Sete teses sobre o mundo rural brasileiro
Um artigo e uma coletânea escritos na década de 1960, respectivamente, por um sociólogo mexicano e um economista brasileiro, ofereceram à literatura sobre “o desenvolvimento” um conjunto de argumentos inovadores, ambos curiosamente coincidindo sobre o número sete, o qual englobaria os focos principais acerca dos temas que então os autores adiantaram para o debate público.
Zander Navarro
Zander Navarro

Introdução
O artigo “Siete tesis equivocadas sobre América Latina”, de Rodolfo Stavenhagen, foi publicado no diário mexicano El Día, em junho de 1965. Já o economista Antônio Barros de Castro lançou seu livro Sete ensaios sobre a economia brasileira em 1969, publicação que representou uma criativa proposta analítica, introduzindo uma visão que, na ocasião, já prenunciava o futuro polemista e notável interpretador dos processos econômicos do país [1]. Em especial, foram autores que confrontaram as narrativas dominantes e a ortodoxia então prevalecentes. Já na abertura do artigo, uma advertência de Stavenhagen é ilustrativa sobre os motivos que animam o presente artigo, em face da similaridade com parte da bibliografia brasileira que atualmente discute o desenvolvimento da agricultura [2]. Na ocasião, alertava o sociólogo mexicano que:
[...] En la literatura abundante que se ha producido en los últimos años sobre los problemas del desarrollo y del subdesarrollo económico y social se encuentram tesis y afirmaciones equivocadas, erróneas y ambiguas. A pesar de ello, muchas de estas tesis son aceptadas como moneda corriente [...] Pese a que los hechos las desmienten, y a que diversos estudios en años recientes comprueban su falsedad, o cuando menos hacen dudar de su veracidade, dichas tesis adquieren fuerza y a veces carácter de dogma” (STAVENHAGEN, 1965).Muitos elos analíticos poderiam unir a curta contribuição de Stavenhagen a alguns dos argumentos de Barros de Castro nos Sete ensaios, sendo o principal a refutação da existência de “sociedades duais” na América Latina (o notório “dualismo cepalino”) e a visão do economista sobre “as funções da agricultura” no processo de expansão capitalista brasileiro — discutidas no segundo ensaio do livro. Para as teses então dominantes, os ambientes rurais representariam o epítome do atraso econômico e das práticas sociais e políticas conservadoras, materializando bloqueios estruturais à expansão de uma sociedade moderna. Castro, por seu turno, insistiu que na história nacional a agricultura não se constituíra em freio à industrialização, ainda que seu desenvolvimento não tivesse seguido uma via similar à dos países do capitalismo avançado. E advertiu, em premonitória observação de grande relevância: sem a democratização da propriedade da terra, as regiões rurais exportavam a desigualdade social do campo para a cidade, através de processos migratórios das famílias mais pobres. Adicionalmente, sua análise adiantava uma interpretação que os fatos posteriores comprovaram à exaustão, conforme a síntese de dois estudiosos de sua obra:
[...] O “Ensaio 2”, do livro Sete Ensaios..., é uma das mais instigantes interpretações sobre a relação de agricultura e indústria escrita no Brasil [...] Castro argumentou que a agricultura brasileira contribuiu com a industrialização por meio da geração e permanente ampliação de excedente de alimentos e matérias-primas, da liberação da mão de obra e da transferência de capitais. O autor mostrou que, apesar do crescimento da população e da renda brasileiras, o país não foi pressionado a aumentar significativamente suas importações de alimentos [...], não foi obrigado a reduzir a expansão de suas exportações agrícolas pela pressão da demanda doméstica de terras para a produção de alimentos e, ainda, a agricultura brasileira aumentou a oferta de alimentos liberando mão de obra para suprir a demanda de trabalhadores no setor urbano da economia [...] a contribuição do setor foi importante ao permitir que o mercado urbano, que surgia da substituição das importações e não do aumento da demanda das regiões agrícolas, se expandisse, sem que fosse estrangulado por problemas gerados na oferta de alimentos ou na incapacidade da agricultura de liberar mão de obra para as cidades ou capitais” (PRADO e BASTIAN, 2011, p. 245-246).
Essas observações iniciais, representativas de diminuta parte de um gigantesco debate sobre o desenvolvimento ocorrido meio século atrás, inspiram este artigo por várias razões [3]. Primeiro, porque assistimos hoje, tal como aqueles autores, ao distanciamento entre os processos concretos que demandam explicação, de um lado, e parte significativa das interpretações e da literatura, de outro lado. Trata-se de um hiato entre “teoria e realidade” que contribui para a persistência das “afirmações equivocadas, errôneas e ambíguas” (Stavenhagen), as quais poderiam ter tido alguma validade para explicar realidades que já foram transformadas, mas atualmente embaralham os debates sobre o mundo rural brasileiro.


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