quinta-feira, 31 de outubro de 2013

EUA: O triunfo da direita



A questão central é a crescente desigualdade dos rendimentos e da riqueza. Todo o restante debate sobre o orçamento federal é uma distração perigosa. Ao conseguir gerar esta distração, a direita obtém a maior e mais insidiosa vitória

Robert Reich

A questão central dos nossos tempos é a crescente desigualdade de rendimentos e de riqueza. Tudo o mais é uma distração perigosa
Os republicanos conservadores perderam a batalha em torno da interrupção da atividade governamental e do limite da dívida, e provavelmente não vão obter grandes cortes de gastos nas próximas negociações sobre o orçamento. Mas conseguiram ganhar esta grande questão: como a nação entende o nosso problema doméstico maior.
Dizem que o problema principal é o tamanho do governo e o défice orçamental. De facto, o nosso maior problema é o declínio da classe média e o aumento do número de pobres, ao mesmo tempo que quase todos os ganhos económicos vão para os de cima. O Departamento do Trabalho revelou na terça-feira que apenas 148 mil empregos foram criados em setembro – muito abaixo da média de 207 mil novos empregos por mês no primeiro trimestre do ano.
Muitos americanos desistiram de procurar emprego. A taxa oficial de desemprego de 7,2% reflete apenas os que ainda estão à procura. Se a percentagem de americanos da força de trabalho fosse a mesma de quando Obama tomou posse, a taxa de desemprego atual seria de 10,8%.
Entretanto, 95% dos ganhos económicos desde a retomada do crescimentoiniciada em 2009 foram para os 1 por cento mais ricos. O rendimento médio real das famílias continua a cair, e o número de americanos na pobreza continua a subir.
Que medidas Washington está a tomar em relação a isto? Nenhuma. Em vez disso, regressa ao debate sobre os cortes do défice do orçamento federal.
Défice quase reduzido ao nível dos últimos 30 anos
Trata-se de um tema que nem devia ser abordado, porque o défice está quase reduzido ao mesmo nível dos últimos 30 anos.
A vitória do republicanismo de extrema-direita vai mais longe. A ausência de acordo sobre o orçamento irá retomar o chamado “sequestro” – cortes de gastos automáticos e generalizados que foram aprovados em 2011 como consequência da última vez em que o Congresso não chegou a acordo sobre o orçamento.
Estes cortes automáticos ficam mais apertados ano a ano – espremendo quase toda a ação do governo federal exceto para a Segurança Social e a Medicare. Apesar de cerca de metade dos cortes porvir do orçamento de defesa, muitos dos restantes vêm de programas destinados a ajudar os americanos necessitados: subsídios de desemprego ampliados; suplemento de nutrição para as mulheres, bebés e crianças; programa Head Start; fundos educacionais para as escolas nas comunidades pobres; educação especial para estudantes com dificuldades de aprendizagem; subsídios para os filhos das famílias de trabalhadores, assistência ao aquecimento às famílias pobres. E a lista prossegue.
O maior debate em Washington nos próximos meses será sobre como acabar com o défice do orçamento federal cortando futuros gastos já previstos e fechando alguns buracos fiscais, ou voltar ao sequestro [de verbas]. Que escolha!
O verdadeiro triunfo da direita é o de moldar o debate nacional em torno do tamanho do governo e do défice orçamental – distraindo assim as atenções do que realmente está a acontecer: a crescente concentração do rendimento nacional e da riqueza dos que estão muito acima, enquanto a maioria dos americanos cai mais e mais fundo.
Os cortes constantes do défice orçamental – através do sequestro ou de acordos sobre o défice – só vão piorar a situação, reduzindo a procura total de bens e serviços e eliminando programas de que dependem os americanos mais pressionados.
O presidente e os democratas deveriam reformular o debate nacional em torno da crescente desigualdade. Podiam começar por pedir um aumento do salário mínimo e do Earned Income Tax Credit [um crédito às famílias de baixo e médio rendimentos]. (Para agir, o presidente não tem de esperar pelo Congresso. Pode aumentar o salário mínimo dos funcionários públicos através de uma ordem executiva).
Pôr como central a questão do emprego e da desigualdade mostraria por que é necessário aumentar os impostos sobre os ricos e fechar os buracos fiscais (como o “carried interest”, que permite que os gestores de fundos de risco e de private equity apresentem o seu rendimento dedutível como ganhos de capital).
Assim se explicaria porque é preciso investir mais na educação – incluindo a primeira infância e um ensino superior mais em conta.
Esta abordagem tornaria ainda mais compreensível o Affordable Care Act – como uma forma de ajudar as famílias trabalhadoras cujos empregos tiveram os salários reduzidos ou desapareceram de vez, e por isso correm o risco constante de perderem o seguro de saúde.
A questão central dos nossos tempos é a crescente desigualdade de rendimentos e de riqueza. Tudo o mais – a interrupção do funcionamento do governo, a luta em torno do limite da dívida, as contínuas negociações sobre o défice orçamental – é uma distração perigosa. Ao conseguir gerar esta distração, a direita obtém a maior e mais insidiosa vitória.

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