Você conhece a rede social ELEQT? Se desconhecer, não se preocupe. A ELEQT não é uma rede social popular. Pelo contrário. Seu público é claro e muito bem definido: só participam milionários. A ideia é que as pessoas mais ricas do planeta, que têm hábitos de consumo e estilo de vida diferenciados da maior parte da população, tenha a oportunidade de se relacionar e gerar negócios. A ELEQT mostra, de forma clara, a diferenciação econômica e simbólica entre as classes mais altas e as mais baixas. Diferenciação essa que, muitas vezes, resulta em preconceito socioeconômico, no qual os hábitos e estilo de vida dos mais ricos são considerados superiores aos exercidos pela outra parte da população.
Fernanda Domiciano e Kátia Kish
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Fernanda Domiciano e Kátia Kish
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Conhecida como a “rede social de luxo”, a ELEQT nasceu em 2012, fruto da união entre a rede social internacional Elysiants e a Qube da Quintessentially, maior grupo privado de serviço de luxo e lifestyle do planeta. No artigo “Preconceito social na internet: a reprodução de preconceitos e desigualdades sociais a partir da análise de sites de redes sociais”, Ruleandson do Carmo Cruz, doutorando em ciências da informação pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), apresenta resultados que sugerem uma territorialização do ciberespaço, como ocorre na divisão geográfica do mundo físico real.
O artigo, publicado em 2009, definia o Orkut (rede social mais popular na época), como a dos menos favorecidos, ou dos moradores da Zona Norte, e o Twitter e a então Elysiant, a dos mais ricos, da Zona Sul. “A ideia de que a internet é livre e que todos convivem em harmonia, muito propagada no início da popularização da rede mundial de computadores, é falsa. Os conflitos do mundo físico se repetem no mundo virtual e há intolerância e discriminação com o gosto e com a classe social, orientação sexual do outro, entre outras formas”, afirma Cruz.
Cruz argumenta que quando a revista Época publicou uma matéria de capa intitulada “Você já usou o Twitter?”, os usuários da rede social começaram a discutir e temer a popularização do site e a migração dos usuários do Orkut para o Twitter. Nessa época, foi criado o termo “orkutização”, para designar o processo de popularização pelo qual estava passando o Twitter, que deixava de ser um site restrito. “Esse temor foi expresso por meio de um discurso, presente no próprio site e em alguns blogs, que dizia que os usuários do Orkut somente se interessavam por informações irrelevantes, escreviam as palavras de forma errada e, por isso, a participação deles no Twitter empobreceria e banalizaria o serviço”, afirma.
Como exemplo de reclamação, o pesquisador cita alguns tweets, como o de um usuário que postou “De fato, é a orkutização do twitter, a proliferação das favelas digitais”. Outro usuário dizia ter “saudades dos tempos em que tudo era mais seleto” e outro reclamou sobre os gostos musicais do novo público: “Pior que a citação das músicas(sic) sertaneja no twitter, são citações de músicas (sic) se é que pode chamar de música funk; Maldita orkutização”. Atualmente, o Orkut perdeu popularidade para o Facebook, que em fevereiro de 2014 tinha 1,23 bilhão de usuários, sendo 61,2 milhões deles, brasileiros. O país, na época, segundo o próprio site, era o terceiro com maior número de usuários, perdendo apenas para os Estados Unidos e a Índia.
Em seu doutorado, Cruz continua sua pesquisa tentando descobrir se o preconceito socioeconômico que acontece no campo simbólico também ocorre na internet. “Eu penso que a disputa se dá em um campo simbólico e, de modo geral, um site pode, sim, deixar de ser usado por ser símbolo de pobreza e atraso, como o Orkut, e outro pode passar a ser usado por ser símbolo de poder e de status, como o Facebook e o aplicativo Instagram”, afirma.
O professor da Universidade Estadual Paulista (Unesp) e coordenador do Observatório de Educação e Direitos Humanos, Clodoaldo Cardoso Meneguello, é bem enfático ao afirmar que a “desigualdade é o chão de todas as intolerâncias”. Para ele, se todos tivessem acesso à saúde, à educação e a uma vida digna, o problema do preconceito não estaria resolvido, mas teria um grande avanço. Meneguello explica que há esforço, no campo dos direitos humanos, de trabalhar em conjunto os direitos individuais e sociais. “A liberdade é um polo, que vai ter uma luta de respeito ao outro, e a dignidade é outro polo, de todos terem acesso a bens que dão dignidade. Por exemplo, perante a lei eu sou livre para ir a qualquer lugar do mundo, mas eu ganho um salário mínimo. Ora, eu tenho liberdade de ir e vir, mas não tenho condições. Na prática, esses dois conceitos não se separaram”, afirma.
Os direitos humanos, segundo Meneguello, são um esforço para desenvolver uma convivência de respeito e dignidade humana. “Agora, o que é dignidade humana? Temos um esforço de descobrir consensos sobre a dignidade humana, para poder existir o diálogo”, afirma. Meneguello explica que o ser humano tem uma individualidade muito forte, mas para essa individualidade não cair no individualismo, há uma característica complementar e dialética que é a capacidade de conviver com o outro. “O social e o individual são duas grandes características do ser humano. Os direitos humanos têm que respeitar a dignidade humana do ponto de vista individual e social, porque ela só se constrói na relação com o outro”, afirma.
De acordo com o professor de sociologia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Michel Nicolau Netto, na Declaração Universal dos Direitos Humanos, da Organização das Nações Unidas (ONU), a palavra “igualdade” aparece 13 vezes, enquanto a palavra “diferença” não é citada nenhuma vez. Isso não significa, porém, que as pessoas vivam em pé de igualdade e que a diferença não exista. Pelo contrário. “Se não há uma legislação que institucionalize a diferença, então criamos formas de diferenciação simbólicas. Você não pode proibir que um pobre frequente o shopping center, mas pode criar biombos simbólicos, como colocar seguranças na porta e criar comportamentos para os frequentadores, por exemplo”, explica.
Barreiras simbólicas
Netto ilustra a força dessas barreiras com um exemplo de 1998, quando o então primeiro ministro da Inglaterra, Tony Blair, começou uma política de subsídios para as artes, redirecionando dinheiro das loterias, dobrando, assim, os investimentos em cultura e possibilitando que os museus nacionais passassem a ser gratuitos. Apesar de o público ter aumentado em 75%, não houve uma mudança no perfil dos frequentadores. “O que está em um museu faz parte de uma classe específica, que não é a da classe mais baixa, e isso vale para o teatro, o concerto e para alguns programas de TV e filmes. Esses elementos de não pertencimento se acumulam no sujeito, que se sente inferior e se convence de que aquilo não é para ele”, diz o professor da Unicamp.
Outro efeito que essas barreiras simbólicas podem causar é a ideia de desafiar o espaço, como aconteceu com os chamados “rolezinhos” e o “funk ostentação”. Os “rolezinhos” começaram em dezembro de 2013, quando jovens da periferia combinaram alguns encontros em shoppings pelas redes sociais. Com “medo” da grande quantidade de participantes – os encontros reuniram milhares de jovens – alguns comerciantes começaram a fechar as lojas e os shoppings colocaram seguranças para barrar a entrada dos jovens nos estabelecimentos. Alguns foram até mesmo detidos pela polícia militar, mesmo não havendo registro de roubos ou furtos nas lojas. Os organizadores definiam os encontros como um “grito por lazer”. “Esses fenômenos estão claramente marcados pela ideia de que as classes mais baixas também podem consumir. Isso traz uma indignação, porque a classe alta vê seus bens simbólicos desvalorizados, com a popularização”, diz Netto.
O professor da Unicamp explica que essa “exigência” das classes altas em possuir coisas “exclusivas” é muito presente em suas viagens. Ele exemplifica que antigamente a elite intelectual viajava para Paris, como uma forma de distinção, e as viagens para a Disney eram vistas como passeio de massa. “Acontece que hoje Paris é a cidade que mais recebe turistas no mundo e isso a desvaloriza perante a classe A”, afirma.
A jornalista e escritora Danuza Leão causou indignação na internet por conta de seu artigo “Ser especial”, publicado no jornal Folha de S. Paulo, em 25 de novembro de 2012. No artigo, Danuza dizia que “ir para Nova York já teve a sua graça, mas, agora, o porteiro do prédio também pode ir, então qual é a graça?”. A jornalista afirmava que “bom mesmo é possuir coisas exclusivas, a que só nós temos acesso; se todo mundo fosse rico, a vida seria um tédio”.
Tanto Netto quanto Meneguello têm certo receio em utilizar as palavras “tolerância” e “intolerância”. Para Netto, a palavra “tolerância” é muito conflituosa e difícil de ser alcançada, porque coloca em jogo preferências pessoais. Ele exemplifica com o polo de discussão entre os homossexuais e os evangélicos, tendo em vista que há argumentos para defender um ou outro lado. “A discussão chegará a um nível de preferência pessoal, porque há um conflito muito forte. A tolerância é ideal, mas é inalcançável. Por isso, acredito que muito mais do que buscar a tolerância, é preciso dar condições de acesso igualitário aos bens simbólicos e econômicos”, afirma o professor da Unicamp.
Para Meneguello, há duas formas de tolerância: a boa e a ruim. A boa é a aceitação da diversidade e a ruim é quando se aceita que essa diversidade é fruto da desigualdade. Segundo o professor da Unesp, o limite da tolerância é a ética. “Se não tiver esse limite, você vai pregar a tolerância para tudo, falando, por exemplo, que ‘aquela cultura agia assim com a mulher, então tem que aceitar, tem que tolerar’. Mas não é assim. Você não pode tolerar a opressão, o trabalho escravo, o trabalho infantil e o abuso sexual”, conclui.
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Texto postado por:
Ricardo Alvarez
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