sexta-feira, 25 de outubro de 2013

Os limites do neodesenvolvimentismo

Para além das manifestações de junho de 2013, o que temos hoje (e que irá prosseguir) é a explicitação dos limites do padrão de desenvolvimento capitalista implantado no país desde 2002 sob a direção da frente política do neodesenvolvimentismo sob inspiração do lulismo.

Giovanni Alves

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As manifestações sociais expõem uma demanda reprimida de necessidades sociais e carecimentos radicais candentes do proletariado urbano brasileiro – incluso camadas médias assalariadas. Na verdade, o sistema democrático-politico da ordem burguesa no Brasil (e nos países capitalistas mais desenvolvidos) está paralisado há tempos em sua capacidade de dar respostas efetivas às demandas coletivas por reformas sociais.
O tema dos transportes públicos foi o gatilho em junho deste ano dos protestos massivos de rua; e o tema da educação pública municipal foi o disparador das manifestações no Rio de Janeiro. Entretanto, nos “dez anos que abalaram o Brasil” – título do livro de João Sicsú – não faltam insatisfações sociais reprimidas quando discutimos transporte publico, educação, saúde e qualidade de vida nas metrópoles brasileiras. Eis os limites do neodesenvolvimentismo.
Indiscutivelmente, o Brasil melhorou seus indicadores sociais, principalmente aqueles que dizem respeito às camadas pobres do proletariado brasileiro atendidas pelos programas sociais do governo Lula e Dilma. Como mostram indicadores medidos do Pnad/IBGE, de 2002 a 2013 diminuiu a desigualdade social com a redução da pobreza extrema, aumentou o consumo dos pobres com o crescimento da posse de bens duráveis e o acesso a serviços públicos essenciais. Nesse período, ocorreu a redução do subproletariado pobre e o surgimento de uma “nova classe trabalhadora”, isto é, trabalhadores assalariados de baixa renda com carteira assinada, identificado erroneamente por alguns como “nova classe média” (Marcelo Nery) ou “batalhadores brasileiros” (Jessé de Souza). Enfim, ocorreram mudanças de renda e consumo nada desprezíveis para as camadas pobres do proletariado que alteraram a estratificação social, mas não a estrutura de classes no país.
Entretanto, como temos salientado nos artigos anteriores, as camadas médias do proletariado urbano, principalmente o precariado (a camada social de jovens trabalhadores urbanos e estudantes altamente escolarizados, mas inseridos em relações de trabalho e vida precários), sentem-se órfãs do neodesenvolvimentismo. No caso do precariado, encontram-se imersos em frustrações de expectativas profissionais e carecimentos radicais insatisfeitos pela ordem burguesa; e no caso dos trabalhadores assalariados médios, apesar do aumento da sua renda nos últimos dez anos de neodesenvolvimentismo, aumentaram também, ao mesmo tempo, a carga tributária direta nos seus rendimentos e os gastos com serviços privados de péssima qualidade tendo em vista o sucateamento dos serviços públicos (é o caso, por exemplo, da educação e saúde pública nas grandes cidades).
Apesar da redução do desemprego e aumento da formalização no mercado de trabalho, preserva-se no Brasil neodesenvolvimentista, profundos traços de precariedade salarial historicamente estrutural no país, como, por exemplo, as altas taxas de rotatividade e crescimento das terceirizações (por exemplo, em 2000, o Brasil tinha cerca de 3 milhões de trabalhadores terceirizados; em 2013, tem cerca de 15 milhões e, segundo estimativas, em 2020, terá cerca de 20 milhões).
Ao mesmo tempo, nos últimos dez anos, pelo menos, as camadas médias dos trabalhadores assalariados urbanos, empregados nos locais de trabalho reestruturados, com a disseminação do espírito do toyotismo nas práticas de gestão laboral, tiveram o aumento da carga de trabalho e incremento da pressão para cumprimento de metas de produtividade nas empresas privadas ou públicas (o que explica, por exemplo o crescimento, no período, das denúncias de assédio moral no trabalho). Com o choque de capitalismo flexível ocorrido nos últimos dez anos, o modo de vida just-in-time disseminou-se nas grandes cidades. Instaura-se o que consideramos como sendo uma nova dimensão da precarização do trabalho no Brasil: a precarização existencial, traço sociometabólico da era do neodesenvovimentismo. É o que explica, por exemplo, o crescimento das ocorrências de adoecimentos laborais, principalmente transtornos psicológicos e doenças psicossomáticas (como a LER-DORT), muitos delas subnotificadas e invisíveis socialmente. Os adoecimentos mentais – burn-out, síndrome do pânico e depressão, por exemplo – possuem um nexo causal com o complexo da precarização existencial ocasionada pela forma de gestão toyotista e modo de vida just-in-time que promove o fenômeno da “vida reduzida” (como salientamos no artigo anterior). Enfim, o mundo do trabalho hoje – com dez anos de surto de modernização neodesenvolvimentista – é um mundo do trabalho adoecido.
É esta camada social média do proletariado urbano brasileiro, órfã (e vítima) do neodesenvolcvimentismo e choque de capitalsimo flexível, que hoje apoia e participa das manifestações sociais de massa, exigindo, por exemplo, educação, saúde e transporte publico de qualidade e expondo irremediavelmente os limites do neodesenvolvimentismo. Mas perguntemos: em que medida estas demandas sociais reprimidas do proletariado urbano no Brasil expõem os limites do neodesenvolvimentismo? Nossa hipótese é de que são as camadas médias do proletariado brasileiro que expõem os limites do neodesenvolvimentismo quando mostram, por exemplo, a incapacidade do Estado brasileiro hoje em investir muito mais nas áreas sociais. Este é o verdadeiro limite do neodesenvolvimentismo.
Antes de prosseguirmos tratando dos limites do neodesenvolvimentismo é importante esclarecermos o significado de uma série de conceitos capazes de organizar nossa percepção e entendimento crítico do fenômeno do neodesenvolvimentismo no Brasil.
Primeiro, como salientamos nos últimos artigos, partimos da hipótese de que neodesenvolvimetismo não é neoliberalismo. Na verdade, neodesenvolvimentismo diz respeito a outro padrão de desenvolvimento capitalista no interior da temporalidade histórica do capitalismo global ou bloco histórico do mercado mundial sob o regime de acumulação flexível predominantemente financeirizado. Na verdade, o neodesenvolvimentismo no Brasil nasce da crise do modo de desenvolvimento neoliberal no Brasil nos primórdios da década de 2000, embora ele próprio – o neodesenvolvimentismo – não consiga romper o bloco histórico do capitalismo neoliberal que deu origem a nova forma de Estado politico do capital (Estado neoliberal), desenvolvida nos últimos trinta anos, tanto no centro quanto na periferia capitalista desenvolvida. Nesse caso, o neodesenvolvimentismo no Brasil é uma variante do desenvolvimento capitalista possível na periferia capitalista inserida na macroestrutura do sistema do capital no plano mundial.
No Brasil, na década de 1990, a frente politica do neoliberalismo vitoriosa nas eleições de 1989 (com Fernando Collor de Mello) e depois, em 1993 (com Fernando Henrique Cardoso), adequou o capitalismo brasileiro à nova ordem burguesa global, constituindo os pilares do Estado neoliberal no Brasil, o Estado politico do capital adequado à nova temporalidade histórica do capitalismo global ou bloco histórico da acumulação flexível de cariz predominantemente financerizado (a frente política do neodesenvolvimentismo ao assumir o governo em 2003, incapaz de alterar a forma do Estado neoliberal, organizou seu plano de governo no interior da nova forma estatal construída na década anterior).
Na década neoliberal no Brasil, ocorreu um terremoto social que alterou não apenas a morfologia social do trabalho no Brasil, mas também o perfil da grande burguesia brasileira. Nesse período, no bojo da adequação à ordem burguesa global, consolidou-se um novo bloco de poder no capitalismo brasileiro, a partir do qual se articulou inicialmente a frente politica do neoliberalismo, com os partidos PSDB-PFL, que durante quase dez anos, governaram o Brasil (1994-2002).
É importante esclarecer que bloco de poder não se confunde com frente politicatendo em vista que frente politica é a articulação de classes, camadas, frações e categorias sociais de classe, que apoiam, por exemplo, um governo e suaestratégia politica.
Por exemplo, o bloco de poder neoliberal é o bloco das classes dominantes (com suas camadas, frações e categorias sociais) que mantém o poder do capital nas condições do capitalismo global. A espinha dorsal do novo bloco de poder no Brasil constituído na década neoliberal é constituída pelo capital financeiro que possui vínculos orgânicos, por exemplo, com o agronegócio, empreiteiras, grandes corporações industriais, grandes empresas de distribuição e serviços de telecomunicações, inclusive fundos de pensões sob gestão estatal. Deste modo, o bloco de poder neoliberal constitui uma “oligarquia financeira” que encontra no aparato do Estado neoliberal, um veículo privilegiado de articulação sistêmica (a frente política do neodesenvolvimentismo, que é governo, não conseguiu romper com o poder dos grandes grupos financeiros).
Por outro lado, um governo é constituído por uma frente politica que articula tanto camadas, frações e categorias da classe dominante, que compõem parcelas do bloco de poder e garantem a sustentação do governo no interior do Estado político do capital; e camadas, frações e categoriais sociais da classe dominada e classes intermediárias que, no caso do Estado político do capital, atuam como classe-apoio. Uma frente política, por exemplo, não se reduz efetivamente às representações politicas no Congresso nacional (câmara dos deputados e senado), mas se compõem também por apoios (hegemonia) no poder judiciário, meios de comunicação de massa, forças armadas e sociedade civil organizada enquanto instancias compositivas do bloco de poder do capital. É a composição com parcelas do bloco de poder e o apoio e interpelação de outras classes e camadas sociais – inclusive classes subalternas – que dá o tônus da governabilidade e hegemonia politica na sociedade burguesa.
Por exemplo, um governo que rompesse efetivamente com o bloco de poder burguês, para ter sustentação e governabilidade, teria que basear-se numa frente politica vinculada a outro bloco de poder (por exemplo, um bloco de poder popular). Não apenas ter maioria na representação politica no Congresso Nacional (sociedade política), mas ter apoios (hegemonia) na sociedade civil organizada. A frente politica seria tão-somente a cristalização do processo de hegemonia politica e cultural da classe do trabalho organizado nas cidades e no campo. Este bloco de poder popular implicaria a democratização radical da sociedade, com a constituição de conselhos sociais e populares, implodindo, deste modo, por dentro, o Estado político centralizado e burocrático do capital. Estamos no plano radical da utopia social, tendo em vista que não existem – nem de longe – possibilidades de um bloco de poder popular no Brasil. O que significa que, na perspectiva do realismo político, a sustentação e a governabilidade hic et nunc de uma frente política com pretensões de reforma social, implicaria irremediavelmente, num primeiro momento, articulação – mesmo que contraditória – com determinadas camadas, frações e categoriais do bloco de poder burguês. That’s the question.
Não nos interessa discutir os problemas da revolução social no Brasil, mas sim entender o que consideramos como sendo o neodesenvolvimentismo. Portanto, para nós, neodesenvolvimentismo é um modo de desenvolvimento do capitalismo no Brasil operado por um determinada frente politica inspirada por um estratégia de governo (o lulismo). A frente politica do neodesenvolvimentismo visa operar um capitalismo periférico com pretensões social-democrata capaz de redistribuir renda e reduzir a desigualdade social no país. Esta frente política, embora tenha vínculos orgânicos com camadas, frações e categoriais sociais do bloco de poder neoliberal (burguesia produtiva interna e fundos de pensões articulados com o capital financeiro), se distingue efetivamente da frente politica do neoliberalismo, lideradas pelo PSDB-PFL, vinculada organicamente com a burguesia parasitária-especulativa.
Apesar disso, na medida em que opera no interior do Estado politico do capital originado do bloco histórico neoliberal no plano do mercado mundial sob a dominância do regime de acumulação flexível predominantemente financeirizado, a frente politica do neodesenvolvimentismo mantém, mais ou menos, linhas de continuidade com a construção macroeconômica anterior (superávit primário alto, câmbio flexível e o sistema de metas de inflação), o que dá a efetiva ilusão de que nada mudou e que os novos governos “pós-neoliberais” são meros governos neoliberais. Entretanto, não apreender traços significativos de descontinuidade na política do neodesenvolvimentismo lulista em comparação com a estratégia política da frente do neoliberalismo da década de 1990, significa perder a dimensão da profunda contradição não-antagônica no seio do próprio bloco de poder do capital instaurada pelo novo modo de desenvolvimento capitalista no Brasil de feição neodesenvolvimentista.
Por outro lado, o neodesenvolvimentismo não é apenas um novo modo de desenvolvimento do capitalismo no Brasil, mas uma frente politica inspirada por uma estratégia politica ou estrategia de governo denominada lulismo. Deste modo, é importante distinguir neodesenvolvimentismo de lulismo.
O primeiro – neodesenvolvimentismo – diz respeito a um padrão de desenvolvimento da ordem capitalista no País, operada por um frente politica baseada em camadas, frações e categoriais do bloco de poder do capital (a burguesia interna das grandes empresas, agronegócio, empreiteiras e fundos de pensão) com apoio de camadas, frações e categorias sociais do proletariado brasileiro (com destaque para a multidão do subproletariado pobre e proletariado de baixa renda, embora tenha apoio em parcelas organizadas do proletariado industrial do campo e da cidade).
O segundo – o lulismo – diz respeito a uma estratégia de governo ou estrategia politica que caracteriza esta frente politica que nasceu em 2003. O lulismo – tal como interpretamos as idéias desenvolvidas por André Singer no livro Os sentidos do lulismo – compõe-se hoje por três elementos básicos, isto é, o lulismo é uma estratégia de governo da nova ordem burguesa no Brasil que se caracteriza por (1) interpelar o apoio do subproletariado pobres e das camadas de baixa renda do proletariado brasileiro, das cidades e do campo por meio de programas sociais (Bolsa-Família, Minha Casa Minha Vida, por exemplo) e valorização do salário-minimo – 70%, de 2002 a 2012; (2) por adotar a postura de não-confrontar o capital como bloco de poder (o que explica o viés bonapartista de Lula e Dilma, agindo aparentemente acima das classes sociais antagônicas, extirpando, inclusive, do horizonte do discurso político, o léxico do antagonismo de classe e cultivando como alma mater, a conciliação social como valor fundamental, com o mote “Lula Paz e Amor” ou ainda “Brasil País de Todos”); (3) e, por fim, por adotar um reformismo fraco baseado em politicas de combate a pobreza, incentivo ao consumo visando mercado interno e programas sociais voltados para a redução da desigualdade social. Na verdade, o reformismo fraco oculta a incapacidade política da frente do neodesenvolvimentismo de operar reformas sociais que incomodem os interesses de camadas, frações e categoriais sociais do bloco de poder neoliberal. Eis os limites do neodesenvolvimentismo.
Na medida em que o lulismo entrou em crise, tendo em vista as novas contradições sociais que surgem no desenvolvimento da conjuntura da luta de classes no Brasil, abriu-se um novo campo de contingencia politica: exige-se, por exemplo, de Luis Inácio “Lula” da Silva, criador (e criatura) do lulismo, hábil negociador sindical e personalidade politica carismática, a notável capacidade de auto-reforma do espírito lulista, capaz de preservar o espólio do novo gestor da ordem burguesa no Brasil – o Partido dos Trabalhadores. De fato, a crise do lulismo abala a capacidade de governabilidade da frente politica do neodesenvolvimentismo, expondo os limites do neodesenvolvimentismo e exigindo mudanças de rumo da condução da ordem burguesa do Brasil.
Na verdade, os limites do neodesenvolvimentismo expõem a crise do lulismo como estratégia política, não no sentido de que a frente politica do neodesenvolvimentismo tenha perdido o apoio do subproletariado pobre ou do proletariado de baixa renda – as politicas sociais adotadas pela frente politica do neodesenvolvimentismo são indiscutivelmente positivas na perspectiva da consciência (e dos interesses) de classe contingente do proletariado brasileiro. Consideramos que a crise do lulismo ocorre no sentido do governo Dilma, por exemplo, ser interpelado, mais do que nunca, por outras camadas do proletariado brasileiro – as camadas médias assalariadas e principalmente o precariado – que se manifestam hoje nas ruas exigindo mudanças no tônus do reformismo fraco.
O lulismo hoje é intimado a adotar um reformismo forte, o que significa, por conseguinte, confrontar o núcleo do bloco de poder do capital e seus aliados sociais: o capital financeiro. Portanto, os limites do neodesenvovimentismo põem-se com a exigencia de reformas sociais que signifique – pelo menos – mais investimentos sociais nos serviços públicos de qualidade (por exemplo, educação, saúde e transporte público). Impõe-se, deste modo, para construir uma nova forma do Estado brasileiro, uma frente política capaz de ir além do Estado neoliberal; o que significa implementar, pelo menos, duas reformas sociais preliminares: primeiro, reforma política que democratize o parlamento brasileiro, resgatando o valor da representação politica corrompida pelo particularismo dos interesses oligárquicos; e uma reforma tributária capaz de implantar efetivamente a justiça social no País (a taxação das grandes fortunas e a tributação do capital parasitário-especulativo). Na verdade, trata-se de operações politicas de alta impacto que o lulismo não conseguiu fazer – e nem conseguirá faze-lo – nos dez anos de neodesenvolvimentismo. Elas são pre-condições politicas para deixar de lado o reformismo fraco e alterar a face do Estado neoliberal capturado pela divida pública.
Ao dizermos limites do neodesenvolvimentismo, não se trata de afirmar que o neodesenvolvimentismo como novo modo de desenvolvimento capitalista seesgotou irremediavelmente. Enquanto não se constituir uma nova frente política capaz de ir além dos limites do neodesenvolvimentismo, o novo padrão de desenvolvimento capitalista brasileiro herdado do lulismo, persistirá como um cadáver insepulto, sendo conduzido (e administrado) inclusive por uma nova frente política (de direita) hoje oposicionista que almeja assumir o espólio dos governos do PT.
O que se discute não é a capacidade de desenvolvimento do capitalismo no Brasil (o neodesenvolvimentismo), mas a redução (ou ampliação) da desigualdade social e precarização do trabalho em suas dimensões cruciais. Pode-se inclusive admitir um neodesenvolvimentismo de direita capaz de fazer o Brasil crescer, administrando a barbárie social nos limites da farsa democrática e do Estado policial vigente.
Os limites do neodesenvolvimentismo são, deste modo, os próprios limites do Estado brasileiro como Estado neoliberal de feição oligárquico-financeira – enfim, um Estado capturado pelo capital especulativo-parasitário. A estratégia politica do lulismo – talvez justificada pela correlação de forças desfavorável na sociedade civil e sociedade política – optou pelo caminho de menor resistência do bloco de poder do capital. Por exemplo, mais investimentos sociais na educação, saúde e transporte público com qualidade, são investimentos públicos bastante caros que exigem mais de um Estado brasileiro que tem hoje cerca de 42% do orçamento publico comprometido com o pagamento da divida publica (por exemplo, só em 2014 mais de 1 trilhão serão pagos a este título).
É a divida publica brasileira que expõem o circulo de ferro do capital financeiro que aprisiona o país. PT e PSDB, partidos-gestores do condomínio da ordem burguesa no Brasil, nunca assumiram (nem poderia assumir), a tarefa da auditoria soberana da divida publica, tendo em vista seus vínculos orgânicos com o bloco do poder neoliberal. Ao mesmo tempo, a maioria do Congresso Nacional hoje está cativa da lógica financeira que mantem, sob a espada de Damocles da Lei de Responsabilidade Fiscal, os limites do Estado brasileiro em atender as necessidades sociais ampliadas. Na verdade, parlamento, poder judiciário, forças armadas e grande mídia e, last but not least, igreja católica e igrejas evangélicas, são trincheiras da ordem burguesa desigualitária que impedem reformas sociais estruturais de maior espectro. Por outro lado, obviamente, mesmo que a oposição de direita ganhe, ela não tem condições (e vontade) política em romper com esta lógica do capital financeiro que determina a própria lógica da governabilidade no país que é hoje o elo mais forte do imperialismo na América Latina.
Finalmente, podemos concluir dizendo que a função do cientista social é ir além da imediaticidade histórica, embora não deva despreza-la em sua riqueza e diversidade contingente. Muitas análises das manifestações de junho de 2013 ficaram no impressionismo jornalistico sem atentar para as causalidades estruturais e estruturantes da nova configuração das classes sociais no Brasil, com suas camadas, frações e categorias sociais surgidas do movimento da reorganização do capitalismo no Brasil dos últimos dez anos. Temos salientado que o Brasil sofreu nos últimos vinte anos de neoliberalismo e neodesenvolvimentismo um terremoto social que alterou a configuração das classes, camadas, frações e categoriais sociais nas metrópoles brasileiras. A inquietação social das ruas possui uma base material profunda de classe – é preciso salientar isso. O que se manifesta nas ruas precisa ser melhor decifrado nas suas raízes sociológicas e a raiz está na nova configuração da estrutura de classes e suas camadas socais (a nova classe trabalhadora e o precariado).
Com o neodesenvolvimentismo alterou-se certas dinâmicas – o subproletarado ascendente transformou-se em nova classe trabalhadora e a camada social média do proletariado urbano tornou-se um imenso e inquieto precariado frustrado diante de um Estado brasileiro limitado em sua capacidade de dar respostas estratégicas às demandas sociais reprimidas. Ao mesmo tempo, temos um grande empresariado dependente do submundo financeiro que comanda o circuito da governabilidade, cercando situação e oposição, neutralizadas em sua capacidade de reforma social estrutural.
Com os protestos de ruas, as organizações tradicionais – partidos e sindicatos – perceberam a sua crise orgânica, incapazes de dar a direção politica e ideológica das manifestações sociais. O Brasil vive há muito tempo uma crise de representação politica que se exacerbou nas condições de explicitação dos limites irremediáveis do neodesenvolvimentismo como crise do capitalismo periférico. Nesse caso, o vazio organizacional e politico é ocupado pela grande midia como força sinistra da ordem burguesa, que manipula e pauta os movimentos sociais em prol dos interesses das forças oligarquicas do bloco de poder neoliberal. No calor dos protestos de rua e de exposição dos limites do neodesenvolvimnetismo abriu-se um cenário de risco para a democracia politica paralisada por sua ineficácia de representação e esvaziamento de legitimidade devido o apodrecimento do Estado burgues no Brasil. Enfim, o que pode parecer para os incautos com déficit de percepção dialética e perspicácia politica mais apurada um cenário de revolução social, é mais a ante-sala do fascismo social sob o manto da democracia amesquinhada que reitera a perversidade da ordem burguesa desigualitária no Brasil.
Giovanni Alves é doutor em ciências sociais pela Unicamp, livre-docente em sociologia e professor da Unesp, campus de Marília. É pesquisador do CNPq com bolsa-produtividade em pesquisa e coordenador da Rede de Estudos do Trabalho (RET), do Projeto Tela Crítica e outros núcleos de pesquisa reunidos em seu site giovannialves.org. É autor de vários livros e artigos sobre o tema trabalho e sociabilidade, entre os quais O novo (e precário) mundo do trabalho: reestruturação produtiva e crise do sindicalismo (Boitempo Editorial, 2000) e Trabalho e subjetividade: O espírito do toyotismo na era do capitalismo manipulatório (Boitempo Editorial, 2011).

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