Divulgado anteontem, o saldo de "apenas" R$ 5,4 bilhões nas contas do Tesouro em outubro dará novo
gás à pressão pelo corte dos gastos públicos, que Dilma Rousseff já vem comprimindo de forma
perigosa. Depois de denunciar o ataque especulativo de que foi vítima no início de novembro, o
governo decidiu, no meio do mês, fazer concessões aos atacantes. A principal delas consistiu em
abandonar o projeto de lei que reduzia a dívida de Estados e municípios.
André Singer
A decisão representa um tiro de canhão nas possibilidades de Fernando Haddad em São Paulo. Segundo a Folha, a proposta agora engavetada reduziria em 40% a monumental dívida da cidade (R$ 54 bilhões), abrindo, caso vingasse, espaço para investimentos urgentes. Convém lembrar que os acontecimentos de junho começaram na capital paulista, com o sentido geral de reivindicar mais aplicação social por parte do Estado, em particular no transporte público.
Tendo depois o Rio de Janeiro como epicentro, as manifestações se nacionalizaram, ampliando também o escopo de reivindicações, que alcançaram a saúde, a educação e a segurança, entre outros tópicos. Embora diversificadas e heterogêneas, as palavras de ordem sempre apontavam para a necessidade de mais e não menos verbas dos cofres públicos.
Ao ceder diante do chamado terrorismo fiscal, que desta vez une desde o mercado financeiro globalizado até as grandes construtoras, passando por quase todos os empresários industriais, Dilma deixa sem válvula de escape a panela de pressão urbana. Além de ter cortado as esperanças de megacentros como São Paulo, ela arrancou um compromisso da base aliada para abortar no Congresso as iniciativas que visavam melhorar os salários de agentes comunitários de saúde, bombeiros e policiais, assim como qualquer elevação do dispêndio.
Nesse contexto, conflitos como o dos professores municipais cariocas tendem a se multiplicar. Em lugar de dar um passo adiante, fazendo das aplicações na infraestrutura das cidades, aí incluídos os salários, uma fonte de crescimento econômico, o Executivo federal optou pelo caminho mercadista de apertar o cinto.
Note-se que dos cinco pactos nacionais propostos pela presidente no calor dos protestos o único que está sendo plenamente levado adiante é o da responsabilidade fiscal, tornando explosiva a contradição contida naquele pronunciamento. Afinal, como melhorar saúde, educação e transporte (os outros itens) se o dinheiro é cortado? Quanto à reforma política, o Congresso encarregou-se de neutralizá-la.
Se nada mudar, a chapa vai ferver no ano da Copa, e não apenas pela intensidade das disputas dentro dos estádios, mas, sobretudo, pelo calor dos conflitos ao redor deles.
André Singer é cientista político e professor da USP, onde se formou em ciências sociais e jornalismo. Foi porta-voz e secretário de Imprensa da Presidência no governo Lula.
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