sábado, 7 de setembro de 2013

Na Síria, uma situação diplomática que lembra a crise em Kosovo



A crise síria promete ser difícil no plano diplomático: a ONU está atada pela oposição russa; no contexto legal é difícil pensar em uma intervenção e em seus objetivos realistas; por fim, negociações políticas são impossíveis entre os beligerantes.

Piotr Smolar
Protestos contra e a favor de uma intervenção militar na Síria tomam conta da Times Square, em Nova York
Protestos contra e a favor de uma intervenção militar na Síria tomam conta da Times Square, em Nova York
Esses parâmetros existiam no caso de Kosovo, na primavera de 1999. O paralelo entre as duas crises vem sendo esboçado nos últimos dias, tanto em Washington como na Europa. "É 1999 na Síria", escreve o ministro das Relações Exteriores kosovar, Enver Hoxhaj, em um artigo publicado no dia 23 de agosto no site da revista americana "Foreign Policy", colocando como "modelo" para a Síria a intervenção em Kosovo.
Na prática, as duas crises são diferentes. No caso sírio, não há guerrilhas do tipo UCK (Exército de Libertação de Kosovo), de ligações estreitas com os serviços ocidentais, com uma estrutura de comando. Além disso, as repercussões regionais de uma intervenção parecem bem mais explosivas. Em compensação, no plano do direito e da diplomacia, a comparação é pertinente.
O contexto legal
Na primavera de 1999, Bill Clinton decidiu lançar uma campanha de ataques aéreos contra a Sérvia, que durou 78 dias, com o apoio da Otan, mas sem resolução específica da ONU. "Juristas explicavam que as resoluções anteriores sobre Kosovo permitiam uma interpretação intervencionista," diz Jacques Rupnik, especialista em Bálcãs, diretor de pesquisas no Centro de Estudos e de Pesquisas Internacionais (CERI). "O contexto das relações entre o Ocidente e a Rússia não era o mesmo. Ainda se tinha a ideia de uma parceria, que vinha funcionando cada vez menos." A Rússia não era movida por um sentimento de revanche e revigorada pela fartura de recursos naturais, duas marcas da era Putin. Ela estava enfraquecida, mas aberta à cooperação. Boris Yeltsin terminava com dificuldades sua presidência.
O país havia feito parte do grupo de contato --junto com os Estados Unidos, a França, a Alemanha, o Reino Unido e a Itália-- que havia apadrinhado os acordos de Dayton em dezembro de 1995, colocando um fim à guerra na Bósnia-Herzegovina. Em fevereiro de 1999, a Rússia participou da conferência de Rambouillet sobre Kosovo, cujo fracasso abriu caminho para os ataques aéreos.
A crise kosovar foi um divisor de águas para a diplomacia russa. "O unilateralismo foi a gota d'água", segundo Rupnik. A desconsideração e a obliteração do Conselho de Segurança e a afirmação da Otan em uma operação contra um aliado da Rússia marcaram Moscou por muito tempo.
Após 11 semanas de ataques, Slobodan Milosevic acabou aceitando o plano de paz dos ocidentais e dos russos. "O que o fez ceder não foram os bombardeios ou o UCK, mas provavelmente o fim do apoio russo, com o qual não se pode contar no caso da Síria", observa Pierre Hassner, especialista em relações internacionais no CERI. A província separatista foi colocada sob administração internacional.
As justificativas de uma guerra
Em 1999, a era Clinton chegava ao fim nos Estados Unidos e a prosperidade reinava. Foi antes do Afeganistão e do Iraque. Quando Bill Clinton decidiu agir, as questões em aberto eram estratégicas (a duração e a ineficácia das incursões aéreas, a necessidade eventual de tropas em solo...). Era necessário também um didatismo sobre a guerra, pois poucos americanos sabiam então situar Kosovo em  um mapa.
"É hoje que devemos parar esse conflito", disse Bill Clinton antes da conferência de Rambouillet, pois "violência atrai violência, e se você não confrontá-la, ela se agravará até que decidam por fim confrontá-la. O custo então será muito mais pesado, em condições mais perigosas". O isolamento sírio, em dois anos, pode ser pensado à luz dessa frase.
O paradoxo está no fato de que o regime de Slobodan Milosevic havia cometido crimes de maior escala na Bósnia-Herzegovina, até o genocídio de Srebrenica. "O caso kosovar é impressionante", observa Jacques Rupnik, "pois uma guerrilha de baixa intensidade, o UCK, provocou uma ampla intervenção da Otan. Mas o número de mortos não passou de 10 mil, contra 100 mil na Bósnia". Ou na Síria.
Proteger os civis
Na época de Kosovo ainda não existia formalmente a "responsabilidade de proteger", adotada pelas Nações Unidas em 2005. "Essa noção mais ética do que jurídica não muda nada, pois ela pressupõe uma comunidade internacional que não existe de verdade", diz Pierre Hassner. "Ela tenta contornar o direito de ingerência estipulando que um governo tem o dever de proteger seus cidadãos, e certamente não de matá-los. Ela foi usada uma vez, na Líbia, com sentido deturpado. Claramente, a operação consistia em trocar o regime. Hoje, os países de terceiro mundo não estão nada entusiasmados. Já Obama foi pego em sua própria armadilha. Ele disse que Assad deveria sair, mas ele quer ser o presidente que parou com as guerras sem começar outra.
Tradutor: UOL

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