Selvino Heck
Assessor Especial da Secretaria Geral da Presidência da República
Adital
Ilustração: Onifarma
Dr. Rildo, médico da Presidência da República, olhou direto e fixo nos meus olhos e disse: "Você está como o cara que para no meio da avenida de várias pistas da Esplanada dos Ministérios. Pode ser que os motoristas te vejam antes, façam uma curva, desviem e nenhum carro te atropele. Mas pode ser também que algum motorista mais distraído, atrapalhado com o fluxo intenso em horário de pico, não consiga desviar a tempo e...”. E arrematou, um tanto quanto sinistro, ou preocupado, ou querendo me impressionar: "A escolha é tua”.
Um filme passou na minha cabeça. Para quem faz 62 anos mais ou menos bem vividos por estes dias, 40 de militância ‘oficial’ em 2013, não soou como música nos ouvidos. Veio a pergunta seguinte: "Que andas fazendo? Porque a pressão está alta, alta demais, o colesterol também, coração não está estas coisas. Isto é, o carro pode te atropelar. Ou não”.
Faço o de sempre, respondo. Isto é, vida mais ou menos maluca, aquela de quem está no governo, que é muitas vezes máquina de moer doido, como se costuma dizer: oito, dez, doze, catorze horas de trabalho por dia, uma reunião em cima da outra; quando não duas ou três ao mesmo tempo; muitas vezes atividades também no final de semana; mil preocupações; decisões a tomar. Mas, como sempre digo, brincando, aos motoristas da Presidência: "Se o meu salário fosse igual ou quase igual ao de vocês, eu até poderia reclamar. Como não é... é um pouquinho maior...!”.
Resposta dada, vem a pergunta seguinte do Dr. Rildo: "E o que não andas fazendo?” - "Ah, já sei. Na crise anterior, final de 2010, passagem do governo Lula ao governo Dilma, quando também fui medir a pressão, fiz uma montanha de exames, no final dei a mesma resposta de hoje. Devo correr todos os dias, cuidar mais da comida, cuidar mais do trago, baixar pelo menos uns cinco quilos, tirar um cochilo depois do meio dia, descansar mais”. – "E fizeste tudo isso?” – "Fiz por uns tempos. Melhorei, estava mais leve e solto, dormindo melhor, menos cansado. Mas aí, pra variar, dei aquela relaxada geral. E agora, dois anos depois, cá estou eu de novo”. – "Pois é, tens uma opção. Fazer tudo isso, ou vou te receitar um remédio”. – "Cura?” – "Ajuda, com certeza. Mas podes depender dele o resto da vida. O melhor é fazeres tudo o que já sabes que deves fazer”. - "Da outra vez, quando me deram a mesma receita, eu disse para o médico: ‘Não quero depender de remédio o tempo todo’. Vou mostrar que não preciso, que sou dono de mim mesmo e do meu corpo”.
Os alarmes todos foram dados, a luz amarela ou vermelha piscou. Agora é escolher. O mais interessante é que, no caso, não são ou não bastam os sinais dados pelo corpo: cansaço acima da média, dificuldade de ficar sentado nas reuniões, sono durante o dia, noite agitada e sonhos malucos, mais ranzinzice que o normal (que, cotidianamente, já é marca registrada) etc., etc., etc.
A consciência, por todas as razões do mundo, deveria pesar mais, orientar as ações e a prevenção, obrigar a atitudes, especialmente num militante que se julga dedicado, esforçado, sempre alerta, presente e participante de debates e decisões importantes. Sou conselheiro do Conselho Nacional de Segurança Alimentar (CONSEA) e membro da Câmara Interministerial respectiva (CAISAN), que debateram e aprovaram em 2012 o Plano Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (PLANSAN) e o Plano de Prevenção e Controle da Obesidade. Sou Secretário Executivo da Comissão Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica (CNAPO) e membro da respectiva Câmara Interministerial (CIAPO), que estão concluindo o Plano Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica (PLANAPO).
Ou seja, parece que os debates e as decisões sobre vida saudável, alimentação adequada, integração ao meio ambiente e à natureza não são feitas para si próprio. O cuidado com o corpo e o espírito vale para os outros, a humanidade, o mundo, o planeta. Comer adequadamente produtos orgânicos e agroecológicos em quantidades suficientes, beber moderadamente são receitas a serem oferecidas, mas não autoassumidas. Incoerência total. O consumismo criticado no tipo de sociedade em que vivemos, os valores pregados não valem para quem os prega e luta para que todas e todos os sigam, observem, vivam. A contradição está em minhas-nossas práticas, discursos, vidas, infelizmente.
Como dizia o profeta, há um tempo para cada coisa. Há um tempo para estar vivo. Há um tempo para tomar atitudes. Há um tempo para cuidar da saúde. E há um tempo para pensar na vida.
Talvez o tempo tenha chegado e seja hora de escolher. O coração não pode parar de bater.
Em vinte e seis de abril de dois mil e treze.
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