O norte-americano Mario Rubio, provável candidato republicano para a eleição presidencial de 2016, não se cansa de repetir o edificante conto de fadas sobre sua infância em Miami. O senador da Flórida adapta um pouco de acordo com o público, mas, basicamente, trata-se da história de uma família de imigrantes cubanos que, através de trabalho e privações, conseguiu enviar seus filhos para a universidade. Estes entraram assim para a mítica classe média dos Estados Unidos, nos anos 1970.
Agricultores do sul da ilha grega de Creta entram em conflito com a polícia durante uma manifestação em frente ao Parlamento, em Atenas, Grécia
Hoje isso não seria mais possível, observa o senador. Seus pais, com seus salários --ele de barman, ela de gerente de um hotel--, acabaram pertencendo à chamada classe média e pagando os estudos de seus filhos. Se exercessem as mesmas profissões em 2014, eles não teriam mais condições para isso, não ganhariam o suficiente. O "sonho americano" se tornou "inalcançável", disse Rubio durante as cerimônias do 50º aniversário da "guerra contra a pobreza" lançada pelo presidente Lyndon Johnson em janeiro de 1964.
"Desafio de nossos tempos"
Há uma razão para essa triste constatação: os Estados Unidos se tornaram uma sociedade corroída pela desigualdade de renda. A da imensa classe média não aumenta há mais de 30 anos, e somente cerca de 10% da população recebe a maior parte dos frutos do crescimento. O senador Rubio só estava retomando um tema que o democrata Barack Obama já havia apresentado em dezembro: "O desafio de nossos tempos é a desigualdade", declarou o presidente.
No paraíso do capitalismo, quando democratas e republicanos concordam em formular, em termos praticamente idênticos, um mesmo diagnóstico, é porque se trata de uma grave patologia. Os apologistas do célebre modelo social europeu já podem ser ouvidos bradando em coro: "No nosso país, não!" Mentira, uma vez que a maior parte das economias ocidentais vem passando por um crescimento vertiginoso da desigualdade de renda.
O quadro pintado pelos economistas é monocromático. Todos apresentam os mesmos números para descrever a mesma realidade. As diferenças começaram a se aprofundar nos Estados Unidos nos anos 1970, e o fenômeno ganhou a Europa Ocidental nos anos 1980. "Às vésperas da crise de 2008, a desigualdade atingia ápices nos Estados Unidos e na maior parte dos países desenvolvidos", escreve Laura Tyson, economista, democrata e ex-conselheira do presidente Bill Clinton.
A participação dos salários no PIB não parou de diminuir em 30 anos, período durante o qual a classe média só conseguiu manter seu nível de vida se endividando. No topo não há crise, e sim concentração de fortuna. Em 2012, os 10% mais ricos dos americanos teriam dividido entre si quase metade da renda nacional, e os do famoso 1% da pirâmide, cerca de 22%. São números sem precedentes, salvo o ano de 1928, e que alteram profundamente o perfil social dos Estados Unidos.
Correlações não são necessariamente causalidades, mas o crescimento da desigualdade de renda acompanhou uma outra mudança: a desaceleração da mobilidade social. Um dos motores do modelo foi afetado. Até os republicanos, que defendem em alto e bom som o credo americano, concordam: "Uma das promessas fundamentais dos Estados Unidos depende dessa possibilidade de voltar às fileiras da classe média. Mas hoje essa oportunidade está sendo questionada", constata Mario Rubio.
Explosão da desigualdade
Laura Tyson pondera: "O fato de o aprofundamento contínuo das discrepâncias de renda ser um ponto em comum entre as economias desenvolvidas sugere a existência de causas em comum." Os economistas afirmam que seria uma mistura de desenvolvimento tecnológico, automação industrial, falência dos sistemas de ensino e, acima de tudo, globalização da economia, uma vez que o conjunto favoreceu um gigantesco movimento de deslocamento [de centros de produção].
Isso porque à medida que a desigualdade avançava nos países ocidentais, ela regredia em nível mundial, uma vez que o índice de pobreza diminuía nos países emergentes, onde ascendiam as novas classes médias. O que os Estados Unidos, a Europa e o Japão deveriam aprender? Os franceses ainda acreditam em sua singularidade: eles não gostam dessa questão. Eles salientam que a situação não é a mesma em todos os países desenvolvidos.
O coeficiente Gini, índice das desigualdades de renda, é mais elevado nos Estados Unidos e no Reino Unido do que na França, por exemplo. O milagre do Estado-providência à maneira francesa garantiria uma melhor proteção contra a desigualdade? Em parte, mas somente em parte. Enquanto a Europa do Norte se "adaptou" à globalização, com um número crescente de trabalhadores pobres, a França vem alinhando seus batalhões de desempregados. Salários baixos ou desemprego. Os franceses escolheram, sem levantar a questão: existe um mal menor para uma sociedade? A pergunta não é fácil de responder.
Assim como não são fáceis as questões que surgem com a explosão da desigualdade nas economias ocidentais. Essas economias não podem questionar a globalização: para elas, os mercados emergentes se tornaram prioritários. Mas as diferenças de renda, a polarização social entre o "1%" e o resto certamente têm um impacto profundo, tanto sobre o crescimento quanto sobre o equilíbrio político-social e a democracia (emergência de forças políticas de oposição). Como acontece com frequência, o debate americano está sendo precursor.
Nenhum comentário:
Postar um comentário