Deixar que empresas israelenses de segurança operem no Brasil e expandir as relações militares com Israel significa ignorar a matança na Palestina.
Faltam apenas 500 dias até o inicio dos Jogos Olímpicos no Rio de Janeiro. O Comitê Olímpico tem pouco tempo mas ainda muito terreno para recuperar se não quer bater seus próprios records em violações de direitos humanos. É difícil imaginar um ato mais expressivo da falta de escrúpulos do Comitê do que a cooperação com uma empresa israelense acusada de ter passado as últimas três décadas utilizando a experiência adquirida na ocupação e massacres do povo palestino para treinar esquadrões da morte e facilitar golpes na América Latina.
A boa noticia é que, duas semanas atrás, o governo brasileiro, ao qual o Comitê Olímpico entregou a responsabilidade para a segurança da Rio16, distanciou-se da cooperação com essa empresa.
A International Security and Defense Systems (ISDS) foi fundada em 1982 por Leo Gleser a partir de uma colaboração inicial com os serviços israelenses Shin Bet. Desde então, de acordo com o jornalista israelense Yossi Melman, a empresa faz parte do sistema de intervenção militar de Israel, fornecendo serviços onde o governo não quer ou não pode agir diretamente. De acordo com vários relatórios, a empresa trabalhou no treinamento das esquadrões da morte em Honduras, Guatemala, El Salvador e treinou os Contra na Nicaragua. Em 23 de outubro do ano passado, a ISDS anunciou nas mídias internacionais que teria um contrato com o Comitê Organizador dos Jogos Olímpicos para fornecimento de equipamentos e publicidade. Nas palavras eufóricas do vicepresidente da ISDS, Ron Shafran, "como a empresa que irá integrar todo o sistema de segurança para os jogos, vamos determinar as especificações para o sistema de segurança necessário, [...] todo este negócio vai ser uma incubadora de tecnologias e soluções israelenses nestas áreas.”
Indignados com a decisão do Comitê Olímpico de contratar tal empresa e preocupados que também o governo do Brasil poder continuar com essa cooperação, movimentos sociais do Brasil se juntaram numa carta à Secretaria Especial de Segurança para Grandes Eventos do Ministério da Justiça (Sesge/MJ), que preside a Comissão Estadual de Segurança Pública e Defesa Civil para os Jogos Rio 2016 (Coesrio 2016), responsável pelas operações de segurança. Os movimentos lembraram o governo da importância da crescente campanha de boicote, desinvestimentos e sanções (BDS) contra Israel e pediram “que a COESRIO16 exclua categoricamente a ISDS das operações de segurança e demais contratações dos Jogos Olímpicos Rio2016 e que se comprometa a não contratar empresas com semelhante cumplicidade e ligação com graves violações de direitos humanos e do direito internacional na Palestina e no mundo”.
Em resposta, a Sesge/MJ esclareceu que “não há qualquer relação comercial entre a Sesge/MJ e a empresa multimencionada [ISDS] (…) qualquer contratação realizada pela Rio 2016 não acarretará qualquer compromisso por parte do Governo Brasileiro”.
A decisão do Comitê Olímpico de passar a responsabilidade sobre a segurança ao governo do Brasil abriu a possibilidade de excluir a empresa da operação de segurança e nos permite discutir, uma vez mais, o tema da cumplicidade de empresas nas violações de direitos humanos. Sem dúvida, violações de direitos humanos conectadas a Grandes Eventos não dependem somente das empresas contratadas. No entanto, o fato de que os Jogos Olímpicos são palco para os campeões mundiais dessas violações é significativo. No caso das ultimas Olimpíadas em Londres, foi a vez da anglo-dinamarquesa G4S ter a responsabilidade pela segurança dos Jogos. A empresa de segurança G4S está diretamente envolvida no fornecimento de serviços às prisões israelenses onde mais de 5.500 palestinos estão presos, são torturados e muitas vezes sequer sabem do que estão sendo acusados. A G4S presta serviços aos EUA no Iraque e Afeganistão e tem uma série de acusações sobre mals tratos no contexto dos serviços de 'repatriação' de imigrantes na Europa. No caso brasileiro, a G4S participa nas reuniões com a SESGE desde o inicio – mas parece, que até agora não tem conseguido contratos.
O posicionamento da SESGE distanciando-se da ISDS é seguramente um passo em uma direção justa e talvez sinal de uma nascente consciência de que contratos públicos com empresas envolvidas em crimes de guerra e contra a humanidade são não apenas proíbidos sob a lei internacional, como têm um custo político. Talvez alguém dentro do governo tenha relembado que o governo do Rio Grande do Sul, depois de dois anos de campanha popular, teve que assumir os custos de sua cooperação com a empresa militar israelense Elbit Systems. À ocasião, o RS anulou o memorando de entendimento para a construção de um parque aeroespacial da Elbit no estado.
As posições políticas adotadas em relação a Palestina – seja o reconhecimento do Estado de Palestina nas fronteiras de 1967, a denúncia da ilegalidade dos assentamentos e do Muro, ou o reconhecimento dos crimes de guerra cometidos por parte do exército e Estado de Israel – tornam-se retórica vazia se não são transversalizadas e implementadas fora das declarações diplomáticas. Uma política de apoio aos direitos fundamentais do povo palestino e aos direitos humanos não pode ao mesmo tempo dar legitimidade, financiamento e apoio aos atores que implementam e se beneficiam da política de colonização e genocidio contra o povo palestino.
Se não agora, quando o Brasil quer dar implementação concreta as suas políticas? O primeiro ministro de Israel, Benyamin Netanyahu durante a campanha eleitoral, teve a ousadia de explicitar o que tem sido desde sempre a política de Estado israelense: “Não haverá um estado palestino”, disse. Atualmente, Israel segue com a limpeza étnica nos 60% do território da Cisjordania ocupada, a exemplo dos 27 mil beduínos para os quais estão sendo construídos nesse momento, campos de 'realocação'. Depois disso, o povo palestino será reduzido a 13% do seu território histórico, na sitiada e constantemente agredida Faixa de Gaza e nos guetos na Cisjordania. O plano israelense dos bantustãos, no estilo do apartheid na Africa do Sul, está praticamente completo.
A campanha contra a ISDS na Rio16, que se expandirá nos próximos meses, toca outro aspecto fundamental da solidariedade com o povo palestino. As relações internacionais com Israel não somente viabilizam a continuidade da sua política de apartheid, ocupação e limpeza étnica contra o povo palestino, como fortalecem os atores e aspectos mais reacionários e repressores da política a nível global. Israel vende o que sabe produzir melhor: armas de guerra e de repressão, metodologias de discriminação e exclusão. O lamentável é que o Brasil mantém dois áditos militares em Israel com a missão de continuamente estudar e avaliar esses produtos dos crimes israelenses para uso brasileiro. O Ministro de Defesa, Jaques Wagner, acaba de anunciar uma viagem a Israel em junho.
Num momento que um dos legados mais poderosos da ditadura no Brasil, a Rede Globo, celebra 50 anos de sua existência e ainda há de se esclarecer o que vai acontecer com os relatórios da Comissão da Verdade, a necessidade de proteger e avançar a democracia, os direitos e as liberdades parece evidente. Deixar que empresas como a ISDS operem e se promovam no Brasil e que as relações militares com Israel continuem a expandir-se significa ignorar a matança na Palestina e seria uma falta de memória e respeito a todos e todas que lutaram, sofreram e morreram - e ainda lutam, sofrem e morem - na América Latina.
O caminho é ainda longo, mas podemos celebrar um avanço com o distanciamento da SESGE do contrato com a ISDS. Vamos monitorar o governo para que mantenha uma posição de não-cooperação com a ISDS e vamos pressionar o Comitê Organizador dos Jogos Olímpicos para que rompa esses laços de cumplicidade.
A boa noticia é que, duas semanas atrás, o governo brasileiro, ao qual o Comitê Olímpico entregou a responsabilidade para a segurança da Rio16, distanciou-se da cooperação com essa empresa.
A International Security and Defense Systems (ISDS) foi fundada em 1982 por Leo Gleser a partir de uma colaboração inicial com os serviços israelenses Shin Bet. Desde então, de acordo com o jornalista israelense Yossi Melman, a empresa faz parte do sistema de intervenção militar de Israel, fornecendo serviços onde o governo não quer ou não pode agir diretamente. De acordo com vários relatórios, a empresa trabalhou no treinamento das esquadrões da morte em Honduras, Guatemala, El Salvador e treinou os Contra na Nicaragua. Em 23 de outubro do ano passado, a ISDS anunciou nas mídias internacionais que teria um contrato com o Comitê Organizador dos Jogos Olímpicos para fornecimento de equipamentos e publicidade. Nas palavras eufóricas do vicepresidente da ISDS, Ron Shafran, "como a empresa que irá integrar todo o sistema de segurança para os jogos, vamos determinar as especificações para o sistema de segurança necessário, [...] todo este negócio vai ser uma incubadora de tecnologias e soluções israelenses nestas áreas.”
Indignados com a decisão do Comitê Olímpico de contratar tal empresa e preocupados que também o governo do Brasil poder continuar com essa cooperação, movimentos sociais do Brasil se juntaram numa carta à Secretaria Especial de Segurança para Grandes Eventos do Ministério da Justiça (Sesge/MJ), que preside a Comissão Estadual de Segurança Pública e Defesa Civil para os Jogos Rio 2016 (Coesrio 2016), responsável pelas operações de segurança. Os movimentos lembraram o governo da importância da crescente campanha de boicote, desinvestimentos e sanções (BDS) contra Israel e pediram “que a COESRIO16 exclua categoricamente a ISDS das operações de segurança e demais contratações dos Jogos Olímpicos Rio2016 e que se comprometa a não contratar empresas com semelhante cumplicidade e ligação com graves violações de direitos humanos e do direito internacional na Palestina e no mundo”.
Em resposta, a Sesge/MJ esclareceu que “não há qualquer relação comercial entre a Sesge/MJ e a empresa multimencionada [ISDS] (…) qualquer contratação realizada pela Rio 2016 não acarretará qualquer compromisso por parte do Governo Brasileiro”.
A decisão do Comitê Olímpico de passar a responsabilidade sobre a segurança ao governo do Brasil abriu a possibilidade de excluir a empresa da operação de segurança e nos permite discutir, uma vez mais, o tema da cumplicidade de empresas nas violações de direitos humanos. Sem dúvida, violações de direitos humanos conectadas a Grandes Eventos não dependem somente das empresas contratadas. No entanto, o fato de que os Jogos Olímpicos são palco para os campeões mundiais dessas violações é significativo. No caso das ultimas Olimpíadas em Londres, foi a vez da anglo-dinamarquesa G4S ter a responsabilidade pela segurança dos Jogos. A empresa de segurança G4S está diretamente envolvida no fornecimento de serviços às prisões israelenses onde mais de 5.500 palestinos estão presos, são torturados e muitas vezes sequer sabem do que estão sendo acusados. A G4S presta serviços aos EUA no Iraque e Afeganistão e tem uma série de acusações sobre mals tratos no contexto dos serviços de 'repatriação' de imigrantes na Europa. No caso brasileiro, a G4S participa nas reuniões com a SESGE desde o inicio – mas parece, que até agora não tem conseguido contratos.
O posicionamento da SESGE distanciando-se da ISDS é seguramente um passo em uma direção justa e talvez sinal de uma nascente consciência de que contratos públicos com empresas envolvidas em crimes de guerra e contra a humanidade são não apenas proíbidos sob a lei internacional, como têm um custo político. Talvez alguém dentro do governo tenha relembado que o governo do Rio Grande do Sul, depois de dois anos de campanha popular, teve que assumir os custos de sua cooperação com a empresa militar israelense Elbit Systems. À ocasião, o RS anulou o memorando de entendimento para a construção de um parque aeroespacial da Elbit no estado.
As posições políticas adotadas em relação a Palestina – seja o reconhecimento do Estado de Palestina nas fronteiras de 1967, a denúncia da ilegalidade dos assentamentos e do Muro, ou o reconhecimento dos crimes de guerra cometidos por parte do exército e Estado de Israel – tornam-se retórica vazia se não são transversalizadas e implementadas fora das declarações diplomáticas. Uma política de apoio aos direitos fundamentais do povo palestino e aos direitos humanos não pode ao mesmo tempo dar legitimidade, financiamento e apoio aos atores que implementam e se beneficiam da política de colonização e genocidio contra o povo palestino.
Se não agora, quando o Brasil quer dar implementação concreta as suas políticas? O primeiro ministro de Israel, Benyamin Netanyahu durante a campanha eleitoral, teve a ousadia de explicitar o que tem sido desde sempre a política de Estado israelense: “Não haverá um estado palestino”, disse. Atualmente, Israel segue com a limpeza étnica nos 60% do território da Cisjordania ocupada, a exemplo dos 27 mil beduínos para os quais estão sendo construídos nesse momento, campos de 'realocação'. Depois disso, o povo palestino será reduzido a 13% do seu território histórico, na sitiada e constantemente agredida Faixa de Gaza e nos guetos na Cisjordania. O plano israelense dos bantustãos, no estilo do apartheid na Africa do Sul, está praticamente completo.
A campanha contra a ISDS na Rio16, que se expandirá nos próximos meses, toca outro aspecto fundamental da solidariedade com o povo palestino. As relações internacionais com Israel não somente viabilizam a continuidade da sua política de apartheid, ocupação e limpeza étnica contra o povo palestino, como fortalecem os atores e aspectos mais reacionários e repressores da política a nível global. Israel vende o que sabe produzir melhor: armas de guerra e de repressão, metodologias de discriminação e exclusão. O lamentável é que o Brasil mantém dois áditos militares em Israel com a missão de continuamente estudar e avaliar esses produtos dos crimes israelenses para uso brasileiro. O Ministro de Defesa, Jaques Wagner, acaba de anunciar uma viagem a Israel em junho.
Num momento que um dos legados mais poderosos da ditadura no Brasil, a Rede Globo, celebra 50 anos de sua existência e ainda há de se esclarecer o que vai acontecer com os relatórios da Comissão da Verdade, a necessidade de proteger e avançar a democracia, os direitos e as liberdades parece evidente. Deixar que empresas como a ISDS operem e se promovam no Brasil e que as relações militares com Israel continuem a expandir-se significa ignorar a matança na Palestina e seria uma falta de memória e respeito a todos e todas que lutaram, sofreram e morreram - e ainda lutam, sofrem e morem - na América Latina.
O caminho é ainda longo, mas podemos celebrar um avanço com o distanciamento da SESGE do contrato com a ISDS. Vamos monitorar o governo para que mantenha uma posição de não-cooperação com a ISDS e vamos pressionar o Comitê Organizador dos Jogos Olímpicos para que rompa esses laços de cumplicidade.
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