sonhar, que despreza os horizontes utópicos e se apega a administrar com pragmatismo o status quo, se torna lânguida e insípida”.
Essa é uma das principais conclusões do livro “Terra e poder no Rio Grande do Sul. As políticas agrárias durante o governo Olívio Dutra (1999-2002)”, de César Augusto Da Ros (Editora Garamond/FAPERJ). A pesquisa publicada neste livro foi defendida originalmente como tese de doutoramento junto ao Curso de Pós-Graduação em Desenvolvimento, Agricultura e Sociedade, da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro. Em meio ao governo de FHC em nível nacional e após o governo de Antônio Britto (PMDB) no Rio Grande do Sul, que teve nas privatizações um de seus principais eixos programáticos, o governo Olívio Dutra caminhou em outra direção, resgatando compromissos que só tinham assumido caráter de política de Estado no RS no governo de Leonel Brizola.
Meta audaciosa e armadilha política
Na estratégia de desenvolvimento rural preconizada pelo governo Olívio Dutra, assinala Da Ros, a construção de uma política fundiária foi concebida para fortalecer e recuperar as formas familiares de produção, em contraposição às políticas de incentivo praticamente exclusivo ao agronegócio e à política fundiária centrada então nos instrumentos de obtenção de terras pela via do mercado. Em seu livro, o autor elenca os avanços obtidos nesta área, mas aponta também os problemas e limites enfrentados pelo governo da Frente Popular. A meta audaciosa de assentar 10 mil famílias de agricultores sem terra, escreve Da Ros, acabou se constituindo “numa armadilha política para o governo, uma vez que o forçou a trabalhar sob pressão, não apenas por parte dos sem-terra, mas pelo conjunto das organizações da sociedade civil gaúcha, que cobravam pelo seu cumprimento integral”.
Além disso, acrescenta o autor, essa meta acabou desviando o foco das pressões sobre o governo federal, a quem cabia a atribuição constitucional na execução de políticas de reforma agrária. Por outro lado, a ousadia da meta fixada levou o governo estadual a construir políticas e espaços institucionais até então inexistentes. Entre essas medidas, destacaram-se a criação do Gabinete de Reforma Agrária, o fortalecimento orçamentário do Funterra e a elaboração do Programa Estadual de Reforma Agrária (Pera). “Pela primeira vez na história recente do Rio Grande do Sul, um governo estadual propugnava por implantar uma política de assentamentos articulada à sua estratégia de desenvolvimento rural, e não apenas como resposta episódica ao acirramento dos conflitos fundiários”, sustenta Da Ros.
Na avaliação do autor, o traço mais singular do governo Olívio Dutra nesta área foi a participação de representantes dos movimentos sociais e sindicais na estrutura da Secretaria da Agricultura e dos seus respectivos departamentos. Isso não ocorreu apenas por concessão do governo, assinala Da Ros, mas também por uma decisão dos movimentos sociais que desejavam influir no processo de elaboração de políticas públicas. Inédita e ousada politicamente, essa decisão trouxe, porém, problemas para o governo, aponta o estudo. “Essa participação, além de ter gerado dúvidas acerca dos papeis a serem cumpridos de parte a parte, contribuiu para internalizar na Secretaria da Agricultura as divergências existentes entre os movimentos da Via Campesina e o movimento sindical rural ligado à CUT (...) O centro dessas divergências relacionava-se ao grau de prioridade a ser conferido pelo governo estadual à reforma agrária”.
Um governo pressionado à esquerda e à direita
Pressionado à esquerda pelo MST, Via Campesina e setores do PT, o governo Olívio enfrentou também uma forte pressão à direita, capitaneada pela Federação da Agricultura do Rio Grande do Sul (Farsul). O que mais desagradou os integrantes da Farsul, assinala Da Ros, “não foi o aumento das ocupações em si – as quais foram parcialmente estimuladas pela meta de assentamentos anunciado pelo governo -, mas, sim, a opção do governo em tratá-las por meio da negociação política, em detrimento do uso da repressão policial, como havia sido nos governos anteriores”. Nesta luta política, diz o pesquisador, “os representantes do patronato rural sempre contaram com o apoio dos órgãos da imprensa local para vocalizar suas posições e argumentos, em especial àqueles pertencentes à Rede Brasil Sul de Comunicações (RBS), principal afiliada das Organizações Globo nos estados do Rio Grande do Sul e Santa Catarina”. Mesmo com estas contradições sendo exploradas pela oposição durante todo o governo, assinala ainda o autor, a orientação de privilegiar a negociação política em detrimento da repressão foi dominante até o final do mandato de Olívio.
Apesar de todas as limitações postas então à execução de uma política agrária estadual, sem apoio do governo federal, a ação do governo Olívio Dutra, conclui o pesquisador, “foi a mais vigorosa, se comparada aos governos que o antecederam, o que permitiu um avanço significativo no número de assentamentos rurais no estado, contribuindo para ampliar consideravelmente o universo das famílias beneficiadas” Além disso, acrescenta, a análise do conjunto das ações fundiárias adotadas pelo governo da Frente Popular mostra que, “a despeito dos compromissos eleitorais e das disposições favoráveis dos governos estaduais em adotarem políticas fundiárias próprias, estas somente podem ser pensadas em caráter complementar às ações do governo federal”.
“Um Pepe Mujica do Brasil”
No prefácio ao livro, o professor Miguel Carter, da American University Washington DC, faz um elogio à figura de Olívio Dutra, apontado por ele como “um Pepe Mujica do Brasil”, uma figura que, segundo ele, “parece escassear no PT atual”. Carter fala da saudade que o governo Olívio desperta em setores da esquerda:
“Desconfio que essa saudade revela uma certa nostalgia de uma virtude que marcou um padrão em seu governo e que tem minguado em setores importantes da esquerda brasileira: a intrepidez de abraçar grandes sonhos e ideais e com eles lutar por profundas transformações sociais. Para isto é imprescindível cultivar um senso de utopia e esperança, acreditar que um outro mundo é possível. Esta inspiração é indispensável para estimular mudanças ousadas, criativas e viáveis porque, como salienta Max Weber, neste mundo nunca se consegue o possível se não tentarmos uma e outro vez atingir o impossível. Uma esquerda que deixa de sonhar, que despreza os horizontes utópicos e se apega a administrar com pragmatismo o status quo, se torna lânguida e insípida”.
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