terça-feira, 7 de abril de 2015

Analistas discutem futuro do “NYT” com Carlos Slim como maior acionista do grupo

Gabriela Ferigato 05/03/2015 13:15
Ao longo das 560 páginas de “O Reino e o Poder”, o jornalista Gay Talese descreve com afinco os bastidores do jornal que melhor traduz o significado da expressão “quarto poder”. Como qualquer grande instituição, o New York Times enfrentou diversos conflitos em seus 164 anos de existência, porém o maior deles veio depois do lançamento da obra.

O grupo não escapou ileso da crise financeira de 2008 e perdeu US$ 57,8 milhões, frente ao lucro de US$ 208,7 milhões de um ano antes. As receitas de publicidade caíram, o veículo precisou demitir funcionários e vender parte de sua sede em Manhattan (EUA). À época, em 2009, a editora contou com a ajuda do empresário mexicano Carlos Slim, o segundo homem mais rico do mundo, que fez um empréstimo de US$ 250 milhões.
Crédito:Wikimedia Commons
Para superar crise financeira, jornal cortou funcionários e vendeu parte de sua sede em Manhattan
Seis anos depois, em janeiro de 2015, Slim se tornou o maior acionista do New York Times. Sua participação na empresa chega a 16,8% do total (27,8 milhões de ações), avaliadas em US$ 341 milhões, aumentando sua participação que antes era de 8%. Essa mudança, no entanto, não afeta o comando editorial do jornal, que segue com a família Sulzberger.

Entre tantos números, uma única pergunta paira no ar: qual o futuro do New York Times? O interesse de milionários por veículos de comunicação parece ser uma tendência de mercado. Não muito distante, em 2013, o Washington Post foi vendido para Jeff Bezos, fundador e presidente da Amazon, por US$ 250 milhões. Já Warren Buffett, CEO da Berkshire Hathaway, investiu US$ 143 milhões na compra de 63 jornais americanos.

De acordo com o professor de jornalismo on-line e diretor-fundador do Centro Knight para o Jornalismo nas Américas, Rosental Calmon Alves, Slim realmente salvou o NY Times quando a publicação esteve momentaneamente à beira da quebra, mas os US$ 250 milhões foram um empréstimo a juros – bem salgados, diga-se de passagem. “O jornal pagou a dívida o mais rápido que pode. O empresário tem dito que o seu interesse no veículo foi aproveitar uma oportunidade de negócio, e ele realmente está aproveitando, pois ganhou muito em juros e comprou ações na bacia das almas”, completa Alves.

O fato é que, com o empréstimo de Slim, o Times mergulhou de cabeça em um processo de transformação digital. Um dos primeiros passos rumo a essa mudança foi a adoção do paywall, em 2011. O sistema de cobrança pelo conteúdo on-line colheu bons frutos em 2014. O número de assinantes cresceu 20% nesse período, contabilizando 910 mil.

A meta para 2015 não está muito distante: ultrapassar um milhão. Durante uma conferência telefônica sobre os resultados da companhia em 2014, realizada em fevereiro, Mark Thompson, presidente e diretor-executivo do New York Times, destacou que as receitas digitais mais do que compensaram as pressões sofridas pelo impresso. “Quando cheguei à empresa, há quase dois anos, a publicidade digital estava em declínio. Em 2014, revertemos isso. O crescimento veio a partir do lançamento do Paid Post [publicações pagas], publicidade nativa e um forte desenvolvimento em mobile e vídeo. O mercado de propaganda digital continua a evoluir rapidamente com grandes novas oportunidades e pressões em algumas partes já existentes do negócio”, destacou Thompson.

Inovação
De acordo com Rick Edmonds, jornalista e analista de mídia do Poynter Institute, as assinaturas têm sido um grande sucesso, mas ainda há muito a fazer. Segundo ele, também é justo dizer que a redação ainda é mais orientada ao impresso do que algumas pessoas gostariam.
Crédito:Divulgação
Rosental Calmon Alves é diretor-fundador do Centro Knight para o Jornalismo nas Américas
“Ainda assim, a empresa tem feito um enorme progresso na obtenção de audiência/ assinatura e tem uma base para crescer suas ofertas digitais e expandir ainda mais seu alcance internacional”, afirma. Apesar do “genuíno esforço” de um grande jornal em se adaptar à transição do digital, Alves ressalta que não tem sido nada fácil mudar a cultura “print-centric” para “digitalcentric”.
“Eles têm tido grandes acertos, como o paywall que é muito poroso e flexível, mais uma cerca do que um muro. Outro ponto é entender que o sistema só funciona à base de muito marketing e muita promoção.” Para os especialistas, um evento recente que resume o esforço da virada é o relatório interno de 96 páginas chamado “Innovation Report” que um comitê liderado pelo filho de Arthur Sulzberger e outros funcionários jovens lançou em março do ano passado. O grupo ouviu leitores, jornalistas e concorrentes digitais. Um dos desafios apontados é recriar uma redação flexível o suficiente para se ajustar às várias necessidades do cenário atual.

Segundo Janine Gibson, editora-chefe do Guardian US e consultada no relatório, ser jornalista na era digital significa correr atrás da audiência, diferente dos tempos da mídia impressa, em que se ganhava público automaticamente ao publicar uma notícia no papel. Para o Huffington Post, um artigo ou matéria apenas começa quando é publicado.

“Lá estão as linhas gerais da virada para o digital, partindo do reconhecimento público de que seus verdadeiros concorrentes hoje em dia são as empresas jornalísticas nativas de internet, como BuzzFeed e Vox Media. Antes, a minha sensação era a de que as pessoas do Times menosprezavam essas startups, sem esconder uma certa arrogância. O relatório lança um alerta sobre o crescimento desses pequenos e diz que o veículo tem que aprender com elas, sobretudo na área de ‘desenvolvimento de audiência’”, opina Alves.

Além dos cliques
Outra novidade gerada pelo relatório foi o lançamento de um departamento de desenvolvimento de audiência. Em uma nota à equipe de redação, o editor-executivo do jornal, Dean Baquet, disse que o objetivo “não é buscar cliques, mas expor tantas pessoas quanto possível ao nosso melhor trabalho e nos conectar com os leitores de maneiras novas e mais profundas”. Para Rosental Calmon Alves, audiência é o tema do momento nos meios de comunicação. “Seja baseada em dados ou em modelos matemáticos é uma ciência nova para os jornais, mas várias empresas jornalísticas na internet estão muito à frente nesse campo. Outro aspecto importante nessa área é que a redação precisa entender que tem que trabalhar com o comercial, o que geralmente é visto como um terreno minado.”
Crédito:Divulgação
Rick Edmonds é jornalista e analista de mídia da Poynter Institute
“Aprendi algumas lições sobre a necessidade de gastar tempo suficiente na construção da audiência para um novo produto antes de monetizá- lo por completo. É assim que estamos nos aproximando de nosso aplicativo de cozinha e, como resultado, estamos vendo o crescimento do público de forma muito saudável”, disse Thompson durante a conferência. O app já foi baixado mais de 300.000 vezes e conta com mais de 8 milhões de usuários na web.

Mesmo com acertos, 2014 não foi só de flores para o grupo. Em outubro, o jornal demitiu cem funcionários da redação, o equivalente a cerca de 7,5% de sua equipe editorial. Outra baixa foi a demissão da editora-chefe, Jill Abramson, no cargo há menos de três anos. Com altos e baixos, parece ser unânime a opinião de que o Times ainda não desceu do pedestal.

“É simplesmente o jornal mais importante do mundo. Claro que tem enorme influência sobre outros, o que às vezes se torna problemático, porque se trata de uma instituição muito especial. Imitar o Timespode ser uma armadilha, pois nem tudo que serve para ele serve para outros jornais”, afirma Alves.

Nos últimos dias têm crescido os rumores de que Michael Bloomberg estaria interessado na compra da publicação. Sulzberger tem batido o pé afirmando que seu “filho” não está à venda. “Mas lembre-se de que se trata do último grande jornal americano em mãos de uma família. O Wall Street Journal, oLos Angeles Times e o Washington Post também diziam não estar à venda”, finaliza Alves.

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