A crise brasileira é estrutural e está vinculada a nossa condição de país dependente e, por consequência, subdesenvolvido. O binômio dependência/ subdesenvolvimento é agravado pelo padrão de brutal desigualdade que nos caracteriza - desigualdade econômica, social, regional - e que foi uma decorrência direta da marcha histórica desse nosso relacionamento externo, sempre de dependência, com centros econômicos mais desenvolvidos. Ao longo do tempo, esses centros - na verdade, os países dominantes em cada diferente período histórico - foram se impondo em relação a nós como os grandes condicionadores do tipo de desenvolvimento que, de fato, acabamos por experimentar.
Paulo Passarinho
Paulo Passarinho
Essa história da dependência estrutural nunca foi, por outro lado, fator de insurgência das nossas classes dominantes. Ao contrário, as classes dominantes brasileiras sempre procuraram se adaptar, e especialmente levar vantagem, a cada diferente ciclo desta dependência, seja ela protagonizada por Portugal, pela Inglaterra ou pelos EUA. É isto o que explica esse brutal padrão de desigualdade com que convivemos e, mais grave, parece se naturalizar.
O subdesenvolvimento, por outro lado, não significa que estejamos irremediavelmente condenados à miséria, ao atraso ou à sina do baixo crescimento econômico. Sua melhor tradução é o padrão de desenvolvimento subordinado e dependente da dinâmica de expansão e fortalecimento de outros Estados nacionais, detentores de graus de autonomia e de soberania que justamente nos faltam. Dependendo da posição econômica e social do setor nacional a que nos reportamos, a vantagem e os benefícios acumulados, no processo de dependência, podem ser de enorme magnitude e de aparente efeito positivo, para as classes, frações de classe e regiões que examinemos.
É esse intrincado processo que nos explica, por exemplo, a aparente pujança de uma unidade da federação como São Paulo e os dilemas e dificuldades de regiões como o Norte e o Nordeste brasileiros. Ou a existência de uma burguesia endinheirada, poderosa, cosmopolita, inteiramente, contudo, míope no seu papel de classe dirigente de uma nação potencialmente rica, mas econômica e socialmente digna de vergonha.
Essas são considerações importantes de serem lembradas, quando procuramos explicações para o momento político que vivemos. As impactantes manifestações de junho desse ano ocorreram após um aparente processo onde, nos últimos anos, nos acostumamos a escutar que o Brasil caminhava muito bem. Fim da miséria, ascensão de milhões a uma suposta nova classe média, solidez econômica e altas taxas de crescimento eram afirmações comuns que procuravam demonstrar o acerto e correção do modelo econômico em curso e da política econômica vigente.
A explosão das insatisfações populares e velhos sintomas da nossa crise econômica - baixo crescimento, instabilidade cambial e os dilemas de natureza fiscal, em meio a um processo de elevação da taxa de juros, com o pretexto de se combater a elevação das taxas de inflação - expõem mais uma vez as incongruências que as classes dominantes impõem ao país e à nossa população.
A gravidade maior de natureza política é que desta feita a gestão governamental se encontra com uma coalizão de partidos comandada por forças políticas que vieram da esquerda, tinham um discurso de oposição a esse modelo, mas a ele se renderam por uma visão míope de governabilidade. Este atual comando da coalizão governamental congelou, na esfera da representação política formal, a crítica mais contundente e necessária ao modelo econômico que se inaugurou no país, a partir dos anos 1990.
Esse modelo, de interesse de bancos e multinacionais, nasceu a partir de uma concepção de integração financeira da economia brasileira com o sistema internacional, a partir da remoção de mecanismos clássicos de controle cambial e da criação de uma nova moeda nacional, vinculada ao dólar. Para o seu financiamento original, contou com um amplo programa de privatizações e a permanente manutenção de uma política de juros reais elevados, como forma de atração de um fluxo de ingresso de divisas no país, capaz de financiar nosso balanço de pagamentos.
As consequências inevitáveis desse processo implicam forte endividamento estatal, desnacionalização econômica e a formação de um passivo externo financeiro crescente e relevante. O grande álibi deste modelo é o que se chama de estabilidade monetária, sempre lembrada como conquista indiscutível, a ser mantida a qualquer custo. O que jamais se esclarece é justamente o preço que estamos pagando por esse tipo de estabilidade.
A economia brasileira hoje, para o seu atual padrão de funcionamento, implica o pagamento em dólares de uma conta de serviços e rendas - remessa de lucros, pagamento de juros e royalties e despesas com viagens, entre outros - da ordem de 100 bilhões de dólares anuais, além da importação de bens e mercadorias que se aproximam a US$ 200 bilhões/ano.
Esses números explicam a insistência e o direcionamento de todos os incentivos às exportações de commodities agrícolas e minerais, como forma de se financiar, parcialmente, esse desequilíbrio corrente das contas externas. Explica, especialmente, o furor com que o governo investe no propósito de entregar os campos de petróleo do pré-sal à exploração voltada para as exportações de óleo cru, através do apetite de grandes empresas petrolíferas internacionais.
Mas são medidas que, além de perniciosas ao interesse nacional e popular, não detêm a marcha insensata que estamos percorrendo. O passivo financeiro externo líquido - direitos financeiros dos estrangeiros, já descontado o valor das reservas internacionais - é crescente e superior atualmente a US$ 600 bilhões, e os serviços financeiros relacionados à dívida pública da União consomem em torno de 45% do Orçamento Geral da União. Além disso, a falência do Estado em suas atribuições de prover a sociedade de serviços públicos adequados - principal clamor das ruas - mostra que este modelo econômico precisa ser derrotado.
O rei está nu. O que nos falta, contudo, é criar o consenso político necessário à consecução de um modelo econômico alternativo, revendo o conjunto de medidas - inclusive de natureza constitucional - que foi adotado pelos diferentes governos que, desde Collor de Mello, nos jogaram na aventura das privatizações, da desnacionalização econômica e da subordinação do país aos bancos e multinacionais. As ruas agradeceriam.
Paulo Passarinho é economista e apresentador do programa de rádio Faixa Livre.
O subdesenvolvimento, por outro lado, não significa que estejamos irremediavelmente condenados à miséria, ao atraso ou à sina do baixo crescimento econômico. Sua melhor tradução é o padrão de desenvolvimento subordinado e dependente da dinâmica de expansão e fortalecimento de outros Estados nacionais, detentores de graus de autonomia e de soberania que justamente nos faltam. Dependendo da posição econômica e social do setor nacional a que nos reportamos, a vantagem e os benefícios acumulados, no processo de dependência, podem ser de enorme magnitude e de aparente efeito positivo, para as classes, frações de classe e regiões que examinemos.
É esse intrincado processo que nos explica, por exemplo, a aparente pujança de uma unidade da federação como São Paulo e os dilemas e dificuldades de regiões como o Norte e o Nordeste brasileiros. Ou a existência de uma burguesia endinheirada, poderosa, cosmopolita, inteiramente, contudo, míope no seu papel de classe dirigente de uma nação potencialmente rica, mas econômica e socialmente digna de vergonha.
Essas são considerações importantes de serem lembradas, quando procuramos explicações para o momento político que vivemos. As impactantes manifestações de junho desse ano ocorreram após um aparente processo onde, nos últimos anos, nos acostumamos a escutar que o Brasil caminhava muito bem. Fim da miséria, ascensão de milhões a uma suposta nova classe média, solidez econômica e altas taxas de crescimento eram afirmações comuns que procuravam demonstrar o acerto e correção do modelo econômico em curso e da política econômica vigente.
A explosão das insatisfações populares e velhos sintomas da nossa crise econômica - baixo crescimento, instabilidade cambial e os dilemas de natureza fiscal, em meio a um processo de elevação da taxa de juros, com o pretexto de se combater a elevação das taxas de inflação - expõem mais uma vez as incongruências que as classes dominantes impõem ao país e à nossa população.
A gravidade maior de natureza política é que desta feita a gestão governamental se encontra com uma coalizão de partidos comandada por forças políticas que vieram da esquerda, tinham um discurso de oposição a esse modelo, mas a ele se renderam por uma visão míope de governabilidade. Este atual comando da coalizão governamental congelou, na esfera da representação política formal, a crítica mais contundente e necessária ao modelo econômico que se inaugurou no país, a partir dos anos 1990.
Esse modelo, de interesse de bancos e multinacionais, nasceu a partir de uma concepção de integração financeira da economia brasileira com o sistema internacional, a partir da remoção de mecanismos clássicos de controle cambial e da criação de uma nova moeda nacional, vinculada ao dólar. Para o seu financiamento original, contou com um amplo programa de privatizações e a permanente manutenção de uma política de juros reais elevados, como forma de atração de um fluxo de ingresso de divisas no país, capaz de financiar nosso balanço de pagamentos.
As consequências inevitáveis desse processo implicam forte endividamento estatal, desnacionalização econômica e a formação de um passivo externo financeiro crescente e relevante. O grande álibi deste modelo é o que se chama de estabilidade monetária, sempre lembrada como conquista indiscutível, a ser mantida a qualquer custo. O que jamais se esclarece é justamente o preço que estamos pagando por esse tipo de estabilidade.
A economia brasileira hoje, para o seu atual padrão de funcionamento, implica o pagamento em dólares de uma conta de serviços e rendas - remessa de lucros, pagamento de juros e royalties e despesas com viagens, entre outros - da ordem de 100 bilhões de dólares anuais, além da importação de bens e mercadorias que se aproximam a US$ 200 bilhões/ano.
Esses números explicam a insistência e o direcionamento de todos os incentivos às exportações de commodities agrícolas e minerais, como forma de se financiar, parcialmente, esse desequilíbrio corrente das contas externas. Explica, especialmente, o furor com que o governo investe no propósito de entregar os campos de petróleo do pré-sal à exploração voltada para as exportações de óleo cru, através do apetite de grandes empresas petrolíferas internacionais.
Mas são medidas que, além de perniciosas ao interesse nacional e popular, não detêm a marcha insensata que estamos percorrendo. O passivo financeiro externo líquido - direitos financeiros dos estrangeiros, já descontado o valor das reservas internacionais - é crescente e superior atualmente a US$ 600 bilhões, e os serviços financeiros relacionados à dívida pública da União consomem em torno de 45% do Orçamento Geral da União. Além disso, a falência do Estado em suas atribuições de prover a sociedade de serviços públicos adequados - principal clamor das ruas - mostra que este modelo econômico precisa ser derrotado.
O rei está nu. O que nos falta, contudo, é criar o consenso político necessário à consecução de um modelo econômico alternativo, revendo o conjunto de medidas - inclusive de natureza constitucional - que foi adotado pelos diferentes governos que, desde Collor de Mello, nos jogaram na aventura das privatizações, da desnacionalização econômica e da subordinação do país aos bancos e multinacionais. As ruas agradeceriam.
Paulo Passarinho é economista e apresentador do programa de rádio Faixa Livre.
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