ESCRITO POR ACHILLE LOLLO, DE ROMA PARA O CORREIO DA CIDADANIA |
SEGUNDA, 21 DE JULHO DE 2014 |
Desde o início da “Operação Margem de Proteção” (Protective Edge), o presidente dos EUA, Barack Obama, defendeu o ataque à Faixa de Gaza, declarando na TV: “... Israel tem o legitimo direito de se defender dos ataques dos terroristas, tentando, porém, não comprometer os civis...”. A seguir, todos os chefes dos governos europeus, bem como os aliados asiáticos, africanos e latino-americanos, justificaram o brutal ataque do exército sionista que, nos primeiros 12 dias da invasão, mataram 339 pessoas, entre elas muitas crianças, além de ferir gravemente 2.562 palestinos, na maioria civis, enquanto os desabrigados são cerca de 55.000.
O apoio incondicional em favor do governo sionista de Israel e a condenação irrevogável contra o Hamas e o povo palestino de Gaza se deram em função da campanha midiática que a imprensa sionista e os partidos da direita israelense promoveram contra o Hamas, a partir de 12 de junho, logo após o misterioso assassinato dos três jovens israelenses, realizado nos arredores de Hebron. De fato, ainda hoje há vagas suspeitas de que o assassinato dos três jovens israelense teria sido realizado por uma fantasmagórica célula jihadista, que nunca reivindicou a execução e que seria formada por membros da tribo Qawasameh, tradicionalmente inimigos do Hamas – e que, segundo alguns analistas, foi infiltrada por agentes duplos do Mossad, o serviço secreto israelense, notoriamente especializado em “Operações Especiais”.
Um contexto que logo foi reprisado pela mídia ocidental, permitindo, assim, ao primeiro-ministro, Benjamin Netanyahu responsabilizar publicamente a direção do Hamas pelo tríplice assassinato e conclamar, diante dos microfones das TV, uma vingativa invasão, sublinhando: “Daremos uma dura lição ao Hamas, quebrando todos os túneis que na Faixa de Gaza servem de base aos terroristas...”
Sucessivamente, os efeitos da manipulação midiática permitiram ao exército sionista de realizar na Cisjordânia uma gigantesca “operação preventiva” que, em menos de 48 horas, prendeu cerca de 1.300 militantes do Hamas, entre os quais Aziz Dweik, de 66 anos, porta-voz do Conselho Legislativo Palestino. Uma operação que foi ovacionada pela opinião pública sionista israelense, do momento que o exército voltou a prender os 570 ex-presos políticos palestinos residentes na Cisjordânia, que haviam sido libertados em 18 de outubro de 2011, quando o Hamas trocou o soldado israelense Gilad Shalit (capturado nos arredores de Gaza, em 2006) pela libertação de 1.027 presos políticos palestinos.
É preciso também dizer que, enquanto os 1.300 palestinos permanecem presos sem especificas acusações do Tribunal de Hebron e, por isso, sujeitos a vexaminosos interrogatórios por parte dos investigadores do Shin Bet (Segurança Interna), notoriamente especializado na tortura física e psicológica, o grupo de colonos sionistas, responsável pelo linchamento do jovem palestino Mohamed Abu Jadair (em 2 de julho sequestrado e depois queimado vivo na praça do bairro de Shoafat, em Jerusalém Oriental) continua em liberdade.
A invasão
É evidente que o tríplice assassinato em Hebron foi o necessário estopim para o governo sionista poder mobilizar a opinião pública israelense, inclusive a “não sionista” e, assim, legitimar o ataque contra a Faixa de Gaza “para dar uma lição ao Hamas”. De fato, o “ataque total” para destruir a estrutura militar de Hamas é um projeto que o Estado Maior do Tzahal planejou em 2006 para contrapor-se à decisão de Ariel Sharon que, na qualidade de primeiro-ministro em 2004 e em 2005, sentenciou a “a retirada unilateral de Israel da Faixa de Gaza, por razões de segurança”. Assim, em 2008, foi lançada a operação “Chumbo Fundido” e, depois, em 2012, foi realizado outro grande ataque denominado “Pilar da Defesa”. Porém, nenhuma das duas operações foi finalizada porque os efeitos das nefandas ações realizadas pelo exército e a aviação israelense levantaram a acusação de genocídio e de limpeza étnica por parte do Conselho de Direitos Humanos da ONU. É suficiente lembrar que, em 2008, a operação “Chumbo Fundido” provocou a morte de 1400 civis palestinos! Mesmo assim os representantes permanentes dos EUA, da Grã Bretanha e da França no Conselho de Segurança da ONU vetaram qualquer tipo de sentença condenatória contra Israel que, graça à cumplicidade dos países da OTAN, continua impune desde 1948, isto é, quando as brigadas dos grupos sionistas invadiram os territórios da Cisjordânia, expulsando a maior parte da população palestina.
Em janeiro de 2013, apesar da inútil interferência do Secretário de Estado dos EUA, John Kerry, o Estado Maior do Tzahal (Forças Armadas Israelenses), e as direções do Mossad (Inteligência e Operações Especiais), do Aman (Inteligência Militar) e do Shin Bet (Segurança Interna), com o pleno conhecimento do governo, começaram a finalizar o planejamento da “Operação Margem de Proteção” (Protective Edge). Tanto que, em 20 de maio de 2014, o comandante da Força Aérea de Israel, major-general Amir Eshel, ao intervir na Décima Conferência Anual para a Segurança Nacional declarava: “Eu acredito que, nos últimos dois anos, nossas capacidades operacionais cresceram bastante, perdendo apenas para os Estados Unidos, a partir de um ponto de vista tanto ofensivo como defensivo...”, salientando depois: “Hoje, a Força Aérea de Israel (IAF) tem uma capacidade ofensiva sem precedentes, o que nos permite de atacar com precisão milhares de alvos em um único dia, isto porque, nos últimos dois anos, dobramos nossa capacidade operacional por duas vezes. Assim, no final de 2014, teremos uma melhoria avaliada em 400% das nossas capacidades ofensivas em relação ao passado recente, como resultado de um longo processo de melhorias”.
Palavras extremamente claras que evidenciam, sem nenhuma dúvida, que a Força Aérea Israelense, com seus F15 e F16 armados com “bombas inteligentes GBU-28”, juntamente aos mísseis de longo alcance “Jerico”, pode alvejar todas as cidades do Oriente Médio, inclusive as da Síria e do Irã. Por isso, ficou claro que a invasão contra Gaza foi, apenas, uma demonstração estratégica do potencial militar de Israel. Uma demonstração que os estrategistas de Telavive querem que seja, antes de tudo, um sinal de alerta para os países do Oriente Médio que ainda duvidam dos elementos políticos decisórios, do poderio militar e da visão estratégica de Israel. De fato, às 21h23min do dia 17, o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu autorizava o prosseguimento das vertentes bélicas da “Operação Margem de Proteção” em todo o território da Faixa de Gaza, mobilizando ainda mais 18.000 reservistas que se juntaram aos 56.000 já entrincheirados ao longo da fronteira da Faixa de Gaza.
A “Guerra Total”
Planejada por ser executada com 74.000 soldados para “limpar”, durante dois meses, a periferia e os campos de refugiados de Gaza City e os bairros de Beit Lahia, Jabalia, Beit Haroun, Deir al-Balah, Khan Yunis, Abassan al-Kabera e Rafah, a invasão terrestre foi precedida por um primeiro bombardeio “a tapete”, que durou 5 horas, alvejando toda a rede de infraestruturas das referidas cidades, em particular as subestações de distribuição das companhias de eletricidade, gás, água e telefone, as pontes, bem como os grandes armazéns e frigoríficos e todos os prédios da administração pública.
Um bombardeio que começou primeiro no norte de Gaza, na região de Beit Lahiya, onde os caças-bombardeiros descarregaram bombas de fragmentação de 500 kg e bombas de penetração de 1.000 kg. A seguir outra onda de aviões investiu o bairro de Choujaiya, no Leste da Faixa, enquanto uma terceira onda descarregou seu carregamento de bombas e foguetes em Gaza City alvejando, inclusive um campo de refugiados da ONU e o hospital Al-Wafa. Por sua parte, as corvetas e os navios lança-foguetes destruíam todo tipo de construções localizadas no litoral de Gaza City. Enquanto isso, a artilharia (tanques, canhões de longo alcance, morteiros e rampas de foguetes) martelava os edifícios localizados ao longo da fronteira até alcançar a periferia de Gaza City.
Somente depois desse sistemático bombardeio é que os batalhões de fuzileiros e das tropas especiais começaram a avançar entre os escombros das casas.
As imprensas europeia e, sobretudo, estadunidense fazem de tudo para minimizar a brutalidade do bombardeio “a tapete”, dos dias 17, 18 e 19, enfatizando os comunicados do porta-voz do exército sionista, tenente-coronel Peter Lerner, segundo o qual “as unidades da Força Aérea israelense haviam realizado apenas bombardeios cirúrgicos contra os objetivos militares do Hamas”.
Mas o cinismo dos sionistas tocou o ápice quando o presidente israelense, Shimon Peres (que em 1994 recebeu o premio Nobel pela Paz para depois, em 2005, se juntar a Ariel Sharon no novo partido direitista Kadima), ao ser entrevistado pela BBC após o assassinato de quatro garotinhos palestinos, teve o descaramento de dizer: “estou profundamente sentido pela morte das jovens vítimas que se deu por um acidente. Pois nossos pilotos receberam a ordem de não atirar onde há crianças. Infelizmente, no local do ataque havia muito armamento e os palestinos não mantêm longe as crianças!”
Após essa entrevista ter corrido o mundo, contribuindo a reforçar o show midiático do Estado sionista e seus aliados, a TV árabe Al Arabya divulgava uma nota do porta-voz do centro de primeiros socorros de Gaza, Ashraf al-Qudra, que anunciava a morte, no bairro de Sabra, de mais três crianças, respectivamente de 7, 8 e 10 anos, que foram alvejadas por um foguete no terraço de sua casa, no momento em que estavam dando a comida aos seus pombos. A seguir, o diretor do hospital, Basman Alashi, informava que, também na praia de Gaza, outros três garotos, de 10, 12 e 13 anos, morreram alvejados, no dia 18, pelos canhões das corvetas israelenses.
Na tarde do dia 19, o número de palestinos mortos por efeito dos bombardeios chegou a 339, enquanto os feridos somavam 2.562, sem contar, ainda, os mortos e os feridos que ficaram enterrados debaixo dos destroços dos prédios alvejados. Mortos e feridos que em sua completa maioria são civis, em particular crianças, mulheres e idosos.
Os milicianos das Brigadas Ezzedin al-Qassam continuam escondidos em túneis subterrâneos, de onde atiraram contra o território de Israel 1.663 foguetes Qassam. Destes, somente 346 foram interceptados pelo sistema anti-foguetes “Iron-Dom”, do exército israelense; os restantes não alvejaram nenhum objetivo estratégico importante. Por isso, é preciso lembrar que a eficácia dos foguetes Qassam é muito reduzida por ser um projeto artesanal desenvolvido, em 2001, por Nidal Fat'hi Rabah Farahat. Hoje, o foguete Qassam é mais uma arma política que representa o espírito de resistência dos palestinos de Gaza e seu apoio político ao Hamas e aos milicianos das Brigadas Ezzedin al-Qassam.
Segundo as declarações do porta-voz do exército sionista, tenente-coronel Peter Lerner, os bombardeios continuarão ainda por outros dois ou três dias, isto é, quando iniciarão os desgastantes combates de “casa por casa” entre os milicianos que saem dos túneis e os soldados israelenses que pretendem controlar os perímetros urbanos. É nessa fase que começará a verdadeira “Operação Margem de Proteção”, com os soldados israelenses que pretendem acabar fisicamente, em menos de trinta dias, com as Brigadas Ezzedin al-Qassam, enquanto os milicianos tentarão transformar Gaza City em uma segunda Stalingrado.
Gaza e o cenário geoestratégico regional
Enquanto o exército israelense continua a bombardear a Faixa de Gaza, os dirigentes do Hamas não aceitam negociar o cessar-fogo, proposto pelo secretário da ONU, Ban Ki-moon que, na realidade, não resolve a condição de absoluto isolamento diplomático e econômico a que a Faixa de Gaza está submetida. De fato, o governo sionista impede o funcionamento do aeroporto, dos portos, além de ter conseguido do Egito o fechamento da única entrada comercial no posto de fronteira de Rafah.
É neste âmbito e com o recrudescimento das operações militares em Gaza que o primeiro ministro, Benjamin Netanyahu, está conseguindo montar um novo cenário geoestratégico, cuja complexidade pode interferir com a representatividade e as projeções políticas que o Departamento de Estado dos EUA elaboraram, recentemente, para o Oriente Médio.
Estados Unidos
Para entender a posição que Benjamin Netanyahu assumiu nos últimos meses, bem como o apoio irrestrito que ele recebeu dos comandos das Forças Armadas e das direções dos poderosos serviços secretos (Mossad, Aman e Shin Bet), é preciso dizer que isso reflete, também, o conflito político interna no seio do Partido Democrata, entre o clã dos Clinton e o grupo que ainda apoia Barack Obama, do qual John Kerry é o porta-voz no âmbito internacional. De fato, é notória a atual flexuosidade em forma de ziguezague da política exterior da Casa Branca para com o Oriente Médio. Por exemplo, quando a Arábia Saudita decidiu financiar o golpe de Estado contra o presidente do Egito, Mohamed Morsi, os sauditas não pediram a autorização à Casa Branca, mas, sim, informaram, apenas, as autoridades de Telavive, que saudaram a iniciativa, do momento que Morsi e o governo da Irmandade Muçulmana estavam ajudando a direção do Hamas em romper o isolamento imposto pelo exército sionista.
De fato, o golpe liderado pelo general Sisi, criou sérios problemas de credibilidade para a Casa Branca, visto que em um primeiro momento o presidente Obama havia decidido suspender a ajuda militar destinada ao Egito, no valor de 1,6 bilhão de dólares. Depois, quando o poderoso lobby sionista de Wall Street manifestou seu pensamento, Obama enviou John Kerry ao Cairo para renegociar com o general Sisi a continuação do antigo acordo de cooperação assinado desde os tempos de Mubarak.
Na questão da Palestina, Benjamin Netanyahu virou a cara quando a Casa Branca apoiou o acordo de reconciliação entre o Fatah e o Hamas. Aliás, esse foi o motivo para enterrar de vez as negociações de paz, construídas pacientemente por John Kerry e o presidente da Autoridade Palestina, Mahmud Abbas.
Por último, o governo sionista e em particular os comandos militares não gostaram da abertura diplomática que a Casa Branca realizou com o novo presidente do Irã, o moderado Hassan Rohan, visto que o pacífico desmantelamento das centrais nucleares iranianas eliminava a hipótese do ataque aéreo com os F-15 e F-16 israelenses.
Também, no que diz respeito à guerra civil na Síria, o governo sionista e a monarquia saudita desaprovaram as iniciativas diplomáticas de John Kerry, que com a insignificante realização das cúpulas “Genebra-1” e “Genebra-2” deu ao regime de Bashar al-Assad um importante fôlego político que permitiu a retomada da iniciativa militar e mais recentemente a vitória nas eleições. Aliás, sionistas e sauditas censuram Barack Obama por ter “vacilado” quando a mídia ocidental acusou, injustamente, o exército de Damasco de ter usado as bombas químicas contra os civis. Na realidade, a indecisão de Obama deu tempo para descobrir que foram os homens da Brigada Al-Nusra que provocaram o desastre químico em Homs.
Irã
A partir do dia 20 de julho, John Kerry abrirá um canal de comunicação com o presidente do Irã, Hassan Rohan, para definir uma agenda de trabalho sobre as futuras negociações para a retirada das sanções econômicas impostas pelo Ocidente, enquanto o Irã aceitou desmantelar as centrais nucleares consideradas “impróprias” para o uso civil. Consequentemente, os EUA e o Irã deverão definir o início das negociações realizadas com um “deadline 5+1”, isto é, com a participação de Rússia, China, Grã Bretanha, França e Alemanha.
É evidente que Israel está contra esse “deadline”, do momento que o Irã, após o desmantelamento das suas centrais nucleares, poderá tornar-se o novo grande parceiro do Ocidente, tal como o era o Irã do Xá Reza Pahlevi. Por isso, juntamente à Arábia Saudita (que odeia o Irã), o governo sionista permitiu que os agentes do serviço secreto Mossad fossem à Síria e ao Iraque para treinar e monitorar os combatentes do ISIS. Desta forma, além de impedir a consolidação política e econômica do governo iraquiano do xiita Nuri al-Maliki, Israel poderá desestabilizar o futuro relacionamento do governo iraniano com as potências ocidentais, cujos serviços secretos determinaram o sucesso do Califado do ISIS.
Iraque
Em 2012, ninguém acreditava que os serviços secretos de Grã Bretanha, França, EUA e, sobretudo, Israel estivessem treinando na Síria os bandos jihadistas iraquianos. Aliás, ninguém pensava que em pouco tempo os mesmos teriam conseguido atacar a região central do Iraque e se apoderar de vários campos petrolíferos, com vista a financiar suas atividades militares. Por isso, em 2013, diferentes empresas “fantasmas” israelenses e sauditas já estavam comprando o petróleo que o ISIS roubava na Síria e no Iraque, pagando apenas 50% do valor de mercado. Praticamente, o ISIS sobrevive com a receita do petróleo roubado, com a qual o misterioso Al-Bagadabi pode pagar os 30.000 combatentes fundamentalistas e sustentar a estrutura administrativa de um “Califado” que, em teoria, se estende das regiões norte-orientais da Síria até o centro do Iraque.
À causa do despudorado comportamento do exército iraquiano em Mossul, o governo central do Iraque, dirigido pelo presidente Jalal Talabani (curdo) e o primeiro-ministro Nuri al-Maliki (xiita) entrou em crise, visualizando, assim, todas as contradições políticas, institucionais, econômicas e militares provocadas no Iraque após 10 anos de ocupação estadunidense. Pior disso tudo é a cegueira política do governo majoritário xiita que, ainda, não consegue se relacionar com os sunitas e os curdos.
De fato, com a saída do contingente militar dos EUA (120.000 homens) e o fim dos bilionários investimentos “para a implantação da democracia”, criou-se no Iraque um perigoso “buraco negro”, que a Casa Branca pensa poder fechar com a reformulação do governo do primeiro-ministro Nuri al-Maliki, diretamente monitorado pelo Irã, cuja reciclagem política passa pela renúncia do programa nuclear militar, além de garantir um regular fornecimento de gás e de petróleo ao Ocidente.
É evidente que as “excelências” da estratégia sionista apoiam o processo de “balcanização” do Iraque, com o qual pretendem evitar a formação de um novo eixo político, econômico e energético entre Washington e Teerã.
Não foi casual que quando John Kerry esteve em Erbril, para se encontrar com o presidente da região autônoma do Curdistão, Masud Barzani, os assessores israelenses já haviam sugerido a Barzani ocupar as regiões petrolíferas de Kirkut, que os curdos pretendem integrar a sua região autônoma. Esta iniciativa enfureceu John Kerry por desarticular os equilíbrios entre o Curdistão e o governo central de Nuri al-Maliki, além de ampliar as rupturas do modelo institucional em um momento em que a instabilidade política entre curdos e xiitas permite ao “Califado do ISIS” se apresentar como o terceiro Estado etnicamente reservado aos sunitas.
Líbia
A desintegração do “processo democrático ocidental” imposto pelos EUA, a França e a Grã Bretanha, e a divisão étnica e tribal operada pelas milícias, ligadas aos serviços secretos da Arábia Saudita e do Catar, evidenciaram a completa incapacidade do Departamento de Estado dos EUA e da própria CIA em saber reordenar a vida política, econômica e, principalmente, militar da Líbia. Esse fato, aos olhos dos sionistas e do primeiro-ministro Benjamin Netanyahu, reforça ainda mais a ideia de que Israel pode ser a nova potência regional capaz e apta a ditar e fazer respeitar regras e, portanto, impedir o surgimento de outras Líbias. De fato, o golpe de Estado no Egito e a dura repressão que o governo do general Sisi está impondo no país com a caça aos membros da Irmandade Muçulmana impedem o Egito de voltar a ser a grande potência árabe, que garante a “ordem ocidental” no Oriente Médio.
Gaza
Não há dúvida de que, hoje, o presidente da Autoridade Palestina, Mahmud Abbas, é apenas uma figura decorativa no fragmentado movimento de resistência palestino. Aliás, seu posicionamento titubeante diante da política arrogante e seletiva do governo sionista e os ricos negócios que a burguesia palestina pratica com a indústria israelense, enterraram de vez a tese “Dois Estados para Dois Povos”, que Yasser Arafat havia conseguido impor nos Acordos de Oslo, em 13 de setembro de 1993.
Por outro lado, todos os líderes políticos palestinos contrários à linha política de Mahmud Abbas e Mohammed Dahlan (apoiado pessoalmente pelo emir do Qatar) ou foram definitivamente afastados da vida política ou estão encarcerados nas prisões sionistas, tal como aconteceu a Marwan Al-Barghouti, líder do Al Fatah, e a Ahmad Sa’adat, secretário geral da Frente Popular de Libertação da Palestina (FPLP), preso em uma solitária desde 2006.
Por isso, o Hamas adquiriu no contexto palestino uma dimensão política nacional, visto que teve a coragem de governar e, ao mesmo tempo, rejeitar as regras impostas pelos governos sionistas. Aliás, a reconciliação entre o Al-Fatah e o Hamas foi considerada pelo governo sionista um ato não declarado de guerra, em um momento em que o próprio primeiro-ministro, Benjamin Netanyahu, considera morto e enterrado os Acordos de Oslo. Uma posição que, apesar de tudo, a Casa Branca e os parlamentos de muitos países europeus ainda não engoliram.
Se depois consideramos que o Hamas é reconhecido e apoiado pelo Catar, enquanto a Autoridade Nacional Palestina (ANP) é sustentada pela Arábia Saudita, fica evidente que o “ataque total” à Faixa de Gaza é também uma maneira para dizer a todo o mundo árabe, inclusive à Turquia (apesar de este país ter assinado acordos militares com Israel, ainda apoia a criação de um Estado independente palestino), a atuação do Hamas na Faixa de Gaza deverá ser a mesma que o Al-Fatah exerce na Cisjordânia. Isto é, desmilitarizada, sem nenhuma autonomia financeira, totalmente dependente da economia e dos transportes israelenses, além de permitir que parcelas de seu território sejam destinadas à colonização sionista. Enfim, uma entidade minoritária “politicamente pacificada e controlada” no quadro das regras da sociedade judaica e da ordem do Estado de Israel.
Por outro lado, a inflexível decisão de Benjamin Netanyahu de derrubar a estrutura militar do Hamas foi uma maneira de apresentar aos Estados Unidos e aos países da União Europeia o novo cenário geoestratégico do Oriente Médio, onde Israel é a potência nuclear e militar que representa e coordena os interesses do Ocidente no Oriente Médio. Enfim, é a moderna prospecção política, econômica e, sobretudo, geoestratégica do “Grande Israel”.
Achille Lollo é jornalista italiano, correspondente do Brasil de Fato na Itália, editor do programa TV “Quadrante Informativo” e colunista do "Correio da Cidadania".
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