quarta-feira, 15 de janeiro de 2014

Alimentos geneticamente modificados: atendem as necessidades humanas ou a ganância das corporações?

O desenvolvimento de organismos geneticamente modificados (GMO, sigla inglesa)
 inaugurou novas possibilidades de alimentação da humanidade.

Ghiselle Karim
Pela primeira vez, os seres humanos podem tecnicamente criar espécies ou organismos através da transferência de DNA entre organismos totalmente distintos, potencialmente adaptando-os a climas mais agrestes, por exemplo, ou  por meio de culturas já  existentes com o propósito de obter maiores  volumes de produtos. No entanto, os GMOs são abusivamente produzidos em larga escala pelas grandes  corporações, tais  como a Monsanto, a  fim  de  maximizarem os   lucros de seus acionistas em prejuizo das  pessoas  comuns  de todo  o  mundo, e têm reduzido a segurança e a provisão de alimentos para bilhões de seres humanos. Qual é a perspectiva de classe em face dos problemas gerados pelos GMOs relacionados com a segurança alimentar? 
Consoante a gigantesca Monsanto, muntinacional ligada à agricultura, os alimentos geneticamente criados destinam-se a solucionar problemas relacionados coim a insegurança alimentar, matando a fome da crescente população mundial. Mas, se examinarmos os  produtos gerados por empresas como a Monsanto, verificaremos  que esta alegação é evidentemente falsa. Companhias  semelhantes à Monsanto, não chegaram, nem mesmo perto de resolver a questão da fome e da falta de alimentos. A Organização das Nações Unidas para a Agricultura e  Alimentação   (FAO)  calcula que  870 milhões de pessoas  em todo mundo (ou, noutras palavras, uma  pessoa entre cada oito) sofria  de  desnutrição  crônica entre 2010 e  2012. De fato, a fome mata mais  indivíduos  todos  anos  do  que  a AIDS, a malária e a tuberculose em  conjunto.
A despeito das afirmações dos indústriais ligadas à biotecnologia, nenhuma de suas características evidenciadas até o momento proporciona maiores colheitas, tolerância  a secas ou  outro  qualquer  benefício. Além disso, a tecnologia dos GMOs não busca solucionar as maiores causas da fome das populações, todas elas  consequência  do  sistema capitalista: pobreza, falta de acesso aos alimentos e a  terras cultiváveis  onde  os lavradores moram.
É uma triste ironia que a tecnologia das GMOs esteja efetivamente  aumentando a  insegurança alimentar. Esta afirmação fundamenta-se no fato de que, sob o capitalismo, as agrocorporações têm margens de lucro como prioridade número um.  Exemplos disto é que mais de 80% dos GMOs em todo o  mundo são criadas para tolerância a herbicidas, daí resultando o emprego de herbicidas  tóxicos tais  como o Roundup da Monsanto que aumentou 15  vezes. As sementes GMOs são também responsáveis pelo surgimento das “superervas daninhas” e as “superpragas” que serão destruídas apenas através  de veneno ainda mais tóxico, a exemplo do  2,4-D. Não surpreende que as corporações incentivadoras do emprego dos GMOs sejam as  mesmas que  fabricam produtos químicos indispensáveis às lavouras oriundas  dos GMOs.  A Monsanto também inseriu  genes em suas sementes que resistem aos seus próprios e apregoados herbicidas, encorajando os lavradores a comprarem produtos químicos de sua  fabricação para borrifar as  plantações, sabendo que permanecerão ativos  enquanto  outros  organismos competem pela eliminação dos minerais  do  solo. Safras geneticamente criadas também geram super-pragas, pois estes organismos podem adaptar-se a genes estranhos e, eventualmente, adquirir resistência a  estes.
A fim de aumentar ainda mais seus lucros em detrimento da gente comum, a Monsanto cria sementes por meio da tecnologia esterilizante “terminator”  ou  sementes suicidas. São plantas geneticamente modificadas para matar suas próprias sementes. Isto significa que as sementes colhidas de cultivos das “terminator”  não germinarão se  plantadas na estação  seguinte, prática agrícola básica desde  seus primórdios. A finalidade desta tecnologia é claramente explorar a indústria de sementes, evitando  que os agricultores recusem as provenientes  de sua própria produção, assim forçando-os a comprarem sementes geneticamente modificadas Monsanto disponíveis no mercado. Recentemente, na Colômbia, lavradores viram-se forçados a usar sementes geneticamente modificadas, do contrário seriam presos. Noutras palavras, pelos métodos da engenharia genética tipo terminator, ou seja, se os agricultores  guardassem suas próprias sementes esterilizadas teriam forçosamente de  retornar ao mercado de sementes todos os anos, o  que lhes criaria propositadamente um ciclo de dependência.
Porque os GMOs são uma inovação recente, as corporações ligadas à biotecnologia têm obtido patentes restritivas ao uso por outras empresas ou as proíbem de efetuar pesquisas paralelas até mesmo relacionadas a seus efeitos secundários.  Daí, os criadores das GMOs disporem agora de autoridade para processar judicialmente agricultores cujas lavouras não sejam fundadas por meio de GMOs ou foram contaminadas por cruzamento, mesmo que tal coisa ocorra casualmente. As GMOs por este motivo criam séria ameaça para a soberania dos  agricultores e também para a  segurança alimentar dos países onde elas se disseminam.  O monopólio tem ameaçado afetar a soberania de agricultores, especialmente nos  países em desenvolvimento,  e a segurança  alimentar onde elas proliferam. Conforme a ativista ambiental Vandana  Shiva (*), a cruel  realidade imposta pela inovação  procedente das   GMOs conduz  à  fome global e à miséria, pois  as sementes são controladas  e patenteadas pela  Monsanto.
Com efeito, nenhuma destas sementes e nenhum destes produtos químicos  chegam de graça para os  lavradores. As ações das corporações, a exemplo da Monsanto, empurram cada vez mais os agricultores para a miséria e alguns  são até mesmo  forçados a  abandonar suas atividades agrícolas.
Talvez ainda pior seja o fato de a maior parte dos agricultores sentir-se obrigada a adotar essa tecnologia, por testes mantidos sigilosamente pela Monsanto, onde  algodão proveniente de sementes geneticamente criadas foi cultivado sem conhecimento dos agricultores e nenhuma medida de biosegurança fosse tomada durante os experimentos. A Monsanto escolheu especificamente a Índia para realização de seus testes, pois não haveria necessidade de subornar  autoridades governamentais nem também de manipular  pequenos lavradores de subsistência necessitados de sementes baratas.
Mas essas práticas não se limitam exclusivamente ao antigo mundo colonial.   Até mesmo no Canadá os  agricultores têm de enfrentar pressões  injustas e táticas  mercantis de companhias assemelhadas à Monsanto, à Dow, à AgroEvo e à Zeneca. Por exemplo, a fim de promoverem o emprego do hormônio de crescimento bovino (rBGH), essas empresas mantém sigilo sobre resultados negativos dos experimentos com o hormônio, recusando-se a revelar suas  concessões e doações a clínicas universitárias dos Estados  Unidos, e chegaram a ameaçar cientistas canadenses que, por iniciativa própria, têm evitado a aprovação do  rBGH naquele país.
Paralelamente à segurança alimentar, também  comprovaram-se  riscos reais para a saúde associados à indústria das GMOs,  principalmente relacionados ao  intenso apoio em químicos de que dependem  as culturas  modificadas, mais uma vez recorrendo-se ao  uso de produtos da Monsanto. Como exemplo, o  Roundup tem-se relacionado a altos índices de  hormônio em seres humanos. Posto que alguns  riscos para a  saúde possam  ser exagerados por causa do  uso das GMOs,  é igualmente difícil confiar nas afirmações das próprias  agro-firmas, levando-se em consideração o incentivo que elas adotam na promoção da tecnologia das GMOs junto a desinformados agricultores e  consumidores.
Multinacionais como a Monsanto recorrem a sua influência e poder para conseguir que governantes as acompanhem em sua  busca  de  lucros.  Nos Estados Unidos, o presidente Obama logo  no  início  do  ano ratificou  um  projeto de lei que essencialmente autoriza as agro-corporações a persistirem na comercialização das  GMOs  mesmo  que sua segurança mais  tarde seja questionada pela  US Food Administration (USFDA). Isto demonstra que sob o  capitalismo, suas pretensões não encontram  obstáculos, mesmo que nossa saúde  e nossa segurança estejam em  risco.
Não surpreende que tenha surgido uma onda de protestos contra as GMOs mundo afora, na medida em que as pessoas tentam proteger a saúde e sua fonte de subsistência. Na Índia, algodoais provenientes do plantio de sementes geneticamente modificadas foram queimados; em Liverpool, impediu-se o descarregamento de soja transgênica; e em várias partes do mundo, muita gente tem pisoteado plantações formadas para testes de GMOs. Trata-se, portanto, de um movimento radical e firme contra tentativas de manipulação do mercado global de alimentos.
Na qualidade de socialistas, não nos opomos à inovação das GMOs pois essa tecnologia tem  incrível potencial para  beneficiar a humanidade de muitas  formas, se empregadas corretamente. A insulina humana, por exemplo, foi criada por meio de culturas durante décadas, melhorando e até salvando a vida de muita gente que padece do diabetes. No entanto, hoje é evidente que sob o capitalismo, o povo  trabalhador em  geral não  pode controlar o emprego desta  tecnologia.  Por exemplo, um sistema socialista não ignoraria os efeitos secundários e evidentes de herbicidas tais  como o Roundup para a  saúde  humana. A dúvida que muitas pessoas alimentam quanto à tecnologia das GMOs é natural em face do extremo sigilo adotado pelas agro-corporações; numa  sociedade socialista, todas as informações resultantes de testes com as GMOs seriam levados ao amplo conhecimento público. Com todas as informações disponíveis, seriamos capazes de avaliar as vantagens e as desvantagens dos alimentos provenientes das GMOs tomando-se, então, fundamentada decisão sobre o prosseguimento ou não desses processos tecnológicos.
Desta forma, nossa exigência é que se estabeleça um controle público rigoroso e  adote-se a nacionalização das grandes agro-corporações, pondo-se toda produção e toda pesquisa relacionadas com as GMOs nas mãos da classe trabalhadora. Exigimos, também, que se suspenda o patenteamento  de sementes, pois isto é prejudicial aos agricultores.  Impõe-se, ademais, a comprovação científica de que as GMOs não geram efeitos secundários para a saúde humana, conforme proclama a gigantesca Monsanto. Deve tornar-se obrigatória a rotulagem clara de todos os produtos que  contenham organismos geneticamente modificados, de maneira  que as pessoas saibam o  que estão  ingerindo. Importa, ademais, que se proclame o direito humano básico de preservar os suprimentos alimentares humanos.
Sob o socialismo, todas as grandes empresas ligadas à produção de alimentos devem estar nas mãos da classe trabalhadora e toda ela será obrigatoriamente planificada para atender as necessidades humanas e não a ganância das corporações. Não há fome devido à escassez de alimentos, mas porque a distribuição destes não é equitativa. O âmago do problema não reside na falta de alimentos, mas no capitalismo.
Trad. Odon Porto de Almeida.
N. do tradutor - Ghiselle Karim é física, ecofeminista e ambientalista hindu, 61 anos. Autora de livros relacionados com o ambientalismo, alguns deles publicados no Brasil.

Tradução do artigo Genetically-modified food: For human need or corporate greed, de Ghiselle Karim,  divulgado pela website In Defence of Marxism  www.marxist.com,  em 01/11/2013..

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