Comprovando que a inter-relação entre ligações aéreas e hierarquia urbana reforça a hegemonia das grandes cidades ao longo do tempo, estudo inédito do IBGE mostra que São Paulo é o nó de maior centralidade da rede aérea em território brasileiro, acompanhando seu papel entre as cidades globais, demografia e funções econômicas.
IBGE
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Única “grande metrópole nacional”, com a maior população e o maior PIB do país, a cidade movimentou, em 2010, um total de 26.848.944 passageiros e 201.132.886 kg de carga, na liderança do ranking. O Rio de Janeiro, por sua vez, vem perdendo importância relativa na rede de tráfego aéreo, embora se mantenha em segundo lugar no transporte de passageiros (14.467.527 passageiros, em 2010), com posição menos significativa no transporte de carga (37.296.620 kg, quinto lugar entre as 19 cidades com maiores movimentações).
Essas e outras informações estão na publicação “As Ligações Aéreas 2010”, que caracteriza as cidades brasileiras no sistema urbano nacional a partir do transporte aéreo. Seus fluxos de passageiros e carga são descritos e analisados, bem como a acessibilidade das cidades, verificando o custo e o tempo de viagem aérea entre elas.
O trabalho utiliza uma dupla base de dados: pares de ligações “origem-destino” do transporte aéreo regular entre as cidades brasileiras (com base em informações da ANAC – Agência Nacional de Aviação Civil) e dados sobre custo e tempo das viagens a partir do Global Distribution System (GDS).
O estudo mostra que, dos 5.565 municípios instalados em 2010, 135 (2,4%) possuíam um aeroporto com voos regulares, segundo a ANAC. Foram analisados 877 pares de ligações, perfazendo um total de 71.750.986 passageiros transportados e 434 mil toneladas de carga.
O estudo completo está disponível no link: clique.
O transporte de carga por via aérea é ainda mais concentrado, em virtude dos custos elevados, com mais da metade do tráfego concentrado em apenas 10 pares de ligações. Somente a ligação São Paulo – Manaus abarcava mais de 20% do total da carga transportada em 2010.
Fatores de custo e tempo das viagens, além da distância física
A pesquisa ressalta o quanto a acessibilidade através da aviação é dependente da hierarquia urbana e classifica as cidades em termos de acessibilidades quanto ao preço e tempo das viagens. Ressalta que o efeito de barreira da distância não é soberano e que os vínculos econômicos do território e as interações históricas podem subverter a imposição da distância.
Destaca ainda como as variações de custo e tempo são influenciadas pelas diferenças regionais, fazendo com que, grosso modo, quanto mais distante da core area do país (área hegemônica do ponto de vista econômico), pior a acessibilidade de uma cidade ou região por vias aéreas. Assim, embora a Região Norte seja a de menor acessibilidade, tanto em termos de custo quanto de tempo das viagens, dentro do Centro-Sul, algumas áreas como o interior do Rio Grande do Sul, por exemplo, também são pouco privilegiadas. A elevada centralização da rede urbana na capital daquele estado se reflete nos altos custos e longas viagens com destino a cidades menores.
De forma geral, no entanto, os padrões de desigualdade interna do país repetem-se nos voos domésticos brasileiros: o Centro-Sul permanece relativamente privilegiado em termos de acessibilidade do território, o Nordeste possui uma boa situação nas capitais e o Norte caracteriza-se como a região mais remota e de baixa acessibilidade.
Considera-se que o mero fato de uma cidade ser servida por um aeroporto com voo regular já é uma manifestação de sua centralidade. Assim, cada um dos 135 aeroportos existentes nos 5.565 municípios brasileiros (dados de 2010, da ANAC) conta com uma considerável área de influência, atraindo os usuários dispersos em seu entorno.
São Paulo é o grande centro polarizador do transporte de passageiros, subordinando praticamente o total das cidades que possuem aeroporto, quer direta ou indiretamente.
Nos fluxos secundários de passageiros (o segundo maior fluxo da cidade “A” para a cidade “B”) é possível perceber que São Paulo passa a compartilhar o número de ligações com outros centros, sendo notável o aumento de importância do Rio de Janeiro. Chama atenção também o papel de Belém, que passa a capturar o tráfego proveniente da atividade mineradora do sudeste paraense. Brasília continua a manter uma importância relativa, sendo o destino secundário de São Paulo e outras cidades das regiões Norte, Centro-Oeste e Nordeste.
Brasília, Salvador e Campinas: situações peculiares
A quantidade de passageiros de Salvador é coerente com sua posição na hierarquia urbana e com o fato de ser um destino turístico conhecido. A capital baiana é muito utilizada também como hub (aeroporto que serve de ponto de redistribuição de passageiros e/ou carga para os destinos servidos por uma companhia aérea).
Em 2010, o aeroporto internacional de Campinas movimentou 255.951.023 quilos de carga internacional, perfazendo 97% do total da carga movimentada pelo aeroporto. Somente os 3% restantes foram devidos ao tráfego doméstico O segmento de carga é, todavia, menos influenciado pela hierarquia urbana que o de passageiros, em parte, por conta das características do setor de aviação: o alto custo do transporte por unidade faz com que somente as ligações de grande distância compensem economicamente, sendo as mais próximas realizadas por outras modalidades de transporte.
Mudanças estruturais no país na perda de influência do Rio
Na evolução das ligações históricas, nota-se um quadro geral de estabilidade das relações, com concentração de fluxos no Sudeste, progressivamente aumentando seus volumes em direção ao Sul e às capitais nordestinas.
Contudo, importantes modificações são observadas. Primeiramente, nos anos iniciais pesquisados há uma desproporcional concentração do fluxo de passageiros na ponte aérea Rio-São Paulo, enquanto as conexões com as outras cidades são bem fracas. Esta situação muda a partir dos anos 80, ganhando força nos 90 com o progressivo aumento de acesso a esta modalidade de transporte. Há também um progressivo deslocamento da cabeça da rede, do Rio de Janeiro para São Paulo.
Nota-se que, até 1985, a metrópole carioca constituía o grande hub da aviação nacional, polarizando boa parte do tráfego. Esta tendência é mais facilmente observada no transporte de carga, onde a hegemonia econômica de São Paulo se fez sentir mais rapidamente. É nos anos 80 também que se percebe, principalmente nas ligações de carga, uma das mudanças estruturais da rede urbana brasileira: o fortalecimento dos fluxos da região Norte diretamente de Manaus e Porto Velho para o Centro-Sul, contornando a ligação através de Belém.
A situação do Rio de Janeiro deve-se às mudanças estruturais da economia brasileira nas últimas décadas, descentralizando a atividade produtiva industrial, e à concentração das atividades de gestão e controle em São Paulo, ao que se soma a reestruturação das companhias aéreas. Além das falências, aquisições e fusões de mercado, as operadoras de voos domésticos levaram grande parte de seus efetivos operacionais para a metrópole paulista, provocando um esvaziamento relativo dos aeroportos cariocas – embora, entre 2005 e 2010, verifique-se um maior crescimento do número de passageiros no Rio de Janeiro (50,6%) quando comparado a São Paulo (25,3%).
A análise dos fluxos dominantes (ligações aéreas de maior valor saindo de uma cidade) evidencia que o Rio de Janeiro perdeu importância relativa na rede. Segundo estudos anteriores, em 1965 e 1973, o Rio aparecia como o grande centro independente (centro urbano cujo fluxo dominante se faz para uma cidade menor), em escala nacional, tendo com São Paulo uma relação de complementaridade no transporte de passageiros. O quadro de 2010, no entanto, revela que a cidade decaiu da posição de área de influência de alcance nacional, abarcando toda a região Norte e Nordeste, para uma área reduzida aos aeroportos vizinhos: do próprio estado do Rio de Janeiro, sul de Minas Gerais, São José dos Campos e Campinas. O comportamento específico desta última é explicada pelo efeito de sombra dos aeroportos da metrópole paulista, que acontece quando a maior cidade de uma determinada área funciona como centro polarizador do transporte aéreo de longa distância, deprimindo os níveis de tráfego das cidades menores circunvizinhas.
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