Birgitta Jónsdóttir (nascida em Reykjavik em 1967) é uma lutadora otimista. Uma mulher convencida de que o século 21 será o das pessoas comuns, o século em que a cidadania despertará para mudar as regras do jogo. Há anos concentra sua luta em garantir o acesso dos cidadãos à informação, aos fatos, para que possam tomar decisões. Deputada islandesa, ex-colaboradora do WikiLeaks e poetisa, fez da liberdade de informação e expressão sua bandeira, e preside o Instituto Internacional de Mídia Moderna, iniciativa que pretende transformar a Islândia em um refúgio seguro para informadores e vazadores.
Joseba Elola
Joseba Elola
Birgitta Jónsdóttir, deputada do Partido Pirata da Islândia, em foto de 2010
Mas foi um partido para um momento concreto, integrado por pessoas de procedências muito diferentes. No final de 2012, pôs em ação o Partido Pirata islandês, com o qual conseguiu três assentos parlamentares nas eleições de abril. Liberdade de informação e de expressão, democracia direta, privacidade e reformas das leis de patentes e direitos autorais são algumas das batalhas de sua nova formação.
El País: O que é que os líderes do mundo ainda não entenderam?
Birgitta Jónsdóttir: Não entenderam que estamos no século 21 e que nosso modo de nos comunicarmos e de compartilhar informação transformou tudo radicalmente. Não entendem que está ocorrendo uma revolução da informação que vai muito rápido. Mas entenderam como abusar dessas novas formas de comunicação que utilizamos, invadindo nossa privacidade, solapando as bases de nossas democracias. Vivemos em um mundo em que o jornalista não pode mais proteger suas fontes, onde os médicos não podem garantir a privacidade de seus pacientes... Os líderes mundiais não entendem o dano que estão causando. Tampouco compreendem o significado das palavras "sustentabilidade" ou "transparência".
Jónsdóttir está experimentando formas de democracia direta nas fileiras do Partido Pirata. Os cidadãos já podem lhe enviar propostas para que sejam transmitidas ao Parlamento através do programa Islândia Melhor. As cinco mais votadas serão apresentadas. O programa está em implantação, mas em outubro começará a funcionar.
"O que queremos conseguir é essa ideia da democracia líquida. Todos estamos vendo, em todo o mundo, que nossos sistemas não funcionam porque foram criados há muito tempo, em sociedades muito diferentes da nossa." Diz que a democracia representativa está esgotada, que os representantes do cidadão não devem ser políticos profissionais. "Como fazemos para conseguir que as pessoas em geral possam participar da criação das sociedades em que vivemos? Temos de ir para estruturas menores e ao mesmo tempo precisamos poder transferir nosso voto para pessoas nas quais confiemos."
El País: Além de melhorar os mecanismos da democracia direta, o que mais seria necessário fazer?
Jónsdóttir: O fundamental é começar agora mesmo a pensar que futuro queremos ter como humanidade. Todo mundo entende o que está errado, mas muito poucos têm soluções. Precisamos reunir todos os visionários, as pessoas que buscam saídas. Eu não quero que o futuro seja criar uma colônia em Marte, e sei que ainda temos tempo para dar uma virada em tudo. Nossas sociedades estão completamente quebradas.
El País: Mas que medidas concretas se devem adotar? O que seria preciso fazer hoje, por exemplo, com relação à economia?
Jónsdóttir: Temos que refazer o sistema. O que estou fazendo, e por isso tentei entrar no Parlamento por um curto período de tempo, é tentar compreender como funcionam as coisas para evitar cometer os mesmos erros que os outros, e assim poder encontrar maneiras de desmontá-las. O que considero mais urgente é encontrar um modo de sair desse incrível e louco consumismo e encontrar vias sustentáveis para nossas comunidades. Em questões econômicas, me pergunto: por que não há mais lugares que funcionam como Mondragón (empresa baseada na cultura cooperativista, na qual o capital é um instrumento subordinado ao trabalho)? Precisamos de visionários, contadores de histórias, acadêmicos, ciberpunks, hackers... E temos de envolver os mais jovens.
El País: Que lições se podem extrair de toda a crise que viveu seu país?
Jónsdóttir: Aqui começamos muito bem, depois da crise demos ideias em comum para ver o que poderíamos fazer para evitar que ocorresse outra. Vocês tiveram uma experiência muito boa na Espanha, quando tiveram seu movimento de maio e conseguiram que pessoas de grupos muito diferentes trabalhassem juntas. Mas o erro que cometeram foi não plantar novas sementes no Parlamento e nos lugares onde se tomam as decisões; porque não é possível mudar as coisas só de fora; é necessária a pressão de dentro. É preciso ter ativistas normais nos centros de poder, que estejam dispostos a entrar durante um curto período de tempo para usá-los como uma plataforma na qual recolher informação e criar uma ponte com as pessoas, por exemplo. Mas na Islândia não fomos suficientemente rápidos, de modo que a Constituição que queríamos reescrever parece que não será reescrita. O governo que tomou o poder foi muito lento e quis fazer coisas demais ao mesmo tempo, em vez de se concentrar em como mudar a infraestrutura, que é uma prioridade.
El País: E com o novo governo de David Gunnlaugsson isso não vai acontecer.
Jónsdóttir: Temos um governo tremendo. A janela de oportunidade para a mudança, durante uma crise, é pequena e abre e fecha muito rápido. As pessoas no mundo que querem uma mudança precisam estar preparadas para a crise seguinte, ter os textos legais, conhecer as infraestruturas e saber utilizar essas crises, porque teremos outras. As crises são geniais, são a melhor coisa que pode acontecer: são a única força que move as pessoas a unir-se e pedir mudanças. É o único momento em que as pessoas não temem a mudança, porque sentem que já há uma em marcha e a abraçam. Pode ser uma mudança para pior, com a qual as pessoas tenham que sacrificar seus direitos; ou pode ser para melhor, para reclamar mais direitos.
El País: É preciso mudar o capitalismo, por exemplo? O capitalismo é o problema?
Jónsdóttir: O capitalismo não pode ser mudado, deve ser destruído, destroçado. Mas não quero nenhum "ismo", não há um sistema que seja a solução. A única coisa que é preciso fazer é ser mais sustentáveis em nossas comunidades. Temos que ser conscientes do custo que representa o que consumimos; do problema das aposentadorias: com tanta gente jovem desempregada, quem vai pagar as pensões nos próximos 20 anos? É óbvio que nossos sistemas não funcionam, por isso talvez devamos voltar atrás e ver o que funcionava antes...
El País: Quando fala em voltar atrás, a que se refere?
Jónsdóttir: Não sou tão velha, embora seja um pouco velha, mas cresci em uma família na qual minha bisavó morava conosco, nunca tive que ir à creche; e não sou uma inadaptada social por isso. Não sei o que aconteceu com toda a sabedoria que tinham meus ancestrais. As pessoas não sabem mais fazer molhos; os compram em pacotes. Talvez devamos voltar atrás e recuperar conhecimentos que se perderam. Também não devemos mandar os mais velhos para residências, porque é horripilante o que acontece ali, estão sendo privatizadas, não cuidam bem deles... Temos de voltar aos valores de sociedades menores e cuidar uns dos outros, porque o sistema não vai cuidar de nós.
Tradutor: Luiz Roberto Mendes Gonçalves
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