quinta-feira, 4 de junho de 2015

Jornal para quem pode pagar


Por Luciano Martins Costa, no Observatório da Imprensa:

O 67º Congresso da Associação Mundial de Jornais e Editores, realizada nos últimos dias em Washington, termina com uma recomendação que representa uma espécie de rendição sem honra das empresas jornalísticas à nova realidade digital. Basicamente, trata-se de transformar o jornal impresso em um produto mais caro, dirigido a uma elite de leitores, e tentar competir no ambiente virtual com ênfase na imagem, e não mais no texto.

O evento foi praticamente ignorado pela maior parte da imprensa brasileira, com exceção do Globo, que publica na edição de quinta-feira (4/6) uma reportagem de página inteira, e da Folha de S. Paulo, que trouxe na véspera um texto curto sobre denúncia, feita durante o congresso, de perseguição a jornalistas na Turquia.

A principal fonte escolhida pelo jornal carioca para dar a versão final do encontro é um representante da empresa de consultoria de mídia Innovation, ligada à organização católica Opus Dei, que tem atuado na maioria das empresas do setor na América Latina desde a década de 1990.

A rigor, o que dizem os especialistas reunidos pela mídia tradicional para discutir seu destino é exatamente o mesmo receituário que se repete desde pelo menos 1995: investir em qualidade no jornalismo de papel e garantir a presença do conteúdo jornalístico na internet. A diferença básica é que agora se trata de ocupar espaços na rede digital, o que inclui os aplicativos de relacionamento horizontal entre pessoas, e admite-se que somente uma elite da sociedade poderá pagar por conteúdos mais elaborados.

Essencialmente, a estratégia das empresas jornalísticas deverá resultar num empobrecimento do jornal de papel no cotidiano, com maior investimento nas edições de fim de semana, competindo com as revistas semanais de informação – de longe o setor mais vulnerável, entre os veículos tradicionais, como já foi dito neste Observatório (ver “O jornalismo para ser esquecido“). Também se recomenda aumentar a produção de suplementos sofisticados, como faz o Globo com a revista Luxo voltada para o público de maior poder aquisitivo.

Essa tendência, segundo a consultoria que mais influencia a gestão das empresas brasileiras de mídia, significa que o jornal de papel vai encolher ao longo da semana, e deve ao mesmo tempo “investir em reportagens exclusivas, analíticas, que antecipem desdobramentos, mas de forma concisa e com amplo suporte de material visual, como fotos e infográficos”.

Mais vídeos, menos textos

Não é difícil desenhar o que viria a ser o jornal nesse futuro projetado pelos mais acreditados estrategistas da imprensa: jornal passa a ser um produto para quem pode pagar, não para os formadores de opinião, aqueles que apreciam a boa leitura. O resto do público deverá se contentar com o que for conveniente publicar na mídia digital, modelo no qual, segundo o consultor citado, “o vídeo ocupa papel central”.

Isso significa dizer que o jornal abdica de sua relação com os chamados “intelectuais orgânicos”, que sustentam os debates mais instigantes e fazem o contraponto com a cultura hegemônica – e passa a investir no conceito de mercado puro e simples.

Trata-se claramente de uma opção por um investimento na fabricação de midiotas, uma vez que o produto jornalístico passa a ser avaliado apenas pelo retorno financeiro que pode proporcionar às empresas e não por um suposto papel na educação da sociedade.

O título da reportagem do Globo afirma: “Jornais apostam em sofisticação no impresso e expansão do digital”. Entende-se a necessidade de ampliar a oferta de conteúdo jornalístico nas redes sociais, principalmente no Brasil, onde pesquisa publicada no mês passado pelo portal Comunique-se (ver aqui) informa que o tempo gasto nessas interações é 60% maior que a média mundial.

Mas afirmar que os veículos de papel vão produzir mais sofisticação é no mínimo duvidoso. O que se tem visto, por aqui, é exatamente o contrário, a começar pelas escolhas feitas em demissões massivas nas redações, recentemente, com o corte de alguns dos melhores autores, jornalistas que ainda se preocupavam com alguma sofisticação no texto.

Como produzir jornalismo de qualidade com as redações pressionadas pelo risco do desemprego, sob a condução majoritária de profissionais sem autonomia para se contrapor às imposições da direção?

Se fosse possível resumir as recomendações tiradas desse congresso de jornais e editores, pode-se afirmar que as empresas jornalísticas tradicionais estão abdicando do papel social que justificava sua existência, optam por pregar para seus próprios correligionários e mergulham na lógica do mercado digital, onde suas chances são mínimas.

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