Nota de Rodapé
Adital
por Fernando Martins*
Se você precisar de remédio para dor de dente, dor de cabeça, dor nas pernas, na coluna, no estômago, na garganta, remédio para azia ou má digestão, procure a Beatriz. Ela não é médica, nem farmacêutica, tampouco foi à escola. Mas conhece as doenças humanas como se fosse especialista – e é mesmo. Os remédios são todos naturais.
Se você precisar de remédio para dor de dente, dor de cabeça, dor nas pernas, na coluna, no estômago, na garganta, remédio para azia ou má digestão, procure a Beatriz. Ela não é médica, nem farmacêutica, tampouco foi à escola. Mas conhece as doenças humanas como se fosse especialista – e é mesmo. Os remédios são todos naturais.
"Para cada dor”, ela conta, "há uma erva”. "Os venenos feitos em laboratório, se melhoram uma coisa, pioram outra. A cura está na natureza e é de graça”, diz, sorrindo. Até os mais céticos têm se rendido à sabedoria desta senhora de 60 anos, moradora do Ribeirão, sul da Ilha de Santa Catarina.
Casada, mãe de quatro filhos, Beatriz já foi faxineira, cozinheira, lavadeira e cuidadora. Ainda criança, começou a trabalhar nos serviços domésticos. E trabalhou dia e noite, na casa dos pais e de outras pessoas. Até os 20 anos, obediente e prestativa, fez tudo exatamente como lhe haviam exigido. Depois, com uma trouxa de roupa na mão, fugiu com o namorado Manoel.
Fugiu sentada no quadro da bicicleta. Em menos de um ano veio o primeiro filho, perdeu dois na gestação seguinte, teve mais um filho e ganhou um casal de gêmeos.
Fugiu sentada no quadro da bicicleta. Em menos de um ano veio o primeiro filho, perdeu dois na gestação seguinte, teve mais um filho e ganhou um casal de gêmeos.
As dificuldades financeiras surgiram e com elas os problemas familiares. Manoel se entregou a dependência do álcool, ia trabalhar bêbado, caia seguidamente, batia a cabeça, lesionou o cérebro e terminou com crises de epilepsia, aposentado por invalidez. Mesmo assim, Beatriz permaneceu ao lado dele.
A situação a obrigou a trabalhar dobrado. Fazia faxina o dia inteiro. Mas se o trabalho era muito, o dinheiro era pouco e não dava para sustentar toda a família. Com dois filhos pequenos, ela teve uma ideia: comprou um carrinho de pipoca.
A situação a obrigou a trabalhar dobrado. Fazia faxina o dia inteiro. Mas se o trabalho era muito, o dinheiro era pouco e não dava para sustentar toda a família. Com dois filhos pequenos, ela teve uma ideia: comprou um carrinho de pipoca.
Comprou fiado, inclusive o óleo, o milho, os saquinhos e o gás. Pagaria assim que conseguisse algum trocado com as vendas. No dia seguinte, com a ajuda da mãe, levou o carrinho para uma grande festa, próximo de onde morava. Ganhou tanto dinheiro que pagou as dívidas e ainda teve lucro.
A pipoca foi a salvação de Beatriz e de sua família. Conseguiu permissão para vender o produto no aeroporto. Quando os aviões pousavam, ela ligava a pipoqueira e o cheirinho se espalhava rapidamente pelo ambiente. Foi um sucesso. Assim que os passageiros e tripulantes desciam do avião mergulhavam no espaço aéreo da pipoca. Ninguém resistia.
Por muitos anos, Beatriz trabalhou nesse ofício. Fez muitos clientes e amigos. E só aposentou o carrinho de pipoca porque achou outro jeito de ganhar a vida – mas essa é outra história. O marido Manoel está há 15 anos sem beber. Sobreviveu e se reergueu por causa dela.
Beatriz, mulher sábia, conhecedora das agruras e das belezas da vida, de doenças e de remédios, é minha querida mãe. Poucas vezes ela me deu sermões ou lições de moral, mas sempre deu o exemplo de seu caráter e de sua coragem. Ela nunca soube ler as letras, mas sempre soube, com sabedoria e profundidade, ler o mundo.
*Fernando Martins, jornalista e locutor, especial para o NR
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