– 11 DE AGOSTO DE 2014
Washington retira-se da Líbia, depois de destruí-la. Arrogância, preconceitos ideológicos, militarismo e paranoia arrasam influência dos EUA, mas os convertem em perigo permanente
Por Mauro Santayana, em seu blog
O Brasil e os Estados Unidos, cada um por suas razões, acabam de retirar seu pessoal diplomático de Trípoli, na esteira da desastrada intervenção dos EUA e da OTAN na Líbia, que teve como consequência a entrega de uma das mais desenvolvidas nações do continente africano a uma matilha de quadrilhas radicais islâmicas, após a derrubada e o assassinato de Muamar Kadafi, em 2011.
Brasília está fechando sua embaixada para proteger seus funcionários. Os EUA, porque, assim como ocorreu no Iraque, foram taticamente derrotados e falharam em colocar no poder governos fantoches, apesar de terem destroçado política e socialmente esses países, deixando, como está acontecendo na Síria, como rastro de sua interferência, direta ou indireta, centenas de milhares de mortos e milhões de refugiados.
Único país do mundo a possuir, sem necessidade de lastro, uma impressora de dinheiro em casa, e a contar com gigantesca máquina de inteligência, espionagem e propaganda, os EUA teriam tudo para, se quisessem, como diria o teórico da auto-ajuda Dale Carnegie, “ganhar amigos e influenciar as pessoas”, incentivando a paz e o desenvolvimento nos países mais pobres, por meio de “soft power”.
Cinco principais razões, no entanto, impedem a república norte-americana de fazer isso:
Em primeiro lugar, o grande business do medo, tocado, protegido, irrigado como frondosa e delicada árvore, todos os dias, por milhares de pseudo-intelectuais, “filósofos”, acadêmicos, “pesquisadores” e jornalistas, que vivem de provocar, induzir e realimentar as indústrias do anti-comunismo, do anti-islamismo, do “anti-chinesismo”, do anti-russismo, do anti-castrismo, do anti-bolivarianismo, etc.
Em segundo lugar, o complexo imperial da direita fundamentalista norte-americana, que acredita, piamente, ter herdado, dos pais fundadores, exclusivo e expresso mandato recebido – como as Tábuas da Lei — diretamente das mãos de Deus, para conduzir o mundo e o destino da Humanidade.
Em terceiro lugar, a política interna, na qual democratas e republicanos, e concorrentes a indicações e a candidaturas, às vezes até do mesmo partido, se acusam mutuamente de desdenhar a segurança, o que coloca a questão da defesa sempre em primeiro plano no embate político, partidário e eleitoral.
Em quarto lugar, os interesses de um imenso complexo industrial-militar que movimenta milhões de pessoas e centenas de bilhões de dólares na pesquisa, desenvolvimento e fabricação de novas armas, que precisam ter sua existência justificada e ser usadas de alguma forma.
E, finalmente, em quinto lugar, uma política externa e uma diplomacia que não conseguem sobreviver sem a desconfiança e a arrogância. Em seu trato com o resto do mundo, principalmente as nações menos favorecidas, os Estados Unidos poderiam usar a cenoura, mas preferem, como qualquer valentão de bairro, brandir o porrete, porque isso lhes dá prazer e a ilusão de força.
Com base em mentiras, como a existência de armas de destruição em massa, os EUA mataram Saddam Hussein e derrubaram Muammar Kadafi, armando um bando de psicopatas que linchou, no meio da rua, a socos e pontapés, o líder líbio, transformando seu rosto em uma espécie de hambúrguer.
Era Kadafi um tirano? Quando convinha, a Europa e os EUA não se aliaram e fizeram negócios com ele, assim como com outros ditadores que são ou foram apoiados pelo “ocidente”, em Estados como a Arábia Saudita ou os Emirados Árabes, ou em países como o Chile de Pinochet e a Indonésia de Suharto?
Sob a liderança de Saddam Hussein, o Iraque chegou a ser um dos países mais prósperos do Oriente Médio, com uma infraestrutura invejável, boa parte dela construída por brasileiros nos anos 1970 e 1980; e a Líbia, sob Muamar Kadafi, tinha o maior IDH africano.
Hoje, depois de guerras fomentadas e promovidas pelo “ocidente”, os dois países estão entregues a rebeldes islâmicos radicais, perto dos quais Kadafi e Saddam Hussein pareceriam anjos. E os Estados Unidos, depois de um custo financeiro e humano incalculável, estão saindo de Trípoli e de Bagdá escorraçados, como saíram do Vietnam e da Somália.
Em Von Kriege, Clausewitz escreveu que “a guerra é a continuação da política por outros meios…” querendo afirmar a primazia da razão política sobre a força das armas. Para os Estados Unidos, a política é a continuação da guerra. De uma guerra permanente que os opõe – como podemos ver pela espionagem contra seus próprios aliados, entre eles a Alemanha – ao resto do mundo.
Não por acaso, as únicas vezes em que os EUA foram efetivamente bem sucedidos, do ponto de vista bélico, foi quando lutaram claramente não em defesa de suas empresas e de sua elite, mas pela liberdade, no conflito contra a Inglaterra pela independência de seu território, e na Primeira e na Segunda guerras mundiais.
A Guerra Fria não passou de uma estratégia contínua e paranoide de isolar e enfraquecer a União Soviética, que saíra da Segunda Guerra Mundial e da Batalha de Berlim como uma nação vitoriosa, sem a qual o nazismo não teria sido derrotado.
Hoje, embora não o admita, a direita norte-americana está extremamente preocupada com o avanço do BRICS e mais especialmente da China.
Nos próximos anos, se os EUA não mudarem, esse avanço será cada vez mais eficaz e inexorável.
Não pelo fato de que Pequim esteja se armando militarmente, assim como os outros BRICS. Mas porque, na maioria dos lugares em que chegam, países como o Brasil e a China o fazem por meio de obras, comércio, investimentos, portos, estradas, pontes, ferrovias. E os Estados Unidos, a OTAN, e seus aliados, por meio de mentiras, intrigas e discórdia, bombardeios, drones e porta-aviões.
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