Em um prazo inferior a 15 anos, o setor tecnológico passou a comandar o setor econômico do país
Breno Altman
Breno Altman
O peso do chamado Silicon Wadi (tradução para o hebraico de Vale do Silício), como os israelenses apelidam sua cadeia produtiva mais avançada, deu contribuição decisiva para trazer o PIB por habitante para 32,2 mil dólares em 2012, alcançando o 27º lugar do ranking. Nos últimos dez anos, segundo o FMI (Fundo Monetário Internacional), o valor real da economia israelense, por cidadão, cresceu 48,64% - contra 27,83% na União Europeia, 30,26% nos Estados Unidos e 32,67% nos 35 países com maior renda per capita do mundo.
“Nossa virada começou nos anos 80”, afirma Eldad Shidlovsky, chefe do departamento de pesquisa e economia do Ministério das Finanças. “As reformas para enfrentar a hiperinflação e o descontrole do déficit público, através de privatizações e cortes dos gastos estatais, criaram condições para modernizar o parque produtivo.”
Até o programa de estabilização, aplicado a partir de 1985, Israel mantinha expressiva taxa de crescimento, mas centralizada na ação governamental, nos recursos decorrentes das compensações de guerra, no apoio norte-americano para as despesas de segurança e nos capitais solidários da diáspora judaica.
Apenas um terço das empresas industriais e agrícolas estava nas mãos de empresários. Outro terço era controlado pelo Estado ou por organizações cooperativas. E o restante era propriedade da poderosíssima central sindical, a Histadrut, que era simultaneamente o maior empregador.
As verbas militares alcançavam mais de 15% do PIB e o governo gastava acima de 55% da renda nacional, em uma curva velozmente crescente após a guerra de 1967, quando ocupou novos territórios. O modelo explodiu e jogou Israel na lona, com a inflação anual alcançando a insólita marca dos 445% (1984). Bancos quebraram, a economia ruiu.
Cartilha liberal
Ajudado por uma generosa linha de crédito colocada à disposição pelos Estados Unidos, uma administração conjunta, entre os trabalhistas e o Likud, implantou a cartilha liberal para sair da crise. Principal formulador do pacote, o norte-americano Stanley Fisher acabaria sendo contratado, 20 anos depois, como presidente do Banco Central.
Além de cortes profundos de despesas e subvenções do Estado, que salvaguardaram apenas as forças armadas, o governou tirou das mãos do sindicalismo os fundos de pensão e os seguros de saúde, obrigando a Histadrut a vender praticamente todos os seus ativos. Também companhias estatais foram a leilão. Israel tinha abandonado o sonho de ser uma sociedade razoavelmente igualitária e baseada em políticas de bem-estar, mas abrira o caminho para ser uma das maiores praças de negócios do planeta.
Ajudado por uma generosa linha de crédito colocada à disposição pelos Estados Unidos, uma administração conjunta, entre os trabalhistas e o Likud, implantou a cartilha liberal para sair da crise. Principal formulador do pacote, o norte-americano Stanley Fisher acabaria sendo contratado, 20 anos depois, como presidente do Banco Central.
Além de cortes profundos de despesas e subvenções do Estado, que salvaguardaram apenas as forças armadas, o governou tirou das mãos do sindicalismo os fundos de pensão e os seguros de saúde, obrigando a Histadrut a vender praticamente todos os seus ativos. Também companhias estatais foram a leilão. Israel tinha abandonado o sonho de ser uma sociedade razoavelmente igualitária e baseada em políticas de bem-estar, mas abrira o caminho para ser uma das maiores praças de negócios do planeta.
Israelenses almoçam em mercado de Tel Aviv, cidade mais cosmopolita do país
“O fluxo de capital, depois do programa de estabilização, foi essencial para a remodelagem da economia”, explica Shidlovsky. “Esse ingrediente catalisou outros elementos que já estavam presentes, como a sofisticação tecnológica das forças armadas, o elevado nível educacional da população e a imigração russa depois do colapso da União Soviética. A sinergia desses quatro vetores está no nascedouro de nossa indústria high tech.”
Aluf Benn, editor do jornal Haaretz, contumaz crítico da direita sionista, gosta de dizer que “Stalin, Kruschev e Brejnev custearam o desenvolvimento israelense”. Nos anos 90, afinal, milhares de engenheiros, químicos, físicos e matemáticos se incorporaram às empresas israelenses, permitindo um salto de qualidade barato e imediato. O socialismo tinha dado sua derradeira contribuição a Israel.
O orçamento do país, no entanto, revela um quinto componente para o que os mais entusiasmados chamam de “milagre econômico”. Através da Lei de Incentivo ao Investimento de Capital e outras medidas, o governo fornece um apetitoso cardápio de subsídios, créditos e isenções para a instalação de novas companhias, ou a ampliação das já instaladas. Os impostos cobrados das grandes corporações estão entre os mais baixos do mundo.
“O déficit público, desde os anos 80, apenas trocou de beneficiário”, declara o professor Arie Arnon, da Universidade Ben-Gurion. “Os gastos militares se mantiveram relativamente estáveis, em números absolutos, mas o governo tira recursos dos serviços públicos e dos programas sociais para financiar a colonização nos territórios ocupados e os empresários de ponta.”
Arie Arnon, professor da Universidade Ben-Gurion: "O déficit público, desde os anos 80, apenas trocou de beneficiário"
O fato é que, com o acelerado crescimento da economia, a participação relativa de certas despesas caíram sensivelmente, ainda que seu valor monetário tenha se mantido, ou até subido. Os pagamentos gerais do governo hoje representam pouco mais de 40% do PIB, um corte de quase 25% se a comparação tiver o ano de 1985 como parâmetro. No mesmo período, o orçamento militar desceu de 14,5% para 7,5%, continuando a ser um dos dez maiores dispêndios do planeta nesse item.
“Os acordos de Oslo, seguidos de uma situação de relativa calma nos últimos dez anos, ofereceram maior segurança aos investidores”, ressalta Shidlovsky. “Por outro lado, os gastos militares ainda correspondem a aproximadamente 30% do orçamento, mas já foram bem superiores. Nossa margem fiscal de manobra é maior do que antes.”
Déficit comercial
A atração de capitais é decisiva para Israel, sob o risco de as contas não fecharem. O país tem déficit comercial quase permanente, em boa medida por conta da importação de armas e munição. Parte desse saldo negativo é coberto com subvenção norte-americana, cuja cifra oficial é de 3,5 bilhões de dólares anuais - cerca de 20% dos 18 bilhões que financiam as forças armadas, ou pouco mais de 27% do saldo negativo de 12,85 bilhões entre compras e vendas no exterior, a julgar pelos dados de 2012.
Outro motivo de desequilíbrio é cambial. O fluxo de investimentos, que financia o impulso industrial e sana o buraco externo, também infla o valor do schekel, a moeda local, dificultando exportação de mercadorias e serviços com menor valor agregado, que não são beneficiadas pelo aumento de produtividade derivado do boom tecnológico.
Eldad Shidlovsky, do Ministério das Finanças: "fluxo de capital foi essencial para a remodelagem da economia”
O schekel forte, no entanto, contribui para o esforço contra a inflação, pois barateia o preço das importações. Também facilita a internacionalização do capital israelense, que se expande rapidamente para outros países. O montante de ativos internacionais alcança os 75 bilhões de dólares, semelhante ao que os capitalistas do mundo possuem dentro do país.
A visão otimista, porém, está longe de ser unanimidade. “A fragilidade da economia israelense é maior do que parece”, afirma o professor Arnon. “Pode ocorrer, a qualquer momento, em função do conflito com os palestinos ou com outras nações da região, fuga de capitais, colocando abaixo o edifício. Nossa dependência do exterior é grande. Os custos do aparato militar e da política colonial também são um fardo, pois trazem pouco dinamismo à economia e forçam o corte de despesas em setores essenciais, piorando a vida das pessoas e estreitando o mercado interno."
Na primeira semana de maio, o ministro das Finanças, Yair Lapid, apresentou a proposta de orçamento para o biênio 2012-2013. O objetivo principal é reduzir o rombo anual nas contas públicas, de 3,8% (2012) para 3% no próximo ano, indicando que o país é capaz de controlar sua dívida pública, atualmente em 74,4% do PIB.
O projeto de austeridade deixa intactas as contas de defesa e o financiamento para as colônias, aumenta impostos ao consumidor, corta verbas para educação e saúde. Mas preserva, com poucas alterações, a política tributária favorável às grandes corporações.
Muitos avaliam que os trabalhadores comuns e as pequenas empresas pagam a conta das companhias high tech. E que o crescimento do país está baseado em uma fórmula que concentra a renda e empobrece a base da pirâmide. Esse descontentamento, porém, não parece estar abalando o governo e seus aliados.
“A desigualdade social é um problema real e que devemos enfrentar, mas faz parte do sistema”, diz Shidlovsky. “Quando se caminha para uma economia de mercado, cai a participação do trabalho na renda nacional. O que se pode fazer?”
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