Como ouro e prata do México e do Peru, a Espanha transformou o arquipélago do Sudeste Asiático na maior nação católica longe do Ocidente
Tiago Cordeiro
Tiago Cordeiro
400 anos em um convento
A geografia e a história ajudam a entender as Filipinas. Um país formado por milhares de ilhas e florestas tropicais, entre a Ásia e a Oceania, só poderia ter uma população tão diversificada quanto sua fauna e flora. A diversidade da natureza e a disposição geográfica levaram a região a ser ocupada por centenas de tribos diferentes. A unificação só começou no século 16. A influên-cia da Espanha, em primeiro lugar, e dos Estados Unidos, mais tarde, deixou marcas definitivas na cultura e nos hábitos locais. Os filipinos costumam dizer que passaram 400 anos em um convento e 50 em Hollywood. Tudo começou em 1521, com a chegada donavegador português Fernão de Magalhães.
A viagem que levou os europeus a descobrir as Filipinas fez parte da primeira circum-navegação ao planeta. Viajando por encomenda do governo da Espanha, Magalhães procurava por uma rota alternativa paraconcorrer com os portugueses no comércio de especiarias. Encontrou a Ilha de Cebu, no centro do arquipélago, converteu o chefe local Humabon ao cristianismo, assim como outros 800 nativos, e rumou para a Ilha Mactan, onde morreu a 21 de abril durante uma batalha contra o rival de Humabon, Lapu-Lapu. Nas viagens subsequentes, os espanhóis visitaram ilha a ilha e foram assumindo o controle da parte norte do arquipélago. Uma pequena faixa ao sul, em especial a Ilha de Mindanao e o Arquipélago Sulu, já era ocupada por muçulmanos, que chegaram à região em 1350 e nunca mais saíram.
Uma das viagens mais importantes de colonização europeia foi liderada por Ruy López de Villalobos. Em 1543, ele batizou duas ilhas, Leyte e Samar, de Filipinas - homenagem ao rei espanhol Felipe II. O nome pegou e passou a ser usado para todo o arquipélago (Magalhães chamou a região de San Lázaro). Os espanhóis encontraram um povo que costumava ter três líderes, um político, um militar e um religioso. As ilhas praticavam um politeísmo animista, que relacionava forças da natureza a deuses.
Uma das viagens mais importantes de colonização europeia foi liderada por Ruy López de Villalobos. Em 1543, ele batizou duas ilhas, Leyte e Samar, de Filipinas - homenagem ao rei espanhol Felipe II. O nome pegou e passou a ser usado para todo o arquipélago (Magalhães chamou a região de San Lázaro). Os espanhóis encontraram um povo que costumava ter três líderes, um político, um militar e um religioso. As ilhas praticavam um politeísmo animista, que relacionava forças da natureza a deuses.
"Os colonizadores seguiram a estratégia também adotada nas Américas na mesma época: convencer os líderes tribais a adotar o cristianismo, fazendo grandes concessões à religião local", afirma a antropóloga Susan Russell, da Northern Illinois University. Um exemplo: para muitos filipinos, as sextas-feiras eram dias de mau presságio. Os pescadores praticavam automutilação como oferenda para amenizar a ira dos deuses e garantir que os peixes não desaparecessem do mar. O costume foi adaptado para um dia do ano, a Sexta-feira Santa. O resultado é a prática local de se deixar flagelar e pregar em cruzes. Milhares de filipinos afundam pregos de 7 cm de comprimento nos pulsos.
Em cem anos, boa parte das Filipinas estava sob controle espanhol. Até o século 19, as amea-ças viriam de piratas chineses e colonizadores holandeses, portugueses e ingleses - os britânicos chegaram a dominar a capital Manila entre 1762 e 1764. Se foram mais eficazes do que os muçulmanos, é porque os espanhóis se mostraram muito rápidos. Adotaram os batismos em massa, usando água benta - muito bem aceita numa região onde banhos rituais são considerados fundamentais para a limpeza espiritual. Reuniram vilas menores em grandes cidades, mais fáceis de defender e controlar. E, além de aceitar e incorporar os costumes locais, aprenderam os idiomas da região antes de alfabetizar os moradores em espanhol.
"As Filipinas tinham se mantido isoladas o suficiente para não aderir às grandes religiões asiáticas, como o budismo e o hinduísmo. Os católicos apresentaram uma fé universal, que englobava os costumes locais e não impedia a crença em espíritos, apenas a adaptava para nomes de santos", diz Susan Russell. "Por isso mesmo, os cristãos foram tão bem-sucedidos no arquipélago e tão mal recebidos na China ou no Japão, que já tinham um sistema de crenças institucionalizado e bem consolidado."
A dominação espanhola era sustentada pela maior rede de navegação da época, que provocaria um forte intercâmbio cultural entre os filipinos e os mexicanos. "Uma das consequências mais curiosas da colonização espanhola foi a integração profunda entre dois pontos tão distantes do globo, o México e as Filipinas", afirma o cientista político Michael Buehler, professor do Centro de Estudos do Sudeste Asiático.
Conexão Manila-Acapulco
Os navios espanhóis partiam de Sevilha, na Espanha, rumo à Cidade do México. Carregando ouro e prata recolhidos no México e no Peru, seguiam pelo Oceano Pacífico rumo às Filipinas. Lá, parte da riqueza era usada para comprar tecidos e especiarias da China e da Índia. De lá, as embarcações voltavam para a Espanha. A rota de 24 mil quilômetros, conhecida como os Galeões de Manila, manteve a média de duas viagens por ano, entre 1565 e o século 19, e deixou marcas na Europa, América e Ásia.
As roupas flamencas da Andaluzia foram inspiradas em vestidos filipinos. Eles, por sua vez, aprenderam a beber vinho e a usar o azeite de oliva. O catolicismo popular adotado no México, que valoriza o Dia de Finados como oportunidade de contatar os espíritos dos antepassados, chegou com força às Filipinas - que ainda hoje organiza a festa do Dia dos Mortos em moldes parecidos ao mexicano. E o cruzamento da cultura filipina com a língua e a culinária espanhola influenciou o idioma local. Nas Filipinas, é comum plantar "algodon" usar "araro", andar a "cabalyo" e comer "patatas".
A rota comercial acabou em 1815, seis anos antes da independência do México. A perda da colônia, somada à guerra da Espanha contra os Estados Unidos no fim do século 19, enfraqueceu a situação dos europeus nas Filipinas. Começava a segunda etapa da história do país asiático: em 1898, os filipinos ficaram sob domínio norte-americano.
Eles se rebelaram, mas foram derrotados em semanas. Com o tempo, a nova influência acabou sendo bem recebida. Os colonizadores exploraram a tradição comercial dos locais e estimularam a abertura de novos centros educacionais, mantidos por protestantes. Ainda assim, o catolicismo manteve sua influência. "Os protestantes norte-americanos não foram capazes de romper com a tradição. A integração entre as religiões milenares e o catolicismo se manteve imbatível", diz Buehler. Apenas em 4 de julho de 1946 as Filipinas foram declaradas Estado independente. Mas nem por isso a influência dos EUA diminuiu: soldados filipinos lutaram ao lado de americanos nas guerras da Coreia e do Vietnã. E a independência não garantiu a estabilidade de seu sistema político.
Por que os nomes em espanhol ainda são tão comuns nas ilhas?
Muitas cidades das Filipinas têm nomes espanhóis: Manila, La Liberta, Prosperidad, Sierra Bullones, Medellín, La Paz, Los Baños. Resultado da influência espanhola durante a colonização. Mas por que as pessoas ainda hoje adotam nomes em espanhol, mesmo não tendo ascendência europeia? Culpa do Catálogo Alfabético de Apellidos. Os filipinos não tinham o hábito de adotar sobrenomes, o que dificultava o trabalho dos colonizadores europeus. Em 1849, o governo espanhol publicou um catálogo com a lista de nomes e sobrenomes permitidos no país. Com a adoção desse documento, as classes mais abastadas fizeram questão de usar nomes que marcassem a influência da Espanha. Ainda hoje, adotar denominações do catálogo denota berço. Mas, entre as pessoas comuns, a influência norte-americana se faz sentir há décadas. É comum encontrar nas ruas das Filipinas pessoas que atendem por Bambi, Peanut, Honey Boy ou Barbie. Um dos senadores mais influentes do país se chama Joker Arroyo.
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