sexta-feira, 29 de novembro de 2013

O Brasil e a África negra


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Para ampliar presença africana, país enfrentará dois grandes obstáculos: concorrência de potências globais e preconceito de nossas elites brancas
Por José Luís Fiori

Ao incluir a África dentro do seu “entorno estratégico”, e ao se propor aumentar sua influência no continente africano, o Brasil precisa ter plena consciência de que está entrando num jogo de xadrez extremamente complicado. Porque já está em pleno curso – na segunda década do século XXI – uma novas “corrida imperialista”, entre as “grandes potências”, e um dos focos desta disputa é, mais uma vez, a própria África. E não é impossível que as velhas e novas potências envolvidas na disputa pelos recursos estratégicos da África voltem a cogitar da possibilidade de estabelecer novas formas maquiadas de controle colonial sobre alguns países africanos, que eles mesmo criaram, depois da II Guerra Mundial.
A África é o segundo maior e mais populoso continente do mundo: tem uma área de 30.221.532 km² e cerca de 1 bilhão de habitantes, 15% da população mundial. O continente inclui a ilha de Madagascar, vários arquipélagos, nove territórios e 57 estados independentes. Os europeus chegaram à costa africana e iniciaram seu comércio de escravos negros nos séculos XV e XVI, mas foi só no século XIX que as grandes potências europeias ocuparam e impuseram sua dominação em todo continente, menos a Etiópia.
A independência africana, depois da II Guerra Mundial, despertou grandes expectativas com relação aos seus novos governos de “libertação nacional” e seus projetos de desenvolvimento. Este otimismo inicial, entretanto, foi atropelado por sucessivos golpes e regimes militares, e pela crise econômica mundial que atingiu todas as economias periféricas na década de 70, provocando prolongado declínio da economia africana. Na década de 90, inclusive, generalizou-se em alguns círculos a convicção de que a África seria um continente “inviável” e marginal dentro do processo vitorioso da globalização econômica. E de fato, naquela década, apenas 1% do fluxos dos Investimentos Diretos Estrangeiros, de todo o mundo, foram destinados aos 57 países africanos.
Depois de 2001, entretanto, a economia africana ressurgiu, acompanhando o novo ciclo de expansão da economia mundial, como aconteceu na América do Sul. Esta mudança radical da economia africana se deveu sobretudo ao impacto do crescimento econômico da China e da Índia, que consumiam 14% das exportações africanas, no ano 2000, e hoje consomem 27%, igual que a Europa e os Estados Unidos, que foram os antigos “donos” comerciais do continente. Na direção inversa, as exportações asiáticas para a África vêm crescendo a uma taxa média de 18% ao ano, junto com os investimentos diretos chineses e indianos, sobretudo em energia, minérios e infra-estrutura. Neste sentido, não cabe mais duvida, devido ao volume e à velocidade dos acontecimentos: a África é, hoje, o grande espaço de “acumulação primitiva” asiática, e uma das principais fronteiras de expansão econômica e política, da China e da Índia.
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O problema é que neste mesmo período, os Estados Unidos também aumentaram seu envolvimento militar e econômico africano, em nome do combate ao terrorismo, e da proteção dos seus interesses energéticos, sobretudo na região do “Chifre da África” e do Golfo da Guiné, que deverá estar suprindo aproximadamente 25% das importações norte-americanas de petróleo, até 2015. E o mesmo aconteceu com a União Europeia, e em particular, com a França e a Grã Bretanha, que inclusive participaram, neste período, de intervenções militares diretas no território africano. E a própria Rússia tem intensificando seus acordos envolvendo venda de armas e alguns projetos bilionários de suprimento de gás para Europa, através da Itália e do deserto do Saara.
A relação do Brasil com a África, durante quase todo o século XX, foi de estranhamento e submissão aos interesses das potências coloniais europeias, e à estratégia norte-americana da Guerra Fria. Foi só no início da década de 60 que esta posição mudou pela primeira vez, com a “politica externa independente” (PEI), dos governos de Jânio Quadros e João Goulart, entre 1961 e 1964. Política que foi retomada durante o governo Geisel, e depois relaxada durante os governos neoliberais da década de 90. Só agora, no início do século XXI, o Brasil retomou e assumiu explicitamente seu interesse estratégico na África, propondo-se irradiar sua liderança e projetar sua influência política e econômica, sobretudo na região subsaariana.
O Brasil é o único país sul-americano que é também negro e que tem excelentes oportunidades econômicas no território subsaariano, em infraestrutura e serviços, mas também na indústria e na capacitação da sua mão de obra. Entretanto, para manter sua decisão estratégica e conquistar espaços, o Brasil tem que estar disposto e preparado para enfrentar a pesada concorrência das velhas e novas potências, como China e Índia, que têm muito maior capacidade imediata de mobilização econômica e militar. E terá que começar pela conscientização e mobilização da sua própria sociedade, e em particular, de suas elites brancas – que sempre tiveram enorme dificuldade de reconhecer, aceitar e valorizar as raízes africanas e negras do seu próprio país.

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