sexta-feira, 18 de outubro de 2013

A crise real não é o “shutdown” ou fechamento do governo


 A crise real não pode ser abordada a menos que os empregos sejam trazidos de volta para o país e acabem as guerras

Paul Craig Roberts
É surpreendente a incapacidade da mídia e dos políticos de se concentrarem nas questões reais.
A crise real não é a “crise do teto da dívida.” O “shutdown” ou fechamento do governo é meramente resultado da tentativa dos Republicanos de usar o teto da dívida para bloquear a implementação do Obamacare (plano de saúde pública do governo Obama). Se o fechamento persistir e se tornar um problema, Obama tem poder suficiente, sob várias normas da “guerra ao terror”, para declarar um estado de emergência nacional e elevar o teto da dívida por decreto. Um poder executivo que tem autoridade para encarcerar cidadãos indefinidamente e assassiná-los sem o devido processo de lei, pode certamente deixar de lado um teto sobre a dívida que compromete o governo.
A crise real é que a debandada de empregos das Corporações dos EUA para o estrangeiro rebaixou permanentemente a receita fiscal do país, deslocando o que era renda do consumidor, o PIB e a base de cálculo para a China, Índia e outros países onde os salários e o custo de vida são relativamente baixos. Do lado da despesa, doze anos de guerras inflaram os gastos anuais. A consequência é uma ampla brecha no déficit entre receita e gastos.
Sob as circunstância atuais, a brecha no déficit é demasiado grande para ser coberto. O Federal Reserve cobre o déficit imprimindo 1 trilhão de dólares anualmente, com o qual compra a dívida do tesouro e instrumentos financeiros garantidos por hipoteca. O uso da impressão de dinheiro em tamanha escala solapa o papel do dólar como moeda de reserva, que é a base do poder dos EUA. O aumento do limite da dívida simplesmente permite que a crise real continue. Mais dinheiro será impresso para adquirir novas dívidas necessárias para diminuir a distância entre a receita e os gastos.
A oferta de dólares ou os ativos denominados em dólar em mãos estrangeiras são vastos. (O amplo excedente da Previdência Social acumulado por mais de 25 anos foi emprestado ao Tesouro e gasto. Em seu lugar há os “reconhecimentos da dívida” não comercializáveis do Tesouro. Consequentemente, a Previdência Social é um dos maiores credores do governo dos EUA.)
Se os estrangeiros perderem a confiança no dólar, uma queda no valor de troca do dólar implicaria numa alta inflação e a perda de controle pelo Federal Reserve sobre as taxas de juros. É possível que a queda no valor de troca do dólar venha a iniciar uma hiperinflação nos EUA. Ou também os proprietários estrangeiros de dólares podem vir aos Estados Unidos, investirem nas empresas e desnacionalizarem o controle da economia.
A crise real é de falta de inteligência entre os economistas e legisladores que vêm nos dizendo há 20 anos para não nos preocuparmos sobre a debandada de empregos dos EUA, porque nós íriamos ter uma “Nova Economia” com empregos melhores.
Como eu relato todos os meses, nenhum desses empregos da “Nova Economia” apareceu na estatística da folha de pagamento ou no departamento de projeções trabalhistas sobre futuros empregos. Os economistas e legisladores simplesmente entregaram uma boa parte da economia dos EUA para poder elevar os lucros corporativos. O resultado foi a criação nos EUA da pior distribuição de renda de todos os países desenvolvidos e de muitos países não desenvolvidos também.
Na verdade, os lucros aumentados são uma solução de curto prazo, porque ao deter o crescimento da renda do consumidor, a debandada de empregos para o estrangeiro destruiu o mercado consumidor dos EUA. Como observei num artigo recente, em 19 de setembro o New York Times noticiou o que eu venho dizendo há anos: a renda média famíliar nos EUA não cresceu em 25 anos. A falta de crescimento da renda do consumidor é o motivo pelo qual 5 anos de estímulo monetário e físico não foram capazes de trazer nenhuma recuperação econômica.
A crise real não pode ser abordada a menos que os empregos sejam trazidos de volta para o país e acabem as guerras. Como interesses organizados poderosos se opõem a tais medidas, o Congresso vai aprovar um novo teto da dívida e a crise real irá continuar.
Você ouviu qualquer menção sobre a crise real na mídia? Hoje (30/09) eu estava num programa de televisão internacional por 25 minutos com o editor-financeiro-chefe de um dos principais jornais da Inglaterra. Não há dúvida que ele era uma pessoa bem intencionada e inteligente, mas ele não conseguia pensar fora da “caixa”. Ele não conseguiu entender a minha explicação, e acabou por recorrer a regurgitações da ignorância ou subserviência da mídia à propaganda de Washington.
Dentre as suas regurgitações estava a “solução” de cortar a Previdência Social. O editor-financeiro-chefe de um dos principais jornais da Inglaterra não sabia que nos últimos 25 anos as entradas da Previdência Social ultrapassaram os pagamentos da Previdência Social, e que o Tesouro gastou o excedente para financiar os gastos operativos anuais do governo, e emitiu “reconhecimentos da dívida” não comercializáveis para os Fundos Fiduciários da Previdência Social.
O editor-financeiro-chefe também não entendeu que cortando os pagamentos da Previdência Social esta também cortando os gastos do consumidor ou a demanda agregada, o que afunda ainda mais a economia, ampliando, assim, o problema deficit/dívida.
Devido ao sério declínio na economia dos EUA causado pela debandada de empregos para o estrangeiro e a desregulamentação financeira, a Previdência Social já não agrega ao seu excedente. Os pagamentos da Previdência Social necessitam do suplemento da receita da folha de pagamento anual dos reembolsos pelo Tesouro dos fundos emprestados.
As únicas razões pelas quais a Previdência Social está tendo problemas é que a debandada dos empregos para o estrangeiro e as guerras limitaram a capacidade do Tesouro dos EUA de fazer progressos com a dívida, exceto através da impressão de dinheiro pelo Federal Reserve. Cada emprego que é mandado para fora do país deixa de contribuir com os impostos da folha de pagamento para a Previdência Social e o Medicare.
Os despreocupados economistas estadunidenses dizem que a manufatura é uma fonte ultrapassada de emprego, mas somente os empregos na manufatura chinesa são quase o equivalente a toda a força de trabalho em todas as ocupações nos EUA, inclusive garçonetes,garçons e enfermeiros hospitalares. A economia da China está crescendo a uma taxa de 7,5% em termos reais, enquanto as economias do Ocidente não conseguem ir para a frente e algumas estão regredindo.
Para acalmar Wall Street, a instituição mais corrupta da história humana, e para evitar aquisições de suas corporações financiadas por Wall Street, os executivos destruíram o mercado consumidor, debandando a renda estadunidense, substituindo a mão de obra dos EUA por mão de obra estrangeira, tudo para aumentar os lucros.
Na minha opinião, a economia dos EUA não pode mais ser salva na forma atual. A economia está esgotando os seus recursos hídricos. A oferta que ainda restou está sendo dizimada por Fracking [tecnologia para extração do xisto]. O solo está esgotado pelo uso do glifosato, essencial para a agricultura transgênica. Os custos externos de produção estão subindo (os custos que as corporações impõem sobre o meio ambiente e a terceiros) e, possivelmente, excedem o valor do aumento na produção corporativa. Os economistas são incapazes de um pensamento independente, e os seus representantes eleitos estão dependentes dos interesses privados que financiam as campanhas.
É difícil imaginar uma situação mais desanimadora.
No momento, o colapso parece ser a previsão mais provável.
Talvez, das ruínas, um novo começo mais inteligente possa ocorrer.
Se houver algum líder.
Paul Craig Roberts foi Secretário Assistente do Tesouro para Políticas Econômicas e editos associado do Wall Street Journal. Foi colunista para a revista Business Week, Scripps Howard News Service, e Creators Syndicate.

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