Há pouco tempo, quando passei por Natal, mal pude reconhecer a Baixa Ribeira, que eu havia visitado
nos anos 1970. Nas duas últimas décadas, construíram-se torres em volta desse bairro antigo, um
dos mais belos de Natal. Isso aconteceu em outras cidades litorâneas: Maceió, Recife, Salvador, Rio,
Fortaleza, Vitória... Santos é mais um exemplo de total desfiguração arquitetônica, mas há torres
e fortalezas por toda a parte, até em pacatas cidades do interior.
Milton Hatoum
nos anos 1970. Nas duas últimas décadas, construíram-se torres em volta desse bairro antigo, um
dos mais belos de Natal. Isso aconteceu em outras cidades litorâneas: Maceió, Recife, Salvador, Rio,
Fortaleza, Vitória... Santos é mais um exemplo de total desfiguração arquitetônica, mas há torres
e fortalezas por toda a parte, até em pacatas cidades do interior.
Milton Hatoum
Mas há também pequenas barbáries, de grande alcance simbólico. Cinemas que faziam parte da história cultural das cidades brasileiras foram demolidos. Vários tornaram-se sedes de bancos, e outros, horrorosos templos religiosos, que nem mesmo o diabo ousaria visitar.
O escritor e crítico de cinema Paulo Emílio Sales Gomes assinalou que o descaso em relação à nossa História mais antiga está ligado a um profundo e inconsciente horror ao passado: ódio à miséria social do nosso passado e à opressão colonial. Ele usou uma expressão certeira ao dizer que "as decadências prematuras são doenças do subdesenvolvimento". Hoje, a opressão é de outra ordem, mas essas doenças persistem: basta ver os projetos de habitação popular, onde os pobres são arrebanhados em abrigos vergonhosos. No Brasil, a moradia popular é o avesso de uma vida digna.
Na crônica Os Arranha-Céus no Rio Não Fazem Bela Figura", Manuel Bandeira escreveu: "O arranha-céu é uma fatalidade econômica, não é criação artística. Tudo o que se pode fazer é meter a ridículo os snobes que inscrevem o arranha-céu como cláusula de modernidade Quem manda construir arranha-céus está se ninando para as artes, modernistas ou não. Quer é dinheiro".
O grande poeta publicou essa crônica em 1928, quando a natureza do Rio ainda era soberana e estava longe de ser ameaçada pela proliferação de edifícios-torre ou pirocões pós-modernos, que nada têm de artístico. Dane-se a história das nossas cidades: na sanha devastadora do urbanismo bárbaro, só o céu é o limite.
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