O boom dos preços das commodities entre 2003 e 2011 contribuiu para reforçar as apostas no modelo de crescimento liderado pelas commodities.
Desde o fim da Guerra Fria fomos bombardeados com o sedutor discurso do “fim da história”. Nesse maravilhoso novo mundo, as velhas ideologias abririam efetivamente espaços crescentes para a racionalidade triunfante do capitalismo liberal e ocorreria, logo adiante, a inevitável convergência global entre as diversas sociedades. Renegando as lições da própria história do capitalismo, como mostrou Karl Polanyi (1886-1964) em seus escritos sobre a evolução desse sistema, não demoraria muito para as consequências aparecerem.
A transição para esse mundo demandaria enormes esforços e sacrifícios de algumas sociedades para se ajustarem. Como perspectiva econômica, a integração via liberalização do comércio mundial e dos fluxos de capitais estaria presente nas muitas recomendações das instituições do sistema multilateral. Não deveria haver, portanto, segundo essa perspectiva, a “anacrônica” preocupação com a preservação de capacidades e competências técnicas acumuladas porque o sistema de mercado realocaria recursos de forma eficiente, bastando apenas que as sociedades aceitassem as “dores do parto” do ajuste.
Nesse maravilhoso novo tempo, não haveria mais espaço para as grandes e dramáticas disputas que tanto marcaram a história contemporânea. Entretanto, a instabilidade endógena desse mesmo sistema se apresentou nas diversas crises financeiras internacionais da década de 1990 vividas por países e essa ilusão estourou em setembro de 2008. Desde então, as incertezas se sobrepõem frequentemente às vantagens das promessas do novo mundo. A euforia da Grande Moderação ficou para trás.
Recentemente, a Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal) reviu para baixo a projeção de crescimento da região neste ano, de 1% para 0,5%. Segundo foi publicado pelo jornal “Valor Econômico” (30/07/2015): "O fim do ciclo das commodities teve um efeito generalizado na região", afirmou o secretário-executivo adjunto da Cepal, Antonio Prado. Do blog “iMFdirect”, Andre Meier e Fabiano Bastos apontam que os embarques da região ainda são dominados por commodities e suas importações da Ásia são compostas por um amplo conjunto de produtos manufaturados. De acordo com os analistas, a região não tem sido capaz de alavancar o crescimento dos fluxos de comércio para transformar as suas estruturas econômicas, que permanecem relativamente não diversificadas.
O boom dos preços das commodities entre 2003 e 2011 contribuiu para reforçar as apostas no modelo de crescimento liderado pelas commodities. Efeitos do fim do ciclo também foram sentidos no Brasil. O uso do câmbio para combater a inflação desde 1994, a atração de poupança externa para financiar consumo doméstico e o ciclo recente do boom das commodities acentuaram a sobrevalorização cambial do real e afetaram a taxa de poupança doméstica pelo canal da formação bruta de capital fixo. Esse fato está visível quando a queda do investimento é acompanhada pela redução da poupança. Afinal, como iremos elevar a produtividade da economia brasileira em um contexto de aprofundamento da recessão, com desindustrialização prematura e base exportadora de baixa complexidade?
Nesse sentido, o “Atlas da Complexidade Econômica”, de Ricardo Hausmann e outros, é bem rico em reflexões. Em síntese, os países desenvolvidos produzem os produtos mais sofisticados da rede de comércio global e os países menos desenvolvidos produzem os bens menos complexos. A partir da analise da pauta exportadora de um país, é possível medir a sofisticação tecnológica da sua base produtiva. Os conceitos para medir se um país é complexo economicamente são a ubiquidade e a diversidade de produtos encontrados na sua pauta exportadora. Não ubiquidade com diversidade exportadora significa complexidade econômica.
Como um país pode crescer depende crucialmente da elasticidade-renda da demanda das suas exportações. Segundo a “Lei de Thirlwall”, se um país em processo de desenvolvimento deseja crescer mais rápido, ele precisará elevar a elasticidade-renda da demanda das suas exportações e reduzir a elasticidade-renda da demanda das importações. Portanto, ele precisará passar por uma mudança estrutural para se tornar efetivamente desenvolvido. Um ajuste macroeconômico faz parte do processo, mas não o encerra. Dependendo do padrão do ajuste, essa mudança estrutural pode ser inviabilizada. Essa discussão não está colocada de forma clara entre nós.
Japão, Alemanha, Estados Unidos, Reino Unido e Suécia estão sempre entre mais sofisticados do mundo nos últimos dez anos. As relações de causalidade são questionadas no “Atlas” e o processo de desenvolvimento se mostra bem menos linear, conforme já havia notado Alexander Gerschenkron (1904-1978). A educação produtiva relevante do país é um conhecimento tácito que está nas empresas e nas atividades e, portanto, não se aprende na escola. Trata-se de um processo tipo “on the job experience” imerso nas redes de produção e firmas localizadas nos países. Quando inexiste parque produtivo onde as pessoas possam buscar esses conhecimentos, fica bem difícil aprender as habilidades úteis para gerar produtos complexos; esse tipo de conhecimento não é ensinado na escola e tampouco na faculdade.
A criação de produtos complexos, por sua vez, requer redes integradoras de firmas. Estruturas produtivas complexas são construídas a partir de bens industriais ou pelo processamento de commodities. Extrativismos, em geral, não estão inseridos nessas redes. Seguindo a inércia do modelo brasileiro vigente, a marcha continuada da inclusão social tenderá a manter a inflação persistentemente pressionada, a menos que ela seja compensada por ganhos de produtividade em setores de estruturas tecnológicas progressivas (tradables) capazes de reduzir outros preços (non-tradables) na economia brasileira.
A economia brasileira se desindustrializou prematuramente nos últimos anos, algo que afetou o seu crescimento potencial e a grande parte dos postos formais de trabalho foi gerada em setores de baixa produtividade, pouco mais de 80% entre 2004 e 2014. O tom e a composição do ajuste macroeconômico são capazes de fazer uma grande diferença na vida das pessoas. Essa relevante discussão não está colocada de forma clara entre nós, infelizmente.
Rodrigo Medeiros é professor do Instituto Federal do Espírito Santo (Ifes)
A transição para esse mundo demandaria enormes esforços e sacrifícios de algumas sociedades para se ajustarem. Como perspectiva econômica, a integração via liberalização do comércio mundial e dos fluxos de capitais estaria presente nas muitas recomendações das instituições do sistema multilateral. Não deveria haver, portanto, segundo essa perspectiva, a “anacrônica” preocupação com a preservação de capacidades e competências técnicas acumuladas porque o sistema de mercado realocaria recursos de forma eficiente, bastando apenas que as sociedades aceitassem as “dores do parto” do ajuste.
Nesse maravilhoso novo tempo, não haveria mais espaço para as grandes e dramáticas disputas que tanto marcaram a história contemporânea. Entretanto, a instabilidade endógena desse mesmo sistema se apresentou nas diversas crises financeiras internacionais da década de 1990 vividas por países e essa ilusão estourou em setembro de 2008. Desde então, as incertezas se sobrepõem frequentemente às vantagens das promessas do novo mundo. A euforia da Grande Moderação ficou para trás.
Recentemente, a Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal) reviu para baixo a projeção de crescimento da região neste ano, de 1% para 0,5%. Segundo foi publicado pelo jornal “Valor Econômico” (30/07/2015): "O fim do ciclo das commodities teve um efeito generalizado na região", afirmou o secretário-executivo adjunto da Cepal, Antonio Prado. Do blog “iMFdirect”, Andre Meier e Fabiano Bastos apontam que os embarques da região ainda são dominados por commodities e suas importações da Ásia são compostas por um amplo conjunto de produtos manufaturados. De acordo com os analistas, a região não tem sido capaz de alavancar o crescimento dos fluxos de comércio para transformar as suas estruturas econômicas, que permanecem relativamente não diversificadas.
O boom dos preços das commodities entre 2003 e 2011 contribuiu para reforçar as apostas no modelo de crescimento liderado pelas commodities. Efeitos do fim do ciclo também foram sentidos no Brasil. O uso do câmbio para combater a inflação desde 1994, a atração de poupança externa para financiar consumo doméstico e o ciclo recente do boom das commodities acentuaram a sobrevalorização cambial do real e afetaram a taxa de poupança doméstica pelo canal da formação bruta de capital fixo. Esse fato está visível quando a queda do investimento é acompanhada pela redução da poupança. Afinal, como iremos elevar a produtividade da economia brasileira em um contexto de aprofundamento da recessão, com desindustrialização prematura e base exportadora de baixa complexidade?
Nesse sentido, o “Atlas da Complexidade Econômica”, de Ricardo Hausmann e outros, é bem rico em reflexões. Em síntese, os países desenvolvidos produzem os produtos mais sofisticados da rede de comércio global e os países menos desenvolvidos produzem os bens menos complexos. A partir da analise da pauta exportadora de um país, é possível medir a sofisticação tecnológica da sua base produtiva. Os conceitos para medir se um país é complexo economicamente são a ubiquidade e a diversidade de produtos encontrados na sua pauta exportadora. Não ubiquidade com diversidade exportadora significa complexidade econômica.
Como um país pode crescer depende crucialmente da elasticidade-renda da demanda das suas exportações. Segundo a “Lei de Thirlwall”, se um país em processo de desenvolvimento deseja crescer mais rápido, ele precisará elevar a elasticidade-renda da demanda das suas exportações e reduzir a elasticidade-renda da demanda das importações. Portanto, ele precisará passar por uma mudança estrutural para se tornar efetivamente desenvolvido. Um ajuste macroeconômico faz parte do processo, mas não o encerra. Dependendo do padrão do ajuste, essa mudança estrutural pode ser inviabilizada. Essa discussão não está colocada de forma clara entre nós.
Japão, Alemanha, Estados Unidos, Reino Unido e Suécia estão sempre entre mais sofisticados do mundo nos últimos dez anos. As relações de causalidade são questionadas no “Atlas” e o processo de desenvolvimento se mostra bem menos linear, conforme já havia notado Alexander Gerschenkron (1904-1978). A educação produtiva relevante do país é um conhecimento tácito que está nas empresas e nas atividades e, portanto, não se aprende na escola. Trata-se de um processo tipo “on the job experience” imerso nas redes de produção e firmas localizadas nos países. Quando inexiste parque produtivo onde as pessoas possam buscar esses conhecimentos, fica bem difícil aprender as habilidades úteis para gerar produtos complexos; esse tipo de conhecimento não é ensinado na escola e tampouco na faculdade.
A criação de produtos complexos, por sua vez, requer redes integradoras de firmas. Estruturas produtivas complexas são construídas a partir de bens industriais ou pelo processamento de commodities. Extrativismos, em geral, não estão inseridos nessas redes. Seguindo a inércia do modelo brasileiro vigente, a marcha continuada da inclusão social tenderá a manter a inflação persistentemente pressionada, a menos que ela seja compensada por ganhos de produtividade em setores de estruturas tecnológicas progressivas (tradables) capazes de reduzir outros preços (non-tradables) na economia brasileira.
A economia brasileira se desindustrializou prematuramente nos últimos anos, algo que afetou o seu crescimento potencial e a grande parte dos postos formais de trabalho foi gerada em setores de baixa produtividade, pouco mais de 80% entre 2004 e 2014. O tom e a composição do ajuste macroeconômico são capazes de fazer uma grande diferença na vida das pessoas. Essa relevante discussão não está colocada de forma clara entre nós, infelizmente.
Rodrigo Medeiros é professor do Instituto Federal do Espírito Santo (Ifes)
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