ESCRITO POR ILAN PAPPE |
SEXTA, 18 DE JULHO DE 2014 |
Em um artigo publicado em setembro de 2006, no The Electronic Intifada, descrevemos a política israelense referente à Gaza como um genocídio progressivo.
Infelizmente, o atual ataque israelense em Gaza indica que esta política continua inabalável. O termo é importante, já que situa adequadamente a ação brutal de Israel (então e agora) em um contexto histórico mais amplo.
Deve-se insistir neste contexto, já que a máquina de propaganda israelense tenta novamente caracterizar suas políticas situadas fora do contexto e transformar em pretexto para uma nova onda de destruição, que em cada ocasião encontra a principal justificativa para outra série de matanças indiscriminadas nos campos da morte da Palestina.
O contexto
A estratégia sionista de caracterizar suas políticas brutais como uma resposta ad hoc para esta ou aquela ação palestina é tão velha como a própria presença sionista na Palestina. Foi utilizada continuamente como justificativa para implementar a visão sionista de uma futura Palestina em que haveria muito poucos palestinos originários, se é que haveria algum.
Os meios para conseguir foram mudando com os anos, mas a fórmula continua sendo a mesma: seja qual for a visão sionista de um Estado judeu, só pode se materializar sem uma quantidade significativa de palestinos e palestinas. E hoje em dia, a visão é a de Israel que se estende sobre a quase totalidade da Palestina histórica em que ainda vivem milhões de palestinos e palestinas.
Como todas as anteriores, a atual onda genocida também tem antecedentes mais imediatos. Nasceu de uma tentativa de frustrar a decisão palestina de formar um governo de unidade ao qual nem sequer os Estados Unidos poderiam se opor. O fracasso da desesperada iniciativa de “paz” do secretário de Estado estadunidense John Kerry legitimou o apelo palestino às organizações internacionais de deter a ocupação. Ao mesmo tempo, os palestinos ganharam mais uma vez o reconhecimento internacional devido à prudente tentativa do governo de unidade de criar mais uma vez uma estratégia para coordenar as políticas dos diferentes grupos e agendas palestinos.
Desde junho de 1967, Israel buscou uma maneira de manter os territórios que havia ocupado neste ano sem incorporar a população palestina originária como cidadãos de pleno direito. Ao mesmo tempo, participou de uma farsa em um “processo de paz” para encobrir suas políticas unitárias de colonização na base dos fatos consumados para ganhar tempo.
Durante décadas, Israel se diferenciou entre as zonas que queria controlar diretamente e aquelas que controlava indiretamente, e com o objetivo a longo prazo para reduzir a população palestina ao mínimo, por meio, entre outras coisas, de limpeza étnica e asfixia, tanto econômica como geográfica.
A localização geopolítica da Cisjordânia dá a impressão, ao menos em Israel, de que é possível conseguir isto sem que se tenha um terceiro levante ou demasiada condenação internacional. Devido a sua excepcional localização geopolítica, a Faixa de Gaza não se prestava tão facilmente a esta estratégia. Já desde 1994, e ainda quando Ariel Sharon chegou ao poder como primeiro-ministro, a princípios da década de 2000, a estratégia relativa a Gaza foi convertê-la em um gueto e de alguma maneira esperar que sua população (que nos dias de hoje supera 1.800.000 pessoas) caísse no esquecimento eterno. Mas descobriu-se que o gueto era rebelde, não estava disposto a viver em condições de asfixia, isolamento, fome e colapso econômico. Por conseguinte, tinha que continuar com as políticas genocidas para devolvê-los ao esquecimento.
O pretexto
Em 15 de maio, as forças israelenses assassinaram duas crianças palestinas na cidade cisjordana de Beitunia. Um vídeo gravou seu assassinato a sangue frio por franco-atiradores. Seus nomes, Nadim Nuwara e Muhammad Abu al-Thahir, somaram-se a uma longa lista de assassinatos semelhantes nos últimos meses e anos.
Talvez o assassinato de três adolescentes israelenses, dois deles menores, que foram sequestrados na ocupada Cisjordania, em junho, foi uma represália pelo assassinato das duas crianças palestinas. Mas proporcionou a todas as depredações da ocupação opressiva um pretexto para destruir, em primeiro lugar, a delicada unidade na Cisjordânia, mas também para realizar o velho sonho de eliminar o Hamas da Faixa de Gaza com a justificativa de recuperar a calma no gueto.
Desde 1994, antes mesmo de o Hamas chegar ao poder em Gaza, a muito peculiar localização geopolítica da Faixa deixa claro que toda ação de castigo coletivo, como a que está sendo realizada agora, só poderia ser uma operação de assassinatos e destruição massivos. Em outras palavras, um genocídio progressivo.
O fato de reconhecer isto não impede aos generais que ordenem bombardear a população por terra, mar e ar. Reduzir a quantidade de palestinas e palestinos de toda a Palestina histórica continua sendo uma visão sionista. Em Gaza, sua implementação adota sua forma mais desumana.
Como no passado, o momento particular em que se tem realizado tal onda está determinado por outras considerações. Continua o descontentamento social interno de 2011 e durante um tempo o público israelense pediu para cortar os gastos militares e dedicar a serviços sociais dinheiro do inflado orçamento de “defesa”. O exército qualificou esta possibilidade de suicida.
Não há nada como uma operação militar para calar qualquer voz que peça a um governo que corte seus gastos militares.
Na atual onda, também aparecem típicas características de etapas anteriores deste genocídio progressivo. Pode-se ver cada vez mais o apoio generalizado judeu israelense aos massacres de civis em Gaza sem que haja uma só voz dissidente significativa. Em Telavive, as poucas pessoas que se atreveram a manifestar contra o massacre foram golpeadas por fanáticos judeus enquanto a polícia se mantinha à margem e observava.
Como sempre, as instituições acadêmicas se transformam em parte do maquinário. A prestigiosa universidade privada Centro Interdisciplinar Herzliya estabeleceu um “quartel general civil” em que os alunos se prestam a exercer de alto-falante a campanha de propaganda no exterior.
Os meios de comunicação participam fielmente sem mostrar imagem alguma da catástrofe humana que Israel está provocando e informam ao público de que desta vez "o mundo que nos compreende e nos apoia".
Esta afirmação é até certo ponto válida já que as elites políticas ocidentais continuam concedendo ao “Estado judeu” a impunidade de sempre. Contudo, os meios não concedem a Israel o mesmo nível de legitimidade que este buscava para suas políticas criminais.
Entre as óbvias exceções encontramos os meio franceses, especialmente França 24, e a BBC, que de maneira vergonhosa continuam repetindo como papagaios a propaganda israelense.
Isto não é surpreendente, já que os grupos de pressão a favor de Israel continuam trabalhando sem descanso para pressionar a favor de Israel tanto na França como no resto da Europa, com fazem nos Estados Unidos.
O caminho que temos pela frente
Atos como queimar vivo um adolescente palestino de Jerusalém, matar a tiros outros dois só por diversão em Beitunia, ou assassinar famílias inteiras em Gaza, são todos atos que unicamente pode se perpetrar se se desumaniza a vítima.
Reconheço que em todo o Oriente Próximo há, atualmente, casos espantosos em que a desumanização tem coletado horrores inimagináveis como os de hoje em Gaza. Mas há uma diferença fundamental entre estes casos e a brutalidade israelense: em todo o mundo se condenam os primeiros por ser brutais e desumanos, enquanto o presidente dos Estados Unidos, os dirigentes da União Europeia e outros amigos de Israel no mundo autorizam e aprovam publicamente os que cometem Israel.
A única luta frutífera possível contra o sionismo na Palestina é uma luta baseada no programa de direitos humanos e civis que não diferencia entre umas violações e outras, embora diferencie claramente a vítima e os vitimados.
Devem ser julgados pelos mesmos princípios morais e éticos, tanto quem comete atrocidades no mundo árabe contra minorias oprimidas e comunidades indefesas quanto os israelenses que cometem estes crimes contra o povo palestino. Todos eles são criminosos, embora no caso da Palestina estejam atuando há mais tempo do que qualquer outro.
A identidade religiosa de quem comete essas atrocidades ou em nome de que religião pretende falar, na realidade, não tem importância alguma. Já se qualificam a si mesmos de jihadistas, judaísta ou sionista. Tem de tratar todos da mesma maneira.
Um mundo que parasse de usar dois pesos e duas medidas nas suas relações com Israel seria um mundo muito mais eficaz em sua resposta a crimes de guerra em qualquer outro lugar do mundo.
Acabar com o genocídio progressivo em Gaza e restaurar os direitos humanos civis básicos dos palestinos onde quer que estejam, incluindo o direito de retorno, é a única maneira de abrir uma nova perspectiva para uma intervenção internacional produtiva no Oriente Médio em seu conjunto.
Nota: [1] “Genocide in Gaza”, http://electronicintifada.net/content/genocide-gaza/6397; en castellano traducido por Chelo Ramos, http://www.rebelion.org/noticia.php?id=37450
Ilan Pappe é autor de vários livros (entre eles A limpeza étnica da Palestina), professor de história e diretor do Centro Europeu de Estudios Palestinos da Universidad de Exeter.
Traduzido do inglês para Rebelión por Beatriz Morales Bastos.
Traduzido para o português por Daniela Mouro, do Correio da Cidadania.
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