quarta-feira, 4 de dezembro de 2013

Bisneto de escravo liberto há 125 anos conta saga de sua família da senzala à Academia


  • Doutor em História, Robson Machado narra a história dos descendentes e como viveram desde 1888
CAROLINA BENEVIDES (EMAIL·FACEBOOK·TWITTER)
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Robson Machado fala de sua família, tema que pesquistou para a universidade
Foto: O GLOBO / Guito Moreto
Robson Machado fala de sua família, tema que pesquistou para a universidade O GLOBO / Guito Moreto
RIO - Aos 14 anos, Vicente valia 1.200 réis. Era o ano de 1871, e ele vivia na senzala da Fazenda Córrego do Ouro, no sul do Espírito Santo. Escravo desde que nasceu, provavelmente em 1857, na Região da Zona da Mata de Minas, foi comprado para trabalhar no plantio e na colheita do café. No ano em que a Lei do Ventre Livre foi aprovada, Vicente dividia a fazenda com outros seis escravos. A mais velha, Jeronyma, de 50 anos, valia 400 réis, quatro vezes o valor de um burro de carga.
Dezessete anos depois, em 13 de maio de 1888, Vicente se tornou um homem livre. Mas, para ele e para a maioria dos escravos, a Lei Áurea não significou, de cara, uma mudança de vida. Ao ganhar a liberdade, recebeu o sobrenome do dono da propriedade e passou a se chamar Vicente Pereira Machado. E ainda permaneceu por, pelo menos, mais uma década na fazenda. Lá casou e teve os primeiros filhos.
Após 125 anos da assinatura da lei pela princesa Isabel, O GLOBO conta a vida de Vicente e de seus descendentes — personagens de um Brasil que redescobre sua História negra e reduz desigualdades, mas ainda convive com o preconceito e os resquícios da escravidão.
— Essa ideia de que as pessoas saíram correndo e comemorando, isso é lenda. Depois do 13 de Maio, meu bisavô e a maioria dos escravos continuaram vivendo onde trabalhavam. Registros históricos mostram que alguns receberam um pedaço de terra para plantar o que iam comer. Mas poucos passaram a ganhar ordenado, e houve quem recebesse uma porcentagem do café que plantava e colhia — conta Robson Luís Machado Martins, bisneto de Vicente, que desde a década de 1990 pesquisa a história de sua família e, de quebra, a do Brasil.
— Toda família tem uma história. A da minha é também a do Brasil nos últimos 150 anos.
Foi pesquisando para a graduação em História, o mestrado e o doutorado que Robson descobriu como viveu seu bisavô. Antes de tudo, ouviu os relatos dos seus avós maternos, Paulo Vicente e Ana Cândida, filha de uma portuguesa com um africano.
— Cresci com minha avó exaltando mais o lado comunitário e festivo do que as agruras, a violência, os filhos sendo vendidos, os açoites. A parte humana de uma convivência desumana. De haver um sentimento comunitário. Quando fui para a faculdade, resisti bastante a escrever sobre esse período. E até hoje faço assim: quando estou tranquilo, vou adiante. Quando abala, eu paro — diz Robson.
Em suas pesquisas, ele descobriu que Vicente era um negro mais alto e mais forte que a maioria. Em 1871, valia mais que o irmão, Marcos, um ano mais velho. Foi esse porte que fez com que fosse escolhido como reprodutor e tivesse relações com as escravas, que gerariam filhos. Depois, apaixonou-se por uma branca e acabou no tronco. Foi ainda capitão do mato, pessoa que devia resgatar os escravos que fugiam.
— Ninguém tinha opção. Meu avô contava que o pai teve que aceitar ser capitão do mato, mas que não ficou com reputação ruim — diz.


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