Adam Litter trabalhou cerca de 10 horas e meia por turno, andou 17 quilómetros diários e
recolheu no seu carrinho uma ordem de compra a cada 33 segundos.
Marcelo Justo
Marcelo Justo
O depósito de Swansea, País de Gales, tem quatro pisos e uma superfície de 74 mil metros quadrados de intermináveis galerias. O jornalista infiltrado, Adam Litter, que trabalhava como recolhedor noturno cerca de 10 horas e meia por turno, devia andar uns 17 quilómetros diários e recolher no seu carrinho uma ordem de compra a cada 33 segundos.
No programa, o jornalista de 23 anos carrega na mão um scanner que indica a localização dos objetos a recolher e que tem um sistema de contagem regressiva de segundos para medir quanto tempo falta para fazê-lo. O sistema tem um som similar ao que se escuta nos aparelhos que medem a frequência cardíaca dos pacientes num hospital com um apito que alerta se foi cometido um erro semelhante ao que soa quando o coração e as funções vitais estão em perigo.
“Somos como máquinas, como robôs, uma vez que nos ligamos ao scanner é como se estivéssemos a ligar a nossa vida”, disse Litter à câmara.
O programa traz a opinião de um especialista em legislação e de um em psicologia do trabalho sobre as condições laborais dos recolhedor na Amazon. O advogado Giles Bedloe não tem dúvida. “É ilegal. Se é o caso de um trabalho físico pesado ou com forte stress mental, o trabalhador de turnos noturnos não pode trabalhar mais de oito horas por dia”, disse à BBC.
O professor Michael Marmot, um dos maiores nomes da Psicologia do Trabalho britânica, foi igualmente contundente sobre o impacto que esse tipo de trabalho tem na saúde. “Há um altíssimo risco de enfermidade física ou psicológica. É certo que este tipo de trabalho não qualificado sempre vai existir, mas podemos torná-lo pior ou melhor. Neste caso, trata-se das piores condições imagináveis”, assinalou à BBC.
Os pés de Litter são uma prova do imenso desgaste físico que implica percorrer 17 quilómetros diários empurrando um carrinho cada vez mais pesado de objetos. Nas imagens podemos ver os pés feridos do jornalista-recolhedor que confessa que “é a parte do corpo da qual me queria ver livre neste momento”.
Ao desgaste físico soma-se a pressão para cumprir com os “objetivos de produtividade”. Estes “objetivos”, que servem para qualificar o desempenho e a continuidade do empregado, são medidos pelo tempo que demora em recolher cada ordem. Se não cumpre a média de 33 segundos por ordem, a Amazon coloca o trabalhador num regime de observação.
Na primeira etapa deste regime, o empregado reúne-se com um “assessor laboral” para ver como melhorar o seu desempenho. Se depois da assessoria ainda não conseguir cumprir com os “objetivos” é advertido. No caso dos trabalhadores temporários, é como entrar numa rota de plano inclinado: dificilmente sobrevivem ao período natalino.
A defesa da Amazon parece mais uma condenação dos outros estabelecimentos – “condições similares” – do que uma justificação de sua própria prática laboral. Esta prática não se limita aos depósitos da companhia no Reino Unido. Na Alemanha, o gigante norte americano enfrentou uma nova greve dos seus trabalhadores na segunda feira. Eles reclamam melhores salários e condições de trabalho. Os sindicatos vêm protestando desde o verão para exigir que a empresa aplique aos seus empregados as condições válidas para os trabalhadores do comércio a retalho. Um porta voz do sindicato Verdi assinalou que estão dispostos a boicotar as vendas de natal para que a empresa atenda as suas reivindicações.
No Reino Unido a pressão do Tax Uncut, um grupo que luta contra os cortes fiscais, expôs que essas grandes multinacionais da internet são uma rede sistemática de evasão e sonegação fiscal. Em 2001, a Amazon teve vendas equivalentes a 5 bilhões de dólares no Reino Unido e não pagou um centavo de impostos corporativos.
O tema diz respeito às 28 nações que formam a União Europeia. Esta semana, a Comissão Europeia apresentou um projeto de reforma da legislação tributária para fechar a falha legal aproveitada por estas multinacionais que permite que se registem em países como a República da Irlanda, com baixos níveis tributários e muitas isenções, para pagar o mínimo e não deixar um centavo nos lugares onde fazem os seus negócios. Este mínimo é efetivamente infinitesimal. Segundo um comunicado recente da OCDE, não passa de 1%.
Tradução: Marco Aurélio Weissheimer
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