sábado, 16 de novembro de 2013

Mudança climática pode colocar em risco o abastecimento alimentar

A mudança climática apresentará riscos acentuados ao abastecimento alimentar mundial nas próximas décadas, potencialmente minando a produção agrícola e elevando os preços em um momento em que a expectativa é de aumento da demanda por alimentos, apontaram cientistas.

Justin Gillis
Plantação de arroz em Dala, nos arredores de Yangon, em Mianmar
Plantação de arroz em Dala, nos arredores de Yangon, em Mianmar
Em uma mudança em relação a uma avaliação anterior, os cientistasconcluíram que a elevação das temperaturas terá algum efeito benéfico sobre as plantações em alguns lugares, mas que, globalmente, ela atrapalhará a produção agrícola.
E, dizem os cientistas, eles já estão vendo os efeitos danosos em algumas regiões.
Os alertas vêm de um esboço vazado de um relatório que está sendo preparado por um painel da ONU, o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas. O documento não é final e pode mudar antes de sua divulgação em março.
O relatório também aponta outros grandes impactos da mudança climática que estão ocorrendo por todo o planeta e alerta que eles provavelmente se intensificarão à medida que as emissões humanas de gases do efeito estufa continuam aumentando. Os cientistas descrevem um mundo natural em turbulência, com plantas e animais tentando migrar para escapar das temperaturas em elevação, e alertam que muitas espécies podem ser extintas.
O alerta sobre o abastecimento alimentar é o de tom mais forte já emitido pelo painel. Seu relatório anterior, em 2007, foi mais esperançoso. Apesar de alertar sobre os riscos e perdas potenciais na produção, particularmente nos trópicos, esse relatório apontou que os ganhos na produção em latitudes mais altas provavelmente compensariam as perdas e assegurariam um abastecimento global adequado.
O novo tom reflete um grande corpo de pesquisa nos últimos anos que mostra quão sensíveis as plantações parecem ser às ondas de calor. O trabalho recente também desafia suposições anteriores sobre quanto a produção de alimentos poderia aumentar nas próximas décadas devido aos níveis mais altos de dióxido de carbono na atmosfera. O gás, apesar de ser o principal motivo para o aquecimento global, também atua como uma espécie de fertilizante para as plantas.
O Painel Intergovernamental sobre Mudança Climática é o principal corpo científico encarregado de revisar e avaliar a ciência climática, apresentando relatórios sobre os riscos para os governos mundiais. Seus relatórios principais saem a cada cinco a seis anos. O grupo ganhou o Prêmio Nobel da Paz, juntamente com Al Gore, em 2007 por seus esforços.
Centenas de bilhões de dólares são gastos a cada ano para reduzir as emissões, em resposta a conclusões anteriores do grupo, apesar de muitos analistas dizerem que esses esforços são inadequados para impedir mudanças climáticas drásticas mais adiante no século.
A respeito do abastecimento alimentar, o novo relatório aponta que os benefícios do aquecimento global podem ser vistos em algumas áreas, como as terras do norte que atualmente são marginais para a produção de alimentos. Mas ele acrescenta que, de modo geral, o aquecimento global pode vir a reduzir a produção agrícola em até 2% a cada década pelo restante deste século.
Durante esse período, a expectativa é que a demanda cresça até 14% a cada década, apontou o relatório, já que a projeção é que a população mundial cresça dos atuais 7,2 bilhões para 9,6 bilhões em 2050, segundo a ONU, e que muitas dessas pessoas nos países em desenvolvimento passem a ter dinheiro para comer dietas mais ricas.
Qualquer déficit levaria a uma alta dos preços dos alimentos que atingiria mais duramente os mais pobres do mundo, como tem ocorrido nas altas de preços em anos recentes. Pesquisa apontou que a mudança climática, particularmente ondas de calor severas, foi um fator nessas altas de preços.
Os riscos agrícolas "são maiores nos países tropicais, dados os impactos projetados que ultrapassam a capacidade de adaptação e as taxas mais altas de pobreza em comparação às regiões temperadas", aponta o esboço do relatório.
Se o relatório estiver correto sobre o efeito da mudança climática sobre as plantações, a demanda global por alimentos teria que ser atendida --se puder ser atendida-- por meio do uso de novas terras para produção. Isso poderia resultar no desmatamento de grandes áreas de floresta, uma ação que apenas aceleraria a mudança climática, ao lançar quantidades substanciais de dióxido de carbono no ar devido à destruição das árvores.
O relatório aponta que esforços para adaptação à mudança climática já começaram em muitos países.
O presidente Barack Obama assinou uma ordem executiva para intensificação desses esforços nos Estados Unidos. Mas esses esforços permanecem inadequados em comparação aos riscos, diz o relatório, e planos de adaptação bem mais intensos --e caros-- provavelmente serão necessários no futuro.
O documento também aponta que ainda não é tarde demais para reduções nas emissões terem um forte impacto sobre os futuros riscos da mudança climática, embora os custos apareçam nas próximas décadas e os principais benefícios provavelmente só sejam vistos no final do século 21 e além.
O vazamento do novo esboço ocorreu em um blog hostil ao painel intergovernamental. Em uma breve entrevista, um porta-voz do painel, Jonathan Lynn, não contestou a autenticidade do documento.
"É um trabalho em progresso", disse Lynn. "Ele provavelmente mudará."
Vários cientistas envolvidos na elaboração do documento se recusaram a falar publicamente a respeito. Na era da internet, os esforços do grupo para manter seus esboços em segredo têm sido um fracasso, e alguns dos cientistas envolvidos pedem para que o processo de elaboração seja aberto ao público.
Um relatório sobre a ciência física da mudança climática vazou em agosto, então passou por apenas mudanças modestas antes de sua divulgação final em Estocolmo, no final de setembro. O novo relatório cobre o impacto da mudança climática, os esforços de adaptação a ela e a vulnerabilidade dos sistemas humano e natural.
Um terceiro relatório, analisando as formas potenciais de limitar o aumento dos gases do efeito estufa, deverá ser divulgado em abril, em Berlim.
Tradutor: George El Khouri Andolfato

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