sexta-feira, 27 de dezembro de 2013

Da periferia ao centro: cultura e política em tempos pós-modernos

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Da periferia ao centro: cultura e política em tempos pós-modernos
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As relações entre cultura e política ganharam novos contornos no Brasil a partir da década de 1990.
A explosão cultural da periferia - tendo à frente o rap - expressou-se numa lógica dualista que
dividia a sociedade em brancos e negros, centro e periferia, "manos" e "playboys". Essa visão dualista,
por sua vez, reflete uma forma de pensar prisioneira do imediato - no caso, a recusa abstrata do
"sistema". O mesmo procedimento pode ser visto na classe média que foi às ruas nas jornadas
de junho, em 2013. Conduzida pela lógica do espetáculo e manipulada pela mídia, as jornadas
 também expressaram, na outra ponta da sociedade, uma estetização da política que
reproduzia, a seu modo, a permanência no visível, no imediato.

Celso Frederico
I
No mês de fevereiro de 2013, a revista Carta Capital publicou diversas matérias sobre cultura, mais precisamente sobre o chamado "vazio cultural", que seria, segundo o diagnóstico da revista, a característica definidora do tempo presente.
O fio condutor da reportagem é a relação entre os ciclos da economia brasileira e as manifestações culturais. Três períodos são destacados.
O primeiro, que se inicia com a revolução de 30, trouxe consigo um conjunto de pensadores com interpretações relevantes sobre o Brasil: Sérgio Buarque de Holanda, Gilberto Freyre, Caio Prado Jr. Na literatura, a centralização federativa provocou uma reação expressa no romance social, revelando autores como Jorge Amado, Raquel de Queiroz e, principalmente, Graciliano Ramos. A música popular revelou Ary Barroso, Dorival Caymmi e tantos outros mestres.
Um segundo ciclo, inicia-se nos anos JK e se estende até 1968. É um momento de modernização capitalista e desenvolvimento industrial, que foi acompanhado, no plano cultural, pelo surgimento do cinema novo, do teatro de Arena e do teatro Oficina, do CPC da UNE, da arquitetura de Oscar Niemeyer, da bossa-nova e dos compositores da MPB (como Chico, Milton, Edu Lobo etc.) e do tropicalismo.
E hoje? Depois de 12 anos da era Lula, as políticas de inclusão social e de incentivo à educação e à cultura, o que se pode dizer? O tom geral da revista é de desânimo: estamos vivendo um vazio cultural. A superestrutura caminha vagarosamente e parece não querer acompanhar o desenvolvimento social...
Essa mesma percepção acompanha muitos estudantes que se voltam para o passado com olhos nostálgicos, deixando transparecer que eles prefeririam ter nascido noutros tempos, quando as coisas importantes aconteciam...
De fato, toda a movimentação cultural da década de 1960 gravitou em torno do público estudantil e da classe média escolarizada. Esse segmento conheceu um vertiginoso crescimento. Marcelo Ridenti (2013) chamou a atenção para esse fato:
Dados do MEC apontam que há hoje cerca de 7 milhões de universitários. O acesso ao ensino superior praticamente dobrou em uma década. Em 2000, eram admitidos anualmente 900 mil calouros. Em 2011, quase 1,7 milhão. Dois terços no ensino privado. A título de comparação, tome-se a década das manifestações estudantis. Em 1960, havia 35.909 vagas no ensino superior, número que saltou para 57.342 em 1964, ano do golpe de Estado, chegando a 89.582 no tempo das revoltas de 1968, a maioria no ensino público. Em termos absolutos, a evolução foi enorme. Não obstante, apenas 15% dos brasileiros com idade de estar na faculdade cursam o ensino superior.
Dados eloquentes que, contudo, não tiveram reflexos significativos no campo cultural. Mas as manifestações culturais surpreendentemente apareceram na outra ponta: entre os 85% dos jovens conhecidos como "nem nem" - aqueles que não estão nem na universidade e nem no mercado de trabalho formal.
Esses novos protagonistas habitam um território de localização geográfica imprecisa, que passou a ser designado pela polissêmica palavra periferia. Essa é a novidade que nega o propalado "vazio cultural", diagnóstico que revela uma concepção restrita do que se entende por cultura.1

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