Lúcio Flávio Pinto
Jornalista paraense. Publica o Jornal Pessoal (JP)
Adital
Criei um blog chamado A Vale que vale (www.valeqvale.wordpress.com). Sua motivação imediata foi a aproximação dos 70 anos da Companhia Vale do Rio Doce, criada em 1942, sem que a empresa tivesse anunciado qualquer iniciativa para manter a tradição dos álbuns históricos publicados a cada 10 anos da sua existência. O álbum, datado da ”primavera de 2012", acabou saindo. É um dos mais bem acabados da companhia. Mostrou, entretanto, a necessidade de uma visão crítica sobre a empresa privada com maior peso sobre a economia nacional em todos os tempos. Os brasileiros não parecem atentar para a gravidade dessa significação.
No mês passado o blog completou um ano de atividade, com 90 artigos postados. Escrevi este pequeno texto para assinalar a data.
Sem lenço e sem documento, ca-minhando contra o vento, como na música de Caetano Veloso da segunda metade dos intensos anos 1960, e sem um leitor para lembrar a data, este blog completou neste abril (o pior dos meses, segundo o poeta T. S. Elliot) um ano no ar. Foram feitas 90 postagens nesse período. Acessos limitados. Comentários restritos. Cortina de fumaça entre o blogueiro e seu público.
É o momento de parar e perguntar: valeu a pena existir? Vale a pena prosseguir? A Vale, pela qual nos empenhamos, ainda vale, já que a Vale que nos impõem segue o seu caminho, indiferente a nós? E contra nós, embora nem liguemos para isso; pra quê.
O leitor é que dirá, já que não comemorou (sequer lembrou), o que é um primeiro e decisivo indício.
Quem acessa este blog? Acha que a Vale é tema suficiente para justificá-lo? O que gostaria de acrescentar ao que foi dito ou dizer o que foi omitido? Críticas? Sugestões?
Tudo, menos a indiferença, escarnada pelo poeta Dante Alighieri, nem a ingenuidade, definitiva prova de insensibilidade, para o poeta alemão Bertolt Brecht.
Se falta prosa, que por nós fale a poesia, que fala melhor.
O palavra é de prata, o silêncio é de outro. Agora, o filósofo Paul-Louis Landsberg.
Ou o blog se torna nosso, ou dá adeus e se retira em busca de nova seara para a sementeira.
Oito blogueiros reagiram à provocação que lhes fiz:
Geraldo – Nos últimos anos andei postando alguns comentários sobre o tema Vale. Fui obrigado a silenciar em virtude de uma perícia que eu fiz contra um consórcio onde a Vale era parceira. Então vem a linha de raciocínio: se eu leio o Blog do Lúcio, sou contra a Vale. Por isto deixei de postar meus comentários, mas arquivei todos os posts. Infelizmente a Demoniocracia tem disto: fala quem pode, silencia quem tem juízo.
Marcus Valério – Penso que talvez superestime o papel e relevância dos comentários na avaliação da importância e impacto de um texto. De certo que a ausência crônica de repercussão costuma ser desanimadora, mas também é fácil observar que frequentemente a relação entre a quantidade de comentários e a qualidade e relevância de um texto é inversa.
Principalmente em blogs, fóruns, ou portais de temas diversos, os assuntos mais sérios e relevantes despertam poucas reações, ao passo que as futilidades recebem centenas de participações, a maioria delas, claro, perfeitamente inúteis.
Estou no ar desde o ano 2000, desde antes dos blogs ou das redes sociais, e experimento incríveis variações de participação dos leitores. Às vezes passo meses sem receber mensagens, e às vezes recebo várias de uma só vez, e as melhores sempre vêm após uma longa estagnação. Também me ocorreu uma redução de mensagens à medida que as redes sociais absorveram a maioria dos internautas e os blogs facilitaram enormemente os comentários, embora eu não tenha tido redução de acessos.
Posso conferi-lo pelas estatísticas do site: a quantidade de comentários despencou, pois exijo uma série de dados antes do visitante postar uma mensagem, e a maioria, por preguiça, prefere deixar de fazê-lo. Meu objetivo é evitar ter aqueles inúmeros comentários que nada acrescentam e só servem para mostrar que o visitante não leu os textos que se propõe a comentar.
Outro fato curioso é que embora meus textos tenham sido pouco comentados nos meus próprios sites, são frequentemente replicados em blogs e redes sociais e discutidos lá. Ademais, percebi também que os interessados pensam duas vezes antes de se dirigir a mim, com medo de dizer alguma besteira.
Bem, meu conselho é: não desanime. O material que tem publicado é importante e tem sido examinado por pessoas que se interessam pelo assunto. Também não espere se tornar um blog muito lido, até porque estes, quase sempre, fazem parte do clube das irrelevâncias populares. É quase um atestado de má qualidade ter um grande número de acessos. Temas como o deste blog devem esperar qualidade ao invés de quantidade, e estou certo de que muitos dos leitores pensam bastante sobre os posts, e por vezes se abstêm de comentar por achar que pouco tem a acrescentar, ou que precisam pensar mais antes de intervir.
Ademais, mesmo que este blog não esteja muito movimentado hoje, acontecem muitas descobertas tardias, e leitores novos que subitamente ficam fascinados pelo tema e em poucos dias leem todo o conteúdo do blog, mas, por estarem "atrasados”, preferem não comentar. E é de se considerar que boa parte das postagens recentemente publicadas tem sido republicações de textos antigos.
Eu lamentarei bastante se este conteúdo sair do ar.
André R. R. Gonçalves– Entendo perfeitamente o seu lado. A incerteza de estar sendo compreendido, de não saber se a mensagem está chegando ao outro lado. Mas peço que não desista.
Confesso que participo muito pouco nesta página, leio todas as postagens por email. Sigo o blog desde 11 de abril de 2012, e, no entanto, esta é minha segunda postagem. Mas mesmo sem participar ativamente nos comentários percebo que vale a pena existir, sim.
Ainda estou no último ano do Ensino Médio, e há pouco mais de um mês nos foi exibido o vídeo da campanha A Vale É Nossa, de 2007, vídeo este em que o senhor foi entrevistado. Dava pra perceber que ninguém da sala conhecia o caso muito bem, mesmo estando na 12ª escola do Estado de SP em 2012.
Divulguei o blog (pois seria feito um trabalho sobre o tema), mas só 5 colegas mostraram interesse.
Sei que no meu caso a situação parece ser um pouco fútil. Mas o mesmo pode ocorrer com vários outros leitores, que pouco a pouco vão conscientizando os mais próximos. Sei que 5 alunos em 40 é relativamente pouco, mas se cada leitor do blog comentar com pessoas próximas sobre o tema (mesmo que não o comentem aqui), já faz uma grande diferença, e toda essa luta pela Vale não terá sido em vão.
Ainda assim não será fácil dar a Vale o verdadeiro valor que ela merece, mas o primeiro passo já foi dado.
Por mim não pode falar também a poesia, da qual conheço pouco. Mas creio que a música de Zé Ramalho possa falar por boa parte dos leitores e "não-comentadores” do blog: "Tô vendo tudo, tô vendo tudo, mas bico calado – faz de conta que sou mudo”.
Afinal, nem sempre o silêncio é sinal de indiferença. Torço muito para que o blog continue no ar.
Edson Pantoja Nunes – Seu brilhantismo enquanto jornalista é resistir a esse momento moderno. As pessoas caminham para o nada sem se importar com seu entorno. Frei Betto em um de seus artigos focalizou esse tipo de sociedade. Vivemos a pior crise do sistema capitalista e não temos resistências. O sistema encontra artifícios para vedar a pouca crítica que possa surgir. Você resiste ao nos mostrar que da periferia podemos acender luzes. Se não são vistas, o tempo julgará.
Oswaldo Sevá – Sou dos que leem quase todas as postagens. Como sou também "assinante” do teuJornal Pessoal, às vezes começo a ler e vejo que já conheço a matéria. Todos os posts são datados, o que é muito bom para nós, pesquisadores. Deve ter mais gente boa consultando o blog, e, claro, os informantes de sempre, da própria Vale e de outras empresas de mineração, da Abin, do Ministerio de Minas e Energia. Mas isso não tem jeito, a internet um dia será deles, como disse o diabo pro seu filho, do alto do Pico do Cauê, que não mais existe.
Luiz Cordioli – Desistir, nunca!
Quanto mais agora, quando um momento de crise maior se avizinha e poderemos reconstruir as coisas como já deveriam ter sido feitas, há muito tempo.
O problema, para todos nós, é que não é só o problema da Vale, que você tão bem coloca.
Existem outros problemas, tão grandes quanto e, da mesma forma, com soluções caminhando a passos de tartaruga. E muito poucas pessoas atuando neles, também.
Cito como exemplos, o problema da Auditoria Cidadã e da OAB, que há 13 anos está em busca da Auditoria prevista na Constituição de 1988(Art. 26 das Disposições Transitórias) até hoje, 2013, ainda não realizada, a despeito de os valores decorrentes desta não fiscalização das contas nacionais já se avizinharem, se não ultrapassarem, a cifra de 10 trilhões de reais entre juros e amortizações já pagos e dívida ainda remanescente.
Maiores informações sobre o assunto no endereço eletrônico http://www.auditoriacidada.org.br ou no processo da OAB, no STF, de número ADPF 59/2004.
Outro problema imenso é o das nossas fraudáveis urnas eletrônicas, que acabam elegendo esta escumalha que fez e faz o que tanto tentamos evitar. Há fatos e provas que demonstram o porquê desta laia de políticos ser permanentemente eleita, a despeito de sua péssima atuação anterior. Muitas pessoas não acreditam, mas a fonte desta politicalha pode muito bem ser uma eleição fraudada nestas urnas.
Por exemplo, no RJ, em 2012, apanharam um hacker e um trabalhador da operadora de telefonia que, acoplados, interferiam na transmissão dos resultados das seções, decodificando e alterando o pacote de dados antes de chegarem ao totalizador do TSE, modificados ao sabor de quem lhes pagava mais. Discordo, pois, quando dizem que os brasileiros não sabem votar e votam nestes políticos criminosos. Porque, pode ser, que não sejam os brasileiros que votam neles.Seja um "alguém” que vota por eles, sem que se saiba quem.
Existe também, integrado aos temas anteriores, o problema do nióbio, marca registrada da boçalidade nacional, no que diz respeito às suas oportunidades de sair desta pasmaceira em que nos afundaram. É outro tema gigantesco, de que muito pouco se ouve falar, que dizer de fazer alguma coisa consistente. Enquanto isto fica escondido, lá se vai o nióbio brasileiro para os interessados, de leve, sem que nada nos sobre por aqui, a não ser alguns buracos onde existiam minérios, iguaizinhos aos buracos do ex-manganês da Serra do Navio-AP. Quase nada se fala deste assunto, tão rentável para tão poucos…
Por último, mas integrado com os anteriores, cito mais um problema que quase ninguém conhece: a fraude constitucional do artigo 166, parágrafo 3º, inciso II, letra b, que garante o pagamento privilegiado do "serviço da dívida”, em detrimento de todo o resto do Brasil.
Este tema foi tratado pelos Drs. Adriano Benayon e Pedro Dourado de Rezende, em seu magnífico trabalho de investigação "Anatomia de uma fraude à Constituição”, disponível no endereçohttp://www.cic.unb.br/~rezende/trabs/fraudeac.html, onde apuraram que este artigo não foi votado na Constituinte. Exatamente isto, senhores: este artigo não foi votado no 1º turno da Constituinte! Foi tão somente inserido no texto votado em 1º turno, para a votação no 2º turno, sem que ninguém soubesse, nem conferisse, nem fiscalizasse, nem reclamasse.
E nem o anulasse, até hoje, mesmo depois de sabidamente fraudado. E assim este artigo, Art.166, parágrafo 3º, inciso II, letra b, foi votado e aprovado no 2º turno e vale até hoje.
Ao longo dos anos, para fazer cumprir esta garantia constitucional, criaram-se inúmeras leis, procedimentos e atitudes, tudo voltado para reservar o dinheiro do governo para este único e privilegiado destino: pagar o "serviço da dívida”, que é a base do enforcamento, lento e gradativo, da comunidade brasileira, via dívida pública e pagamento de seu "serviço”.
Exemplos: a Lei de Responsabilidade Fiscal; as privatizações; o destino dos lucros das estatais que não foram privatizadas e dos lucros do Banco Central; a DRU – Desvinculação de verbas orçamentárias; a política financeira e monetária desde 88, com seus superávits primários, suas metas de inflação; etc, tudo para garantir a fraudada obrigação constitucional de se pagar, antes de tudo o mais, o malsinado "serviço da dívida”.
Com tal garantia de pagamento tão espetacular, tomem-se empréstimos para qualquer coisa! Copa, Olimpíadas, o que quiserem. Ou imprimam-se títulos para financiar os amigos, já que se tem pagamento garantido. Eike Batista e o BNDES são "exemplos exemplares”. Façam o que fizerem os loucos, o pagamento de suas loucuras está garantido, esta é a lei.
A frouxidão assumida ao tomar empréstimos desnecessários, ou ao aceitar as ofertas incessantes dos bancos e organismos financeiros mundiais é evidente: do lado da banca, oferecem-se empréstimos de qualquer valor e tipo, só porque têm pagamento garantido. Do lado de cá, tomam-se empréstimos quaisquer, necessários ou não, só porque estão à mão, é só pegar. Trilhões tomados emprestados, ao custo de quase 1 trilhão anual, e tudo sem controle, sem planejamento, sem auditoria e com consequências óbvias, previstas e confirmadas.
Ironia suprema, no auge da crise grega, a Troika europeia, em 2012, condicionando sua ajuda à Grécia, sugeriu ao governo grego que inserisse na sua Constituição artigo que garantisse o pagamento prioritário do serviço da dívida grega. Está lá, sugestão oficial, documentada! Na Grécia, onde não há Constituinte em andamento, vão ter que discutir e votar a matéria.
Aqui, em meio àquele fuzuê da Constituinte, colocaram sem votação alguma e tudo bem. Brasileiro é bonzinho, aceita tudo. Não citaram como exemplo explícito o Brasil, por mera cautela. Cautela de quem não mexe em time que está vencendo…
Voltando ao nosso Brasil, quem fez esta trapaça constitucional, inclusive dando entrevista a respeito aoCorreio Braziliense, em 2003, jactando-se do malfeito foi ninguém menos que o Dr. Nelson Jobim, deputado constituinte então debutante e, depois, ministro de tudo, Ministro da Justiça, da Defesa, do STF, do TSE, onde foi o maior defensor das urnas, com uma frase lapidar, digna do maior palhaço do país. Em resposta à pergunta de um interlocutor sobre quem garantia a lisura das urnas, respondeu com aquela gravidade cômica que lhe é peculiar: "Eu garanto!”. Acredite quem quiser. Confiram, emhttp://pt.wikipedia.org/wiki/Nelson_Jobim, no bloco "Ligações Externas” existe um atalho direto à "Anatomia de uma fraude à Constituição” acima citada.
De posse do relatório da "Anatomia” e outros documentos relacionados ao tema, dei entrada no Ministério Público Federal na representação de nº ICP. 1.34.023.000285/2011-48, pedindo a supressão do artigo constitucional por não ter sido votado em 1º turno, como era a regra constituinte. A representação foi acolhida e encaminhada à PGR, em Brasília, onde será procedida a análise para os procedimentos cabíveis.
Como vemos todos, é muita coisa entremeada, todas grandes e criminosas. E todas interligadas como mostrei acima: da fraude constitucional original decorrem os valores do problema da auditoria (R$ 10 trilhões), entremeados com os políticos "eleitos” pelas urnas fraudáveis, garantidas pelo Jobim, Ministro de FHC, este que, apoiado na fraude do art. 166, privatizou a Nação e entregou "de grátis” a Vale, a Telebrás, o PROER e tantas coisas mais. Bem no estilo do cachorro correndo atrás do próprio rabo, não parece mesmo? Tudo começa com a fraude lá atrás, inatacada, até agora. Depois, como agora, tudo se fundamenta na fraude original ainda vigente, lá de trás…
Infelizmente, somos poucos os que lutam contra tudo isto e cada qual em seu próprio canto. Esta tragédia política que fez o que fez com a Constituição Nacional e que faz o que faz com o Orçamento Nacional, fundamentada no que fez anteriormente resulta no que todos vemos:
para os grandes amigos, grandes dinheiros para grandes futilidades.
Para a sociedade, uma grande dívida e um grande custeio permanente.
Parece coisa de louco… e não é que é mesmo!??
Mas, otimista inveterado, vejo que as coisas caminham para uma solução que terá que abarcar e resolver, forçosamente e em conjunto, todos estes problemas que têm que ser, de forma permanente, atacados, esclarecidos à sociedade e, finalmente, solucionados.
Por estas e outras, nenhum de nós pode parar de fazer aquilo a que se propôs, por mais áridos que sejam os caminhos a percorrer. Continue, pois, com seu blog, o qual, mesmo sem comentários explícitos, é lido por muita gente que fará a diferença, amanhã, na hora que a onça vier beber água…
Diego – Nós, brasileiros, esperamos que você continue mantendo este espaço importantíssimo para informar àqueles que buscam informação além de grande mídia. Jamais subestime a importância de sua iniciativa.
Ragusa Guimarães – Uau, eu ia fazer um comentário bobo sobre como ando com vergonha de comentar no seu blog desde que você me deu um "dever de casa” de pesquisar sobre o desmanche da frota de graneleiros da Vale (o que ainda nem comecei a fazer, mas é um grilinho falante permanente na minha cabeça), mas o texto do Luiz Cordioli terminou dando uma verdadeira pedrada na minha janelinha (hahaha).
Então, é isso, eu particularmente considero que o nível de crítica e esclarecimento que está contido nos textos deste espaço é exatamente o nível que qualquer material que se queira chamar "jornalístico” deveria alcançar. Além disso, como já comentei anteriormente, o problema da Vale é o problema da mineração, mas em última análise é o problema da principal indústria de qualquer lugar do mundo hoje e sempre, que é a energia. E sendo trabalhador da Petrobrás e sindicalista, é exatamente esse tipo de debate que eu preciso (e prefiro) acompanhar, até para minha própria formação como agente mobilizador e ser humano. Fica aqui meu sincero agradecimento, mesmo se o blog não continuar (o que seria uma pena!).
Dei minha reposta a esses comentários:
É uma honra e uma recompensa ter como leitores deste blog as oito pessoas que se manifestaram sobre o primeiro ano de vida deste Valeqvale. Suas manifestações são suficientes para animar e fortalecer o compromisso que inspirou este espaço: manter vivo o acompanhamento de uma empresa que deixou de ser estatal, desligando-se do patrimônio público, por um ato viciado, obscuro e prejudicial ao povo brasileiro.
Privatizada a preço de final de feira, a Vale realmente se tornou mais rica e poderosa. Seus notáveis resultados não são, entretanto, consequência "natural” da sua passagem do domínio estatal para o privado. Sem contar com as medidas de "limpeza” do passivo e de drástico enxugamento dos seus custos, sobretudo com a extinção de milhares de empregos, que antecederam a venda da empresa, em 1997, um fato é tão cristalino que só não é destacado porque o debate em torno da questão costuma ser viciado: a Vale se tornou ainda maior porque contou com um ativo do qual nenhuma outra empresa do seu porte dispõe em qualquer lugar do mundo.
Tente-se comparar a antiga CVRD a suas concorrentes. Alguma delas dispõe das duas mais importantes ferrovias do seu país, de dois dos maiores portos oceânicos do mundo, das duas melhores jazidas de minério de ferro do planeta, da esmagadora maioria dos direitos de exploração do subsolo e de uma logística tal que se tornou um dos seus principais negócios?
Esse acervo, montado com base no dinheiro da estatal e nas transferências do erário, dormiu como sendo do povo e amanheceu no domínio de uma corporação particular. A mudança foi direta, como num passe de mágica. Seria feita em países capitalistas, como os Estados Unidos, a Inglaterra, a Alemanha ou o Japão, sem uma participação decisiva da sociedade? E, por fim, a transferência seria feita? Basta pensar na radical privatização promovida pela recentemente extinta primeira-ministra Margareth Thatcher, que excluiu dos seus leilões os serviços estratégicos, para responder: não.
Os brasileiros foram induzidos ao erro e nele mantidos, agora por massiva campanha nos meios de comunicação. Por que a Vale gasta tanto com a imprensa? Ela não é varejista. Seu produto é vendido em milhões de toneladas para um grupo seleto de compradores, em geral através de contratos de longo prazo. Mas por que se tornou a maior anunciante privada do país? Para calar quem antes falava e premiar quem se autocensurou.
Foi por isso que decidi abrir este blog. Quando nada, ele repete o aviso: não se pode deixar de estar bem perto da Vale. Ela é responsável por pouco mais de 10% das exportações brasileiras. Nem na época dos barões do café o Brasil esteve atado dessa forma. E isso num momento em que o eixo do crescimento econômico está montado na remessa das riquezas nacionais, com destaque para os bens extraídos da natureza, alguns dos quais, como o minério de ferro, nunca mais retornarão.
O blog vai prosseguir na sua missão. Os leitores são a fonte de renovação desse compromisso. Mas não posso deixar de assinalar uma frustração, que não é apenas minha, mas um sintoma da crise nacional de valores: a ausência do personagem que mais em buscava, aquele que participa das atividades da Vale na linha de frente. Imaginei que, protegidos pelo aval do anonimato, mas movidos pela sensibilidade para com os destinos do Brasil, esses atores se manifestassem.
Não precisam ser críticos da empresa que lhes paga o salário ou lhes assegura vantagens adicionais. Não é necessário nem que partilhem as ideias deste blog. Podem ter posição inteiramente oposta. Mas então, se creem que os críticos da Vale estão errados, podiam se apresentar ao debate trazendo para ele as informações que possuem e sua experiência viva.
Infelizmente, o que se nota no Brasil atual é a acomodação ou o acovardamento daqueles que estão fazendo a história nas frentes de produção, nas frentes pioneiras, nos lugares decisivos. Um jornalista dificilmente consegue acesso a uma fonte dessas, que foi preciosa na época da censura estatal, da perseguição política, da ditadura. Empregados, técnicos, cientistas estão cada vez menos dispostos a falar. Soterraram a dimensão pública da sua atividade no túmulo do interesse pessoal, vendendo sua consciência no altar do ganho individual.
Ainda tenho esperança de que haja bons cidadãos na ponta da linha desse esquema de extração, transporte e lançamento de riquezas do Brasil para o exterior, que tem na Vale o seu principal nexo. Os leitores do blog, reafirmando seu interesse, alimentam essa esperança, com a qual vamos em frente.
O debate ainda prosseguiu mais um pouco:
Marcus Valério XR – Seria interessante verificar se o acesso a este blog não é proibido dentro da empresa e ou de algum modo seus funcionários não estão sujeitos a algum tipo de monitoramento mesmo quando fora da mesma. O anonimato, por si só, pouco protege quem estiver sob alguma vigilância.
LFP – Eis aí uma boa questão, Marcus, que transfiro aos leitores. A Vale foi acusada por um ex-gerente de fazer espionagem interna e externa. A fonte é suspeita, por ter sido demitida em função de comportamento impróprio (uso indevido do cartão corporativo). Mas alguma coisa do que disse, como vingança, parece proceder. A Vale estaria indo além da geração de informações no seu setor de segurança para violar a intimidade de funcionários e terceiros. A empresa disse que está apurando as denúncias através de sindicância
André R. R. Gonçalves– É isso que uns tantos querem: um povo instruído suficientemente para realizar o trabalho, mas ignorante suficientemente para conformar-se com sua condição. Um cidadão que trabalha o dia inteiro, e com o pouco tempo que dispõe desperdiça vidrado na novela fica fácil de manipular. Mas é exatamente quando o país chega nesse nível de alienação que mais precisamos de pessoas que tentem despertar o senso crítico que está latente em uma maioria.
Eu nunca tinha visto por esse lado a questão publicitária. Coisa parecida aconteceu com a CPFL, uma empresa de energia daqui de São Paulo que foi privatizada em 1997, e que atualmente tem um comercial nas principais emissoras de TV.
Uma dúvida (um tanto absurda para a nossa realidade): há meios legais de se desfazer a privatização da Vale – o envolvimento do Bradesco seria suficiente para isso – nos dias de hoje, ou precisaríamos de um ‘Evo
LFP – Caro André. O dr. Eloá propôs uma série de medidas judiciais contra a privatização, solidamente fundamentadas. Passado mais de um quarto de século da privatização, nada foi desfeito. Se houvesse uma decisão em último grau anulando a venda da Vale, ela teria que ser devolvida ao seu controlador anterior, o governo federal. Mas se isso viesse a acontecer (o que as decisões dadas até agora nada sugerem), quando isso iria ocorrer? É a força do fato consumado.
Para se ter uma ideia, o juiz da vara das ações contra o leilão, no Rio de Janeiro, sequer foi informado sobre a maior transação feita pela Vale desde então, a compra da Inco, do Canadá. E bem que algumas pessoas tentaram isso. É muito difícil, quase impossível reverter a situação. Ainda assim, por imposição da nossa consciência, devemos continuar a combater o erro cometido.
Fernando – O grande problema, Lúcio, é que seus textos, embora sob temas tão áridos, são muito claros, cristalinos, objetivos, contundentes, fundamentados, incontestáveis, patrióticos e tantos outros adjetivos afins, que para a gentalha não tem o mesmo condão do imediatismo fantasioso com o qual um pastor é capaz de convencer um incauto a comprar seu lote no céu; não tem os mesmos decibéis com os quais a banda colapso e aparelhagens de tecnobrega convencem seus seguidores de que música é isso.
Para os temas que você aborda é preciso raciocínio lógico, mobilização para o protesto, certeza de que poderíamos ser um povo rico, próspero, civilizado e esses atributos são justamente os que faltam aqui pela colônia amazônica. É impressionante que nem a categoria tida como elite pensante, o pessoal dito de nível superior, a academia, não tem a menor sensibilidade para sequer vir a público discutir os fatos candentes e atualíssimos que você levanta.
É claro que não acredito que todo mundo tenha o rabo preso a alguma sinecura estatal ou a uma entidade extraterrestre que ameaça nos destruir caso se comece a botar lenha na fogueira, mas será que somos tão burros, tão anêmicos intelectualmente que não reagimos a essa minoria formadora das bandas podres que continuamente vem eliminando nossas esperanças de um futuro promissor para as gerações que estão chegando?
Um grande abraço, Lúcio, e muito obrigado pela esperança que você planta em nossos corações.
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