domingo, 30 de junho de 2013

O 18 de Brumáro de Louis Bonaparte


O meu amigo Joseph Weydemeyer, morto prematuramente. propunha-se editar em Nova Iorque. a partir de 1 de Janeiro de 1852, um semanário político. Convidou-me a mandar-lhe para esse semanário a história do coup d'état. Escrevi-lhe, pois, um artigo por semana, até meados de Fevereiro, sob o título de O 18 de Brumário de Louis Bonaparte. Entretanto, o plano primitivo de Weydemeyer fracassou. Em contrapartida, começou a publicar na Primavera de 1852 uma revista mensal Die Revolution, cujo primeiro caderno era composto pelo meu 18 de Brumário. Algumas centenas de exemplares deste caderno partiram a caminho da Alemanha, mas sem chegar a entrar no comércio de livros propriamente dito. Um livreiro alemão que tem a pretensão de ser tremendamente radical, a quem propus que se encarregasse da venda rejeitou com verdadeira indignação moral tão “inoportuna pretensão”.Prefácio do Autor À Segunda Edição de 1869

Karl Marx
Como se vê por estes dados, a presente obra nasceu sob o impulso imediato dos acontecimentos, e o seu material histórico não ultrapassa o mês de Fevereiro (de 1852). A actual reedição deve-se, em parte, à procura da obra no mercado livreiro, e, em parte, a instâncias dos meusamigos da Alemanha.
Entre as obras que tratavam na mesma época do mesmo tema, apenas duas são dignas de menção: Napoléon le petit, de Victor Hugo, e Coup d’état, de Proudhoun.
Victor Hugo limita-se a amargas e engenhosas invectivas contra o editor responsável do golpe de Estado. Quanto ao próprio acontecimento, parece, na sua obra, um raio que caísse de um céu sereno. Não vê nele mais do que um acto de força de um só indivíduo. Não se apercebe que aquilo que faz é engrandecer este indivíduo em vez de o diminuir, ao atribuir-lhe um poder pessoal de iniciativa sem paralelo na história universal. Pela sua parte, Proudhon tenta apresentar o golpe de estado como resultado de um desenvolvimento historico anterior. Mas, nas suas mãos, a construçãohistórica do golpe de Estado transforma-se numa apologia histórica do herói do golpe de Estado. Cai com isso no erro dos nossos pretensos historiadores objectivos. Eu, pelo contrário, demonstro como a luta de clásses criou em França as circunstâncias e as condições que permitiram a um personagem medíocre e grotesco representar o papel de herói.
Uma reelaboração da presente obra tê-la-ia privado do seu colorido particular. Por isso, limitei-me simplesmente a corrigir as gralhas e a riscar as alusões que hoje já não seriam entendidas.
A frase final da minha obra:"Mas quando o manto imperial cair finalmente sobre os ombros de Louis Bonaparte, a estátua de bronze de Napoleão tombará do alto da Coluna de Vendôme, já se realizou.
O coronel Charras desencadeou a ofensiva contra o culto napoleónico na sua obra sobre a campanha de 1815. A partir de então, e sobretudo nestes últimos anos, a literatura francesa, com as armas da investigação histórica, da crítica, da sátira e do humor, deu o golpe de misericórdia na lenda de Napoleão. Fora de França, apreciou-se pouco e compreendeu-se ainda menos esta violenta ruptura com a fé tradicional do povo, esta formidável revolução espiritual.
Finalmente, confio em que a minha obra contribuirá para eliminar esse lugar-comum do chamado cesarismo, tão corrente, sobretudo actualmente, na Alemanha. Nesta superficial analogia histórica esquece-se o principal, nomeadamente que na antiga Roma, a luta de classes apenas se processava entre uma minoria privilegiada, entre os ricos livres e os pobres livres, enquanto a grande massa produtiva da população, os escravos, formavam um pedestal puramente passivo para aqueles lutadores. Esquece-se a importante sentença de Sismondi: o proletariado romano vivia à custa da sociedade, enquanto a moderna sociedade vive à custa do proletariad. A diferença das condições materiais, económicas, da luta de classes antiga e moderna é tão completa que as suas criaturas políticas respectivas não podem ter mais semelhança umas com as outras que o arcebispo de Cantuária com o pontífice Samuel.
Londres, 23 de Junho de 1869.
Karl Marx

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