Moradores contam suas histórias, denunciam problemas e criticam novela que, para eles, não retrata a realidade de uma das maiores favelas de São Paulo.
Paraisópolis - Branca de Neve passeava calmamente pela rua da Jangada. Seguia de mãos dadas com sua mãe, que guiava um cachorro, deixando para trás os barracos – assim são chamadas as casas pelos próprios moradores –, bares, pessoas e o córrego entupido da parte baixa da favela de Paraisópolis, na capital paulista.
Assim como a garotinha fantasiada como princesa numa tarde de quarta-feira, a segunda maior favela de São Paulo, com quase 43 mil habitantes segundo o IBGE ou 100 mil, de acordo com a União em Defesa da Moradia (UDMC), parece, aos olhos da sociedade, um conto de fadas graças à novela I Love Paraisópolis (Eu amo Paraisópolis), da Rede Globo.
A realidade da favela, no entanto, não poderia ser mais distante do que a telinha mostra diariamente. A começar por um elenco que, em sua maioria, tem atores paulistanos e cariocas. O que se contrapõe a uma comunidade com raízes nordestinas, que vieram para São Paulo na esperança de melhorar de vida.
Outra representação externa à realidade são os problemas criados pelos vilões cartunescos, que desejam acabar com a comunidade por serem simplesmente “do mal”. Porém, o que de fato se passa é um histórico de negligência por parte do poder público e de atuação dos interesses do capital privado. O que resulta na não realização de projetos de urbanização efetivos, além da remoção de pessoas de suas moradias, sem dar-lhes um novo lar efetivamente.
“Se 100 pessoas aqui gostarem da novela, é muito”, afirma Zé Maria, líder comunitário e um dos membros UDMC. A frase, que parecia exagerada inicialmente, foi se confirmando ao conversar com os moradores.
Sobre a novela, Teomila, uma moradora e vendedora de comida baiana em Paraisópolis, é curta e grossa. “A novela não fala a verdade. Não tenho muito tempo de assistir, mas todo mundo que chega aqui fala isso”.
Zé Maria, indignado, diz o que pensa sobre o folhetim. “A gente trabalhou duro pra mostrar para as pessoas que a favela não é um lugar violento, que pode entrar quem quiser. E no primeiro capítulo, tem uma cena em que um taxista tem que pagar pedágio pra traficante pra entrar aqui dentro. Isso não é verdade, mas um monte de taxista ficou com medo de entrar aqui depois disso”.
O motoqueiro Luiz Cézar, que estava parado na barraca de Teomila pedindo um acarajé, ao ouvir a conversa, completou. “Teve outro capítulo também que deixou muita gente brava. Eles foram falar de briga de galo, e do jeito que mostraram, parece que todo mundo que cria galo na favela é para brigar e é bandido. Muita gente cria galo na favela para preservar a raça. Eu sou nordestino, crio galo e nunca botei nem vou botar nenhum deles pra brigar”.
Moradias e despejos
A avenida Hebe Carmago, construída em 2012, foi responsável por remover uma parte da comunidade de Paraisópolis. “Aqui onde passa a avenida costumava ser uma área fechada, cheia de gente morando”, diz Zé Maria.
É no meio da avenida, na passagem para pedestres, que Teomila, mais conhecida como Baiana, abriu sua barraca para vender acarajé. Ela está em São Paulo há mais de 13 anos. Mora na favela da Nova Esperança, formada por moradores que foram expulsos de Paraisópolis.
No seu caso, ela foi removida da área do Grotão, junto com mais 600 famílias, para a construção de uma escola de música na área que, segundo os moradores, tem um investimento privado de R$ 11 milhões. “Por que não investir esse dinheiro em moradias pra população?”, indaga Zé Maria.
Baiana já trabalhou em padarias e lanchonetes; ano passado resolveu abrir a barraca de acarajé. Tem dois filhos, que leva de manhã para a creche, depois prepara as comidas que vende e, às 15 horas, abre a venda, voltando para sua casa apenas às 21h.
Sobre a situação de vida dos moradores da Nova Esperança, Baiana diz que está longe de ser coisa de novela. “O esgoto está a céu aberto. Quando chove, a água sobe e vem pra dentro do barraco. Tem muitos casos de dengue, leptospirose, ratos por todos os lados e gatos com infecções. Um dia desses, um garoto foi arranhado por um gato e apareceu um caroço no pescoço dele. Ele teve que ir pro hospital”, conta.
Baiana gasta pelo menos R$ 90 por mês só com veneno para ratos. Seu barraco é no andar de cima de um outro barraco, conectado a um terceiro por meio de uma cozinha e banheiro comunitários. “Mas não tem problema ser comunitário, todo mundo trabalha e volta pra casa só à noite”.
Os moradores da Nova Esperança perdem tudo quando chove e seus barracos alagam. “Tem um vizinho meu que está com um colchão fedido, que molhou na última enchente. Não tem como colocar do lado de fora porque os cachorros, gatos e ratos iam acabar com ele. E do lado de dentro da casa não seca. Quando você entra, o cheiro é insuportável”, relata.
Coração de ParaisópolisA UDMC e os moradores de Paraisópolis acreditam que é preciso urbanizar a área para garantir melhores condições de vida à comunidade. Por isso, questionam o tipo de urbanização feita até hoje. “Precisamos de projetos de urbanização que melhorem a vida das pessoas. O que acontece é a remoção de moradores, que passam a viver com o auxílio aluguel (cerca de R$ 400,00 por mês) e não se criam habitações dignas”, afirma Zé Maria, líder comunitário.
Basta olhar para cima para entender o porquê de não se construir moradias populares em Paraisópolis. Vizinha do Morumbi, a favela está cercada pela especulação imobiliária. Os moradores denunciam que muitas áreas que seriam destinadas para moradias populares acabaram se tornando prédios e condomínios de luxo. As áreas de Paraisópolis que foram urbanizadas, segundo Zé Maria, sempre tiveram um interesse econômico por trás. “Depois que urbanizaram algumas áreas, entraram lojas da Casas Bahia e alguns supermercados, o que acabou com muitos comerciantes locais”.
Para o professor de caratê Francisco de Assis Diniz, “a urbanização seria boa se fosse feita no total e pensando na comunidade. Tinham que pegar prioridades e resolver o problema. Urbanizar não é só moradia: é saúde, educação e cultura também”.
Uma destas prioridades é o córrego do Antonico. Ele passa pelo menos por metade da favela, e, há anos, é uma fonte recorrente de problemas. É no Antonico que o esgoto da Sabesp (empresa de tratamento e distribuição de água de São Paulo) de toda a comunidade é despejado ali, além de entulhos fruto de despejos. Ainda há barracos construídos em áreas de risco, em cima do córrego.
Tudo isso entupiu o Antonico e, por causa disso, alagamentos são constantes. “A última chuva que teve, no começo do mês, durou 15 minutos, mas alagou um monte de barraco, e a água chegou ao nível do peito”, diz Zé Maria.
Muitos moradores criaram muros ou escadas, elevando o nível das portas dos barracos, para tentar evitar os alagamentos. Mas nem isso é o suficiente. “Nesse dia da enchente, a minha mãe tinha acabado de fazer as compras do mês. Perdemos tudo. A água também entra no barraco pela privada e encanamentos, não tem o que fazer”, lamenta a moradora Elcilene.
Para Francisco, outro morador, não é de interesse do poder público resolver a situação do córrego. “Falta boa vontade. Os engenheiros já vieram aqui e sabem dos problemas, mas nada nunca foi feito”. O professor pernambucano, que dá aulas gratuitas para 50 crianças e se orgulha de ter formado 15 faixas pretas ao longo dos anos, conta que canalizou e asfaltou a rua em que vive por conta própria.
“Nessa rua corria esgoto 24 horas por dia, só lama. Os meus alunos chegavam nas aulas com os quimonos sujos. Como a prefeitura nunca fez nada, comprei canos e asfaltei a rua com o tempo. O Antonico é o coração de Paraisópolis, e ele está morrendo”.
Uma das áreas de risco do córrego Antonico é chamada de Caixa Baixa. Para chegar nela, é preciso passar por diversas vielas e pontes improvisadas com tábuas de madeira. A viela Mário Covas é “pavimentada” com entulhos de móveis e barracos já destruídos por alagamentos na chuva.
A água corre ao lado dos entulhos, e o cheiro do esgoto contamina a viela. É difícil andar pelos corredores estreitos sem enroscar a roupa em algum prego. Na Caixa Baixa, os barracos são do tamanho de um quarto, cerca de 2x3 metros cada.
CotidianoFlávia Félix da Silva é pernambucana e veio para São Paulo ainda criança. “Se amigou” com um homem da comunidade, e hoje mora em um barraco dele na viela Mário Covas, com sua filha de um ano. Está grávida de outra filha.
Flávia trabalha como faxineira e recebe o Bolsa Família para complementar sua renda. O barraco é do marido. O pequeno quarto é lugar para uma cama de casal, uma estante onde fica um microondas e uma TV, um armário com roupas empilhadas, fogão e banheiro, com chuveiro e privada. Uma pequena banheira verde, para dar banho no bebê, está ao lado do fogão.
Todos os dias Flávia cuida da filha pela manhã, às vezes deixa ela com o marido, limpa seu barraco e vai trabalhar.
“É horrível morar aqui. Quando chove alaga tudo. Perdi minha geladeira na última chuva. Levo as minhas roupas para a minha sogra lavar. A prefeitura nunca tomou nenhuma atitude, vieram aqui, fizeram um cadastro e até agora 'névis'”.
A paulistana Soraia, de 33 anos, é moradora da Caixa Baixa há dois anos. Mudou-se para Paraisópolis depois de se divorciar do seu marido. Para chegar no seu barraco é preciso subir uma escada íngreme de madeira. “Cuidado com essa escada, ela já derrubou muita gente!”
O barraco onde Soraia mora tem praticamente o mesmo tamanho do de Flávia. Ele pertencia a uma amiga. Soraia morava logo abaixo, mas a sua casa foi atacado por ratos, que comeram seus móveis. Hoje, ela não tem geladeira ou fogão, e procura alguém que possa doar os eletrodomésticos para ela. “Desculpem a bagunça, não tive tempo de arrumar nada ainda. Querem um suco?”, oferece.
Ao lado da porta há o banheiro, que não tem água. “Não tem encanamento aqui, então preciso pegar água lá embaixo e trazer pra cá”. No canto esquerdo há um tanque de lavar e uma TV antiga, que não funciona direito.
Em frente à janela, pela qual entra um sol forte e esquenta o barraco todo, há uma máquina de lavar, algumas tábuas de madeira e nove garrafas de refrigerante com água potável.
No fundo, fica a cama onde Soraia e os filhos, um menino e uma menina, dormem, e um armário com roupas. Ela cuida sozinha das crianças. Penduradas na parede, algumas toalhas e cobertas, e um cabide com a mochila de uma das crianças. “Viver aqui só por Jesus mesmo”.
Ela faz bicos, como trabalhar de faxineira ou lavar roupas, quando surge a oportunidade. Nem sempre o dinheiro é suficiente para passar o mês, “mas a gente faz o possível, né”. As crianças vão sozinhas para a escola, porque a mãe não tem tempo para levá-las.
O maior medo de Soraia é se o barraco pegar fogo. “Não tem como sair daqui. Já deixo a chave na porta, porque se começar um incêndio, tenho que sair correndo”.
E a novela, Soraia? “Tá tendo muita mentira com essa novela, Paraisópolis não é assim. Devia passar a realidade, o dia a dia. Tá difícil pobre viver, imagina ainda mais achar alguém rico pra viver um romance”.
Assim como a garotinha fantasiada como princesa numa tarde de quarta-feira, a segunda maior favela de São Paulo, com quase 43 mil habitantes segundo o IBGE ou 100 mil, de acordo com a União em Defesa da Moradia (UDMC), parece, aos olhos da sociedade, um conto de fadas graças à novela I Love Paraisópolis (Eu amo Paraisópolis), da Rede Globo.
A realidade da favela, no entanto, não poderia ser mais distante do que a telinha mostra diariamente. A começar por um elenco que, em sua maioria, tem atores paulistanos e cariocas. O que se contrapõe a uma comunidade com raízes nordestinas, que vieram para São Paulo na esperança de melhorar de vida.
Outra representação externa à realidade são os problemas criados pelos vilões cartunescos, que desejam acabar com a comunidade por serem simplesmente “do mal”. Porém, o que de fato se passa é um histórico de negligência por parte do poder público e de atuação dos interesses do capital privado. O que resulta na não realização de projetos de urbanização efetivos, além da remoção de pessoas de suas moradias, sem dar-lhes um novo lar efetivamente.
“Se 100 pessoas aqui gostarem da novela, é muito”, afirma Zé Maria, líder comunitário e um dos membros UDMC. A frase, que parecia exagerada inicialmente, foi se confirmando ao conversar com os moradores.
Sobre a novela, Teomila, uma moradora e vendedora de comida baiana em Paraisópolis, é curta e grossa. “A novela não fala a verdade. Não tenho muito tempo de assistir, mas todo mundo que chega aqui fala isso”.
Zé Maria, indignado, diz o que pensa sobre o folhetim. “A gente trabalhou duro pra mostrar para as pessoas que a favela não é um lugar violento, que pode entrar quem quiser. E no primeiro capítulo, tem uma cena em que um taxista tem que pagar pedágio pra traficante pra entrar aqui dentro. Isso não é verdade, mas um monte de taxista ficou com medo de entrar aqui depois disso”.
O motoqueiro Luiz Cézar, que estava parado na barraca de Teomila pedindo um acarajé, ao ouvir a conversa, completou. “Teve outro capítulo também que deixou muita gente brava. Eles foram falar de briga de galo, e do jeito que mostraram, parece que todo mundo que cria galo na favela é para brigar e é bandido. Muita gente cria galo na favela para preservar a raça. Eu sou nordestino, crio galo e nunca botei nem vou botar nenhum deles pra brigar”.
Moradias e despejos
A avenida Hebe Carmago, construída em 2012, foi responsável por remover uma parte da comunidade de Paraisópolis. “Aqui onde passa a avenida costumava ser uma área fechada, cheia de gente morando”, diz Zé Maria.
É no meio da avenida, na passagem para pedestres, que Teomila, mais conhecida como Baiana, abriu sua barraca para vender acarajé. Ela está em São Paulo há mais de 13 anos. Mora na favela da Nova Esperança, formada por moradores que foram expulsos de Paraisópolis.
No seu caso, ela foi removida da área do Grotão, junto com mais 600 famílias, para a construção de uma escola de música na área que, segundo os moradores, tem um investimento privado de R$ 11 milhões. “Por que não investir esse dinheiro em moradias pra população?”, indaga Zé Maria.
Baiana já trabalhou em padarias e lanchonetes; ano passado resolveu abrir a barraca de acarajé. Tem dois filhos, que leva de manhã para a creche, depois prepara as comidas que vende e, às 15 horas, abre a venda, voltando para sua casa apenas às 21h.
Sobre a situação de vida dos moradores da Nova Esperança, Baiana diz que está longe de ser coisa de novela. “O esgoto está a céu aberto. Quando chove, a água sobe e vem pra dentro do barraco. Tem muitos casos de dengue, leptospirose, ratos por todos os lados e gatos com infecções. Um dia desses, um garoto foi arranhado por um gato e apareceu um caroço no pescoço dele. Ele teve que ir pro hospital”, conta.
Baiana gasta pelo menos R$ 90 por mês só com veneno para ratos. Seu barraco é no andar de cima de um outro barraco, conectado a um terceiro por meio de uma cozinha e banheiro comunitários. “Mas não tem problema ser comunitário, todo mundo trabalha e volta pra casa só à noite”.
Os moradores da Nova Esperança perdem tudo quando chove e seus barracos alagam. “Tem um vizinho meu que está com um colchão fedido, que molhou na última enchente. Não tem como colocar do lado de fora porque os cachorros, gatos e ratos iam acabar com ele. E do lado de dentro da casa não seca. Quando você entra, o cheiro é insuportável”, relata.
Coração de ParaisópolisA UDMC e os moradores de Paraisópolis acreditam que é preciso urbanizar a área para garantir melhores condições de vida à comunidade. Por isso, questionam o tipo de urbanização feita até hoje. “Precisamos de projetos de urbanização que melhorem a vida das pessoas. O que acontece é a remoção de moradores, que passam a viver com o auxílio aluguel (cerca de R$ 400,00 por mês) e não se criam habitações dignas”, afirma Zé Maria, líder comunitário.
Basta olhar para cima para entender o porquê de não se construir moradias populares em Paraisópolis. Vizinha do Morumbi, a favela está cercada pela especulação imobiliária. Os moradores denunciam que muitas áreas que seriam destinadas para moradias populares acabaram se tornando prédios e condomínios de luxo. As áreas de Paraisópolis que foram urbanizadas, segundo Zé Maria, sempre tiveram um interesse econômico por trás. “Depois que urbanizaram algumas áreas, entraram lojas da Casas Bahia e alguns supermercados, o que acabou com muitos comerciantes locais”.
Para o professor de caratê Francisco de Assis Diniz, “a urbanização seria boa se fosse feita no total e pensando na comunidade. Tinham que pegar prioridades e resolver o problema. Urbanizar não é só moradia: é saúde, educação e cultura também”.
Uma destas prioridades é o córrego do Antonico. Ele passa pelo menos por metade da favela, e, há anos, é uma fonte recorrente de problemas. É no Antonico que o esgoto da Sabesp (empresa de tratamento e distribuição de água de São Paulo) de toda a comunidade é despejado ali, além de entulhos fruto de despejos. Ainda há barracos construídos em áreas de risco, em cima do córrego.
Tudo isso entupiu o Antonico e, por causa disso, alagamentos são constantes. “A última chuva que teve, no começo do mês, durou 15 minutos, mas alagou um monte de barraco, e a água chegou ao nível do peito”, diz Zé Maria.
Muitos moradores criaram muros ou escadas, elevando o nível das portas dos barracos, para tentar evitar os alagamentos. Mas nem isso é o suficiente. “Nesse dia da enchente, a minha mãe tinha acabado de fazer as compras do mês. Perdemos tudo. A água também entra no barraco pela privada e encanamentos, não tem o que fazer”, lamenta a moradora Elcilene.
Para Francisco, outro morador, não é de interesse do poder público resolver a situação do córrego. “Falta boa vontade. Os engenheiros já vieram aqui e sabem dos problemas, mas nada nunca foi feito”. O professor pernambucano, que dá aulas gratuitas para 50 crianças e se orgulha de ter formado 15 faixas pretas ao longo dos anos, conta que canalizou e asfaltou a rua em que vive por conta própria.
“Nessa rua corria esgoto 24 horas por dia, só lama. Os meus alunos chegavam nas aulas com os quimonos sujos. Como a prefeitura nunca fez nada, comprei canos e asfaltei a rua com o tempo. O Antonico é o coração de Paraisópolis, e ele está morrendo”.
Uma das áreas de risco do córrego Antonico é chamada de Caixa Baixa. Para chegar nela, é preciso passar por diversas vielas e pontes improvisadas com tábuas de madeira. A viela Mário Covas é “pavimentada” com entulhos de móveis e barracos já destruídos por alagamentos na chuva.
A água corre ao lado dos entulhos, e o cheiro do esgoto contamina a viela. É difícil andar pelos corredores estreitos sem enroscar a roupa em algum prego. Na Caixa Baixa, os barracos são do tamanho de um quarto, cerca de 2x3 metros cada.
CotidianoFlávia Félix da Silva é pernambucana e veio para São Paulo ainda criança. “Se amigou” com um homem da comunidade, e hoje mora em um barraco dele na viela Mário Covas, com sua filha de um ano. Está grávida de outra filha.
Flávia trabalha como faxineira e recebe o Bolsa Família para complementar sua renda. O barraco é do marido. O pequeno quarto é lugar para uma cama de casal, uma estante onde fica um microondas e uma TV, um armário com roupas empilhadas, fogão e banheiro, com chuveiro e privada. Uma pequena banheira verde, para dar banho no bebê, está ao lado do fogão.
Todos os dias Flávia cuida da filha pela manhã, às vezes deixa ela com o marido, limpa seu barraco e vai trabalhar.
“É horrível morar aqui. Quando chove alaga tudo. Perdi minha geladeira na última chuva. Levo as minhas roupas para a minha sogra lavar. A prefeitura nunca tomou nenhuma atitude, vieram aqui, fizeram um cadastro e até agora 'névis'”.
A paulistana Soraia, de 33 anos, é moradora da Caixa Baixa há dois anos. Mudou-se para Paraisópolis depois de se divorciar do seu marido. Para chegar no seu barraco é preciso subir uma escada íngreme de madeira. “Cuidado com essa escada, ela já derrubou muita gente!”
O barraco onde Soraia mora tem praticamente o mesmo tamanho do de Flávia. Ele pertencia a uma amiga. Soraia morava logo abaixo, mas a sua casa foi atacado por ratos, que comeram seus móveis. Hoje, ela não tem geladeira ou fogão, e procura alguém que possa doar os eletrodomésticos para ela. “Desculpem a bagunça, não tive tempo de arrumar nada ainda. Querem um suco?”, oferece.
Ao lado da porta há o banheiro, que não tem água. “Não tem encanamento aqui, então preciso pegar água lá embaixo e trazer pra cá”. No canto esquerdo há um tanque de lavar e uma TV antiga, que não funciona direito.
Em frente à janela, pela qual entra um sol forte e esquenta o barraco todo, há uma máquina de lavar, algumas tábuas de madeira e nove garrafas de refrigerante com água potável.
No fundo, fica a cama onde Soraia e os filhos, um menino e uma menina, dormem, e um armário com roupas. Ela cuida sozinha das crianças. Penduradas na parede, algumas toalhas e cobertas, e um cabide com a mochila de uma das crianças. “Viver aqui só por Jesus mesmo”.
Ela faz bicos, como trabalhar de faxineira ou lavar roupas, quando surge a oportunidade. Nem sempre o dinheiro é suficiente para passar o mês, “mas a gente faz o possível, né”. As crianças vão sozinhas para a escola, porque a mãe não tem tempo para levá-las.
O maior medo de Soraia é se o barraco pegar fogo. “Não tem como sair daqui. Já deixo a chave na porta, porque se começar um incêndio, tenho que sair correndo”.
E a novela, Soraia? “Tá tendo muita mentira com essa novela, Paraisópolis não é assim. Devia passar a realidade, o dia a dia. Tá difícil pobre viver, imagina ainda mais achar alguém rico pra viver um romance”.
Créditos da foto: Reprodução/Brasil de Fato
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