domingo, 1 de setembro de 2013

O fazer política na era do ativismo virtual


O ideal seria promover um elo, uma passarela entre os dois mundos: o do ativismo virtual e o militantismo real

Marilza De Melo Foucher
Marilza De Melo Foucher
Nos países que não garantem a pluralidade dos meios de comunicação, a expansão da internet é saudável, principalmente, para as jovens democracias, tal como a brasileira. Além disso, pode ser um instrumento incitativo ao exercício da cidadania. Entretanto, a internet não substitui a prática da política no cotidiano. Deve-se levar em conta que o "fazer política" na esfera da comunicação virtual tem seus limites! Ela é um meio e não uma finalidade.
As redes sociais e a internet são muitas vezes apresentadas como o futuro da comunicação política. Logicamente, deve-se reconhecer a Internet como uma ferramenta, assim que um catalisador para a mobilização, ou difusão de uma mensagem política. Porém, o trabalho de campo é também necessário, bem como os debates diretos, as reuniões para tomadas de posições faladas em público. A Internet é uma ferramenta de informação, um meio de comunicação que é necessária, mas não suficiente. Uma questão interessante para abrir um debate com os "internautas" seria: A comunicação política em linha teria por vocação de substituir a prática política no campo da ação?
Será que podemos mudar o modo de desenvolvimento no Brasil e ter acesso aos serviços públicos de qualidade a partir de uma militância virtual que basta "clicar" no computador e, em poucos minutos, a revolução virtual estará pronta para a ação transformadora?
Basta convocar a galera no Facebook e dizer que o modo atual de desenvolvimento não corresponde à sociedade que queremos construir. Que precisamos criar um conviver mais fraternal em nossas cidades, um meio ambiente urbano mais sano, com menos poluição, com transportes comuns limpos e eficazes, com cidades dotadas de ciclovias e calçadões para se caminhar. Em poucos minutos, centenas de pessoas irão clicar "eu amo" ou compartilhar com outras ativistas virtuais e ganhar adesões de milhões e a ciberutopia de uma cidade melhor será realizada.
Esta provocação ao debate sobre este novo ativismo social virtual faz lembrar do livro do pesquisador Morozov da Universidade de Georgetown sobre A desilusão da Net. O autor denuncia a "ciberutopia" que envolve a tecnologia numérica de virtudes emancipadoras intrínsecas como vetor de democracia, desde que as informações circulem sem entraves. O pesquisador, cronista jornalista Evegny Morozov, acrescenta que a ignorância e a preguiça intelectual levam nossos contemporâneos se deixar levar pelo "web centrismo", pensando que todos os problemas que afetam nossa sociedade podem ser resolvidos pelo ativismo net pelo "webdourado". Com certo cepticismo, o autor exprime sobre a capacidade do ativismo na Net de mudar o mundo. Segundo ele, não é com um smartphone ou iPod que os cidadãos vão se mobilizar e se organizar.
Ao meu ver, o militantismo Net e o militantismo no terreno da ação são aliados fundamentais na prática política. Talvez o militante Net seja mais individualista, prefere não correr risco de ir para uma confrontação direta na defesa de suas ideias, talvez não goste de ter intercâmbios diretos, de ter verdadeiros amigos pra debater. Ele deve preferir a solidão do escritório, do quarto, da sala de sua casa. O militante que está num sindicato, numa ONG de desenvolvimento solidário, num partido politico, parece ser mais sociável, optando pelo contato direto. Quem sabe seja mais aberto ao aprendizado da troca de pontos de vistas ou é o sedutor que usa do saber e da experiência para ganhar adesão às suas causas.
O ideal seria promover um elo, uma passarela entre os dois mundos: o do ativismo virtual e o militantismo real. Muitos de minha geração que tiveram uma militância super ativa parecem hoje como preguiçosos-ativistas do Net, alguns preferem alimentar o debate via blog, via web ou lista de e-mails no lugar de participar de reuniões com os jovens militantes. Usam deste espaço para socializar seus aprendizados e experiências.
Ativismo Net e militantismo político: um casamento ideal
A recente mobilização dos jovens pelo transporte coletivo em São Paulo foi um ato da militância no terreno da ação política que foi aderida pelos internautas que se transformaram em ativistas sociais fortemente presentes nas redes tal que Facebook. Essa mobilidade via Net ampliou o debate político fazendo emergir outros tipos de reivindicações sociais. Os grupos de militantes organizados, que já atuavam diretamente na política, e, ao mesmo tempo integravam há anos as redes sociais, deram viés político às reivindicações. O exemplo mais concreto é de ver que o tema que assumiu maior impacto junto à opinião pública hoje é o da reforma política. A última pesquisa feita pelo IBOPE diz que mais de 90% dos brasileiros querem uma reforma política.
A imagem do político junto à opinião publica se deteriorou. Infelizmente, muitos eleitos republicanos há anos vêm contribuindo para o descrédito político. Muitos parlamentares não têm compromisso partidário, a maioria dos partidos não tem base filosófica, nem programa político, são legendas de aluguel. Esses políticos fazem parte da banda de políticos do "é dando que se recebe". Impunemente abusam do poder político para nomeações dos afiliados, usam do apadrinhamento na distribuição de cargos. Estes políticos fisiológicos defendem interesses paroquiais em detrimento do interesse nacional. Para eles, tudo isto é normal. Eles sempre repetem: "faz parte do jogo político"! Em razão desta realidade, só uma boa reforma do sistema político pode provocar um choque de seriedade junto à opinião pública. Ela contribuirá sem dúvidas na melhora da imagem do Parlamento brasileiro.
Os protestos ocorridos recentemente, talvez, não tenha levado aos jovens a uma tomada de consciência politica sobre a questão urbana e o uso dos transporte comuns, nem tão pouco abriu o debate sobre a utilidade do Estado em garantir serviços públicos de qualidade. Entretanto, através do Net o ativismo social articulado com o militantismo de base abri uma oportunidade que talvez seja promissora para reabilitar outro modo de fazer politica no Brasil.
Vimos que raros senadores e deputados manifestaram interesse em se apropriar dos debates lançados pelos jovens. Os deputados e senadores em sua maioria se silenciaram durante a efervescência da mobilização... Alguns tiveram uma notória dose de oportunismo político quando viram a multidão nas ruas. Outros foram tomados de surpresa e demoraram a reagir. A reação da Presidente Dilma se deu dentro do realismo político, enquanto Presidente de todos os brasileiros. Ela não podia agir na precipitação. Ao escutar os jovens e organizações sociais que participaram dos protestos, a Presidente Dilma assumiu politicamente as principais reivindicações e colocou os parlamentares diante de suas responsabilidades. Cabe a eles não perderem esta ocasião de dar um verdadeiro sentido à política.
A democracia precisa de cidadãos realmente ativos, e de líderes e representantes dotados de capacidade moral. As instituições republicanas devem ser sólidas e respeitadas, dando vida aos valores coletivos e garantindo sua transmissão. Em outras palavras, ela precisa de um estado de espírito particular e de ferramentas apropriadas.
Uma democracia não pode ter ruptura com a política, daí a reforma politica é de fundamental importância. A política é a atividade pela qual os homens e mulheres através da diversidade de interesses, opiniões, paixões, podem se opor, convergir e se organizar para dar um funcionamento ordenado da sociedade. A democracia é, simplesmente, o projeto pelo qual este trabalho de organização da sociedade se realiza por ela mesma. Daí a definição de "um governo do povo, pelo povo, para o povo." Ou seja, a política é o trabalho que visa a organização do poder, a democracia é a ideia de que o poder pertence ao povo. Eis aí o momento político da democracia que vive o Brasil.
Durante os protestos, houve uma tendência de denegrir a política ou de se assumir como anti-político, porém a contradição dos que se manifestaram como apolíticos eram os que mais faziam política. Muitos repudiavam um só partido político, como se este partido fosse o único responsável por todos os males que afligem o Brasil. Havia uma nítida tentativa de desviar o centro das reivindicações por melhoria de transporte, educação, saúde e pela moralização da vida política para denunciar o conjunto da política governamental, negando qualquer melhoria operada pelos governos de Lula e Dilma. Por outro lado, havia uma efervescência da jovem democracia brasileira com demandas precisas, inclusive por uma reforma política. Sem uma articulação entre o ativismo Net e o militantismo de base, as reivindicações levadas para as ruas teriam se perdido nas esquinas, sem chances de chegar à Casa do Povo. Ao subir a rampa do Planalto, os jovens e representantes das organizações sociais são conscientes que sem pressão popular, sem contra-poderes, a jovem democracia brasileira perde sua vitalidade. Se a democracia representativa vai mal, a culpa não é só dos políticos, a política é inseparável do exercício da cidadania. Temos que reencontrar o sentido nobre da política, que permite a uma comunidade agir sobre si mesma, sem perder a visão do interesse geral.

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