A América Latina registrou avanços sociais significativos e disseminados nos últimos dez anos. Tanto em termos de redução da secular desigualdade, quanto de diminuição da pobreza, de progressos na educação e na saúde e de aquecimento do mercado de trabalho, o que se viu da fronteira norte do México até a Terra do Fogo foi uma onda de melhora nas condições de vida da maioria da população. Na esteira desse movimento, emergiu na maior parte dos países latino-americanos e caribenhos uma nova classe média de base popular, que está transformando de forma profunda as relações sociais, econômicas e políticas da região.
Carta Do IBRE
Carta Do IBRE
No Brasil, e provavelmente em outros países latino-americanos, há a sensação de que essa melhora é um fenômeno fundamentalmente nacional, ligado a determinadas escolhas políticas e econômicas. Um rápido sobrevoo no continente, porém, revela que os avanços sociais ocorreram em países com regimes econômicos e políticos bastante diferenciados, o que exclui de antemão qualquer tentativa muito simplista de explicá-los.
Esses números indicam que, apesar do movimento positivo generalizado, o ritmo foi diferente entre os países. E, de fato, é preciso analisar com cuidado caso a caso para entender as peculiaridades de cada uma dessas melhoras.
De qualquer forma, a tendência geral de melhora é inequívoca, e se reflete nos índices de pobreza, cuja queda também foi disseminada entre a maior parte dos países da América Latina. Tomando-se a proporção da população que vive com menos de US$ 2 por dia, nota-se que o recuo foi generalizado, sendo mais agudo nos países que partiram de patamares mais altos no início da década passada.
No caso de países que já tinham níveis de pobreza (medidos pela população vivendo com menos de US$ 2 ao dia) bastante baixos no início da década passada, a redução foi, naturalmente, mais discreta. O Chile saiu de 2% em 2000 para 1,2% em 2009, e o Uruguai de 0,6% em 2000 para 0,3% em 2010.
Os avanços na redução da pobreza e na desigualdade foram acompanhados – e parcialmente causados – por uma significativa melhora no mercado de trabalho. O desemprego caiu significativamente em todas as principais economias latino-americanas desde o início da última década.
Na Argentina, a proporção de desocupados saiu de 19,2% em 2001 para 7,2% em 2012 (nesse caso, é claro, deve-se levar em consideração a crise do fim da conversibilidade). No Chile, na Colômbia e na Venezuela, a queda no mesmo período foi, respectivamente, de 9,7% para 6,6%, de 13,3% para 11% e de 14% para 8%. Uma exceção, no caso do desemprego, é o México, cuja taxa subiu de 2,8% para 4,8% entre 2001 e 2012, embora ela ainda seja baixa em termos relativos. Por fim, no Brasil, a taxa de desocupação recuou de 11,3% para 6% de 2001 a 2012.
Esse timing favorável está associado a uma fase de consolidação democrática, em que os governos combinaram os bons ventos econômicos com políticas sociais agressivas, possibilitando as melhoras sociais mencionadas.
Mas é interessante notar que, mesmo em áreas em que o avanço é mais gradativo e penoso, como a educação, há um movimento geral que empurra nossos vizinhos latino-americanos na mesma direção trilhada pelo Brasil. A taxa de escolarização avançou rapidamente nas últimas décadas, de forma generalizada.
No conjunto da América Latina, excluindo o Brasil, a escolarização (2) saiu de 79% em 1970 para 94,4% em 2010. Em países como México e Colômbia, a proporção de crianças na escola evoluiu naquele mesmo período de, respectivamente, 68,2% para 94% e 76,6% para 95%. No Brasil, o salto foi de 62,2% para 89,9%.
Esses dados fazem parte de levantamento dos economistas Robert Barro e Jong-Wha Lee, que sugerem que a melhora educacional não se restringiu à América Latina, mas abrangeu áreas muito mais amplas do mundo emergente. (3) A escolaridade média da China, por exemplo, saiu de 58,1% em 1970 para 93,5% em 2010, e a da Coreia do Sul aumentou de 75,7% para 96,4% em igual período.
Uma linha interessante de pesquisa seria a investigação da causalidade da mudança do perfil da força de trabalho — atualmente com maior escolaridade — na melhora nos níveis de emprego e de renda na América Latina. No caso brasileiro, apesar de toda a atenção recebida pelas políticas sociais, quando se discute a queda da pobreza e da desigualdade, as pesquisas, em linhas gerais, sugerem o importante papel da melhor educação dos trabalhadores nas condições da empregabilidade. Em trabalho recente, Lustig, Lopez-Calva e Ortiz-Juarez indicam que tal causalidade se observa também para os casos mexicano, peruano e argentino. (4)
O futuro
Uma questão pertinente, porém, é saber como as nações se comportariam no caso de uma virada desfavorável dos ventos econômicos mundiais. A história da América Latina, como se sabe, é rica em fases de enriquecimento esfuziante — frequentemente ligadas à alta das commodities e ao aumento das entradas de capital externo — seguidas de crises e recuos, nos quais se perde grande parte dos avanços sociais obtidos anteriormente.
Políticas econômicas têm efeitos que podem ser muito defasados no tempo. Se é verdade que quase toda a América Latina embarcou na última década numa fase de notáveis melhoras sociais, que provavelmente deriva de fatores comuns, a separação entre as políticas econômicas que hoje se assiste na região pode levar a diferenciações no futuro.
Essas políticas econômicas derivam de escolhas dos eleitorados, que agora têm como ator protagonista a nova classe média popular emergente. Em toda a América Latina, a secular desigualdade empurra os cidadãos à escolha de políticas redistributivas, mas a forma de proceder varia muito quando se compara os regimes de atuação dos Estados latino-americanos.
(1) O índice de Gini é uma medida de desigualdade que varia de zero a um, e piora na medida em que se distancia de zero. (2) No caso, a escolarização diz respeito à fatia da população que em algum momento esteve matriculada no ensino escolar formal. (3) Barro, Robert and Jong-Wha Lee, April 2010, “A New Data Set of Educational Attainment in the World, 1950-2010”. NBER Working Paper n. 15902. (4) Nora Lustig, Luis F. Lopez-Calva e Eduardo Ortiz-Juarez, “The Decline in Inequality in Latin America: How Much, Since When and Why”, Version: April 24, 2011, Tulane Economics Working Paper Series 1118. |
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