Alô jornalista! As variações observadas na distribuição
funcional da renda são compatíveis com a redução
na desigualdade da distribuição pessoal da renda!
No melhor dos casos o jornalista Clóvis Rossi está equivocado. Na Folha de São Paulo, de 8 de junho, em seu texto Dilma se engana sobre desigualdade, ele argumenta que a presidente Dilma engana-se e por extensão engana o público ao afirmar que a desigualdade está diminuindo no Brasil na contracorrente do que ocorre no resto do mundo.
No pior dos casos ele, além de equivocado, julga o comentário da presidente sem ter informações e conhecimento suficientes a respeito. Apressou-se ainda em afirmar que parcela majoritária da intelectualidade apoia essa “falácia” por omissão ou covardia.
Nem omissão, nem covardia. Apenas realidade, fato e números. A desigualdade de rendas no país está diminuindo desde 2001. De um lado a realidade da classe C nas escadas rolantes dos shoppings, nos saguões dos aeroportos, nas revendedoras de veículos, nas imobiliárias, nos cartões de crédito. De outro lado os levantamentos do IBGE além de outras fontes organizadas.
Nos levantamentos do IBGE, em geral, as rendas se referem preponderantemente aos rendimentos do trabalho, ou seja, os salários e rendimentos afins recebidos pelos trabalhadores, os quais desde o início da década passada estão se aproximando uns dos outros, na média, entre todos os indivíduos ou grupos.
Com relação à desigualdade entre capital e trabalho, que não é a mais importante, mas igualmente relevante para se saber no conjunto as distâncias de rendas entre os brasileiros ricos e pobres, ainda não se dispõe de estatísticas ou informações oficiais atualizadas. Mas se tem sim informações diretas disponíveis, pelo menos da massa salarial em relação ao PIB.
O técnico do IPEA Estêvão Xavier Bastos no trabalho “Distribuição Funcional da Renda no Brasil: Estimativas Anuais e Construção de uma Série Trimestral”, Texto para Discussão 1702, de janeiro de 2012, faz um levantamento exaustivo das informações sobre as remunerações do trabalho de 1995 a 2009. Certamente haverá outros trabalhos sobre o assunto, os quais não houve tempo para enumerá-los aqui.
Utiliza das informações da PNAD (Pesquisa Nacional por Amostras de Domicílios) e da PME (Pesquisa Mensal de Emprego), ambas as fontes do IBGE, para obter uma série da distribuição funcional da renda no Brasil assim como utiliza de mais de um método de avaliação das informações.
Já no resumo da apresentação de seu trabalho Bastos indica com todas as letras o que lhe mostraram os resultados: “observa-se que variações na distribuição funcional da renda tanto na direção favorável à renda do trabalho quanto na direção favorável àa renda do capital são compatíveis com redução na desigualdade da distribuição pessoal da renda”. Os números estão lá para quem quiser se informar melhor.
Esse fenômeno das variações na distribuição funcional da renda não é recente sendo observado desde 1970. Há períodos em que o trabalho ganha terreno e há períodos em que perde a favor do capital. Mas a tendência recente é de que há melhoria persistente para o lado do trabalho compatível com a diminuição da desigualdade pessoal da renda no Brasil.
Alô jornalista! As variações observadas na distribuição funcional da renda são compatíveis com a redução na desigualdade da distribuição pessoal da renda! Assim, a parcela majoritária da intelectualidade não é falaciosa nem omissa. Os dados estão aí para confirmar o que a presidente Dilma declarou. Ambas as distribuições recentes de renda, pessoal e funcional, e esta com variações, estão mais favoráveis aos indivíduos e ao trabalho.
A não ser que, mesmo assim, o jornalista continue duvidando a valer sua própria afirmação logo no início de seu texto que ainda tem lá suas dúvidas se houve mesmo redução na desigualdade pessoal da renda no país. Neste caso, se ele insiste assim, deve, no mínimo, provar o contrário.
Pelo simples fato de que, segundo suas fontes, as pesquisas do instituto, onde se inclui a PNAD, só captam 10% das famílias com juros, segue daí que, para ele, a PNAD é “a única fonte de informação sobre a suposta queda da desigualdade. Logo, afirmar que ela vem caindo é uma falácia, no melhor dos casos, ou uma baita mentira, no pior”. Acredito que ele foi longe demais ao duvidar dos levantamentos do IBGE.
Uma coisa é uma coisa e outra coisa é outra coisa. É correto classificar como distribuição de renda as tabulações sobre as rendas do trabalho, que é o caso da PNAD, como também é correto classificar como distribuição de renda as tabulações sobre as rendas do capital.
Em economia, assim como nas ciências sociais em geral, quando se menciona distribuição de renda a referência que se tem é a distribuição dos rendimentos do trabalho, enquanto quando se menciona distribuição funcional da renda a referência é a distribuição dos rendimentos do capital e do trabalho.
Assim, a presidente não se enganou, nem enganou o público, como também o IBGE não publica informações falaciosas, tampouco é uma fonte de mentiras.
Sobre a subestimação das rendas dos mais ricos (entre os 10% ou 1%), é fato que isso ocorre, principalmente com relação a rendas de outras fontes relacionadas indiretamente ou não com o trabalho. Mas isso não é problema somente brasileiro.
Um aperfeiçoamento dessa base de informações aqui no país, caso permita a legislação, seria a inclusão dos dados da declaração anual de rendimentos, o que, no entanto, não garante a plena fidedignidade dos dados. Há manobras contabilistas para esconder informações bem como a conhecida resistência dos informantes.
Por outro lado, a inclusão ou a exclusão de impostos pagos pelos ricos e pobres pode apenas apurar o tamanho da desigualdade, mas não vai alterar o quadro geral da distribuição pessoal da renda. Pode afetar alguma coisa da distribuição funcional da renda. Assim, Paul Krugman, em artigo publicado pela Folha em 2 de junho último, Sobre a negação da desigualdade, tendo como referência os EUA, afirma que “impostos e benefícios não alteram fortemente o quadro da desigualdade” americana.
Os chamados cientistas em geral se valem basicamente de pesquisas diretas apoiadas por técnicas e métodos científicos apropriados e validados e de fontes oficiais de informações (pesquisas indiretas), registradas e organizadas, para realização de seus estudos e pesquisas. Se a veracidade e a fidedignidade de suas informações não são reconhecidas, estamos nas mãos de opiniões e dane-se o aparato científico.
(*) Economista
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