Segundo Furtado, a irresponsabilidade da mídia alimenta o espírito golpista da sociedade, na medida em que não oferece uma correta leitura da realidade.
A memória prodigiosa para “lembrar de nomes esquisitos” somada à curiosidade investigativa permitiu ao cineasta Jorge Furtado criar uma pequena enciclopédia de casos que exemplificam como a imprensa trai seu compromisso de informar o cidadão no Brasil.
Ele deu uma amostra disso ao público que assistiu a sua palestra na Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul, no último sábado, 12 de dezembro. Disse mais: que a irresponsabilidade da mídia alimenta o espírito golpista da sociedade, na medida em que não oferece uma correta leitura da realidade brasileira.
“Os jornais estão impregnados de ideologia. A infâmia e a fama são absolutas nessa era da mídia”, lamentou.
Apesar de sua crítica da imprensa, Furtado tinha uma perspectiva positiva, graças à novíssima lei que garante o Direito de Resposta àqueles que se sintam prejudicados por uma matéria distorcida ou mal apurada. “É uma novidade que pode mudar muita coisa”, exaltou o cineasta, apontando o episódio.
Mal sabia Furtado que dois dias após sua fala, a Associação Nacional dos Jornais (ANJ) – que representa os conglomerados de comunicação do país – entraria com uma ação no Supremo Tribunal Federal (STF) para cassar a recém-editada lei, nesta segunda-feira (14).
Segundo o portal especializado Jota, a Ação Direta de Inconstitucionalidade tenta anular cinco dos 12 artigos que regulamentam o Direito de Resposta. A justificativa da ANJ é que a norma “afronta garantias constitucionais a exemplo do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa”, entre outros.
“Na prática, o instituto do direito de resposta, ao invés de pluralizar o debate democrático, converteu-se em instrumento capaz de promover grave e inadmissível efeito silenciador sobre a imprensa”, defendem os jornalões.
O cineasta não sabia ainda da iniciativa dos empresários da comunicação, mas de sua palestra pode-se concluir que daria uma gargalhada diante dos argumentos.
“A imprensa publica o que quer, sem checar nenhuma denúncia. Depois, quando elas não se confirmam, ninguém volta para retificar”, condenou no sábado.
Além da investida contrária da ANJ, a força da medida ficou evidente quando O Globo publicou uma errata na capa do jornal, desmentindo uma informação que havia sido manchete em outubro e que vinculava o filho de Lula à corrupção investigada pela Operação Lava Jato - não por força da Justiça, mas por iniciativa própria do jornal, dado que a norma estava por ser assinada pela presidenta Dilma Rousseff.
O caso Rubnei Quícoli
Um dos “nomes estranhos” que Jorge Furtado nunca apagou da memória é Rubnei Quícoli – “já pensou um personagem com nome desses?”, introduziu.
Rubnei Quícoli protagonizou uma ficção em 2010, mas ela saiu no jornal como verdade e Furtado lembra do episódio com detalhes. “Deram uma foto de meia página dele com um terno preto em cima de um edifício muito alto. Parecia assim uma campanha da Hugo Boss”, comparou.
A imagem ilustrava uma reportagem em que Quícoli acusava a ex-ministra da Casa Civil Erenice Guerra de ter cobrado propina para negociar um empréstimo do BNDES a um empreendimento seu na área de energia eólica.
Erenice chegou a ser investigada, mas nada sendo provado contra ela, o processo foi arquivado. A Folha de S.Paulo se limitou a noticiar o fim do inquérito.
A indignação de Furtado, entretanto, recai sobre o inusitado fato de que o denunciante, Quícoli, era um bandido com extensa ficha criminal. “Ele tinha várias passagens pela polícia. Chegou a tentar vender um caminhão e sua carga roubada ao antigo dono e depois tentou matar o motorista que o entregou”, recordou.
“E esse sujeito ocupa a capa da Folha de S.Paulo”, surpreende-se, passados já cinco anos do episódio.
Furtado coloca no mesmo cesto outros nomes que memórias ordinárias são capazes de reconhecer: o ex-deputado Roberto Jefferson (PTB) ou os delatores da Lava Jato. “São bandidos que alimentam diariamente a imprensa, são eles que fazem as capas de jornais diariamente”, conclui.
A corrupção na Petrobras
O cineasta – que levou às telas de cinema seu olhar sobre a imprensa brasileira no documentário O Mercado de Notícias (fragmentos podem ser assistidos aqui;http://www.omercadodenoticias.com.br/) – condena a partidarização da imprensa no Brasil, coisa que, aliás, foi assumida pela ex-presidente da ANJ Judith Brito, quando ainda comandava a entidade: “Os meios de comunicação estão fazendo de fato a posição oposicionista deste país, já que a oposição está profundamente fragilizada”, ela explicou em 2010.
“Neste caso, a imprensa assume que deixa de fazer jornalismo e passa a fazer política. Não se dedica mais a buscar a verdade factual e isso é um grave problema para a democracia”, defendeu.
Furtado exemplificou, com o caso da Petrobras, que o senso comum já se acostumou a relacionar a uma desvalorização e desmonte que seriam consequências diretas da corrupção ocorrida nestes 13 anos de governo do PT.
“Só que outro dia descobri que a Petrobras se tornou a maior petrolífera do mundo este ano! Que bateu o recorde de exploração de petróleo, alcançando 1 bilhão de barris. Esse ano!”, repetiu.
Ele também leu manchetes dos jornais dos anos 60, nas quais eram relatados problemas de corrupção graves na estatal. Lembrou ainda que as denúncias dos jornalistas Paulo Francis, na década de 90, e Ricardo Boechat ainda nos anos 80 sobre os desvios de verba para uso pessoal na Petrobras. Boechat, hoje no grupo Bandeirantes, ganhou o prêmio mais respeitado do jornalismo brasileiro com sua investigação, O Esso.
Mesmo analisado o atual escândalo, Furtado lembra que em seus depoimentos, os delatores dizem que “essa quadrilha” operava na Petrobras desde 1997 – antes, portanto, de o PT assumir o Palácio do Planalto.
Outro elemento que lhe causou estranhamento foi ver uma reportagem sobre o pagamento de propina na estatal ilustrada com a imagem de uma lista dos receptores de dinheiro. O jornal borrou um trecho onde aparecia a inscrição “15M para JS”, seguidos do endereço e do telefone do ex-governador de São Paulo José Serra (PSDB).
“Puseram uma tarja preta para não mostrar a vinculação com Serra. Mas quando o Bumlai (José Carlos Bumlai) foi preso, ele era o ‘amigo do Lula’”, comparou.
“A eleição não terminou”
O bate-papo com Jorge Furtado foi uma promoção dos gabinetes dos deputados do Partido dos Trabalhadores (PT) Stela Farias (estadual) e Henrique Fontana (federal).
Era um momento que vinha sendo acalentado desde o ano passado, ainda quando se discutia a reforma política que acabou saindo de maneira enviesada. Na ocasião, se achou melhor deixar “para depois da eleição”.
“Só que a eleição ainda não terminou, ela não termina nunca”, lamentou o cineasta.
Ele deu uma amostra disso ao público que assistiu a sua palestra na Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul, no último sábado, 12 de dezembro. Disse mais: que a irresponsabilidade da mídia alimenta o espírito golpista da sociedade, na medida em que não oferece uma correta leitura da realidade brasileira.
“Os jornais estão impregnados de ideologia. A infâmia e a fama são absolutas nessa era da mídia”, lamentou.
Apesar de sua crítica da imprensa, Furtado tinha uma perspectiva positiva, graças à novíssima lei que garante o Direito de Resposta àqueles que se sintam prejudicados por uma matéria distorcida ou mal apurada. “É uma novidade que pode mudar muita coisa”, exaltou o cineasta, apontando o episódio.
Mal sabia Furtado que dois dias após sua fala, a Associação Nacional dos Jornais (ANJ) – que representa os conglomerados de comunicação do país – entraria com uma ação no Supremo Tribunal Federal (STF) para cassar a recém-editada lei, nesta segunda-feira (14).
Segundo o portal especializado Jota, a Ação Direta de Inconstitucionalidade tenta anular cinco dos 12 artigos que regulamentam o Direito de Resposta. A justificativa da ANJ é que a norma “afronta garantias constitucionais a exemplo do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa”, entre outros.
“Na prática, o instituto do direito de resposta, ao invés de pluralizar o debate democrático, converteu-se em instrumento capaz de promover grave e inadmissível efeito silenciador sobre a imprensa”, defendem os jornalões.
O cineasta não sabia ainda da iniciativa dos empresários da comunicação, mas de sua palestra pode-se concluir que daria uma gargalhada diante dos argumentos.
“A imprensa publica o que quer, sem checar nenhuma denúncia. Depois, quando elas não se confirmam, ninguém volta para retificar”, condenou no sábado.
Além da investida contrária da ANJ, a força da medida ficou evidente quando O Globo publicou uma errata na capa do jornal, desmentindo uma informação que havia sido manchete em outubro e que vinculava o filho de Lula à corrupção investigada pela Operação Lava Jato - não por força da Justiça, mas por iniciativa própria do jornal, dado que a norma estava por ser assinada pela presidenta Dilma Rousseff.
O caso Rubnei Quícoli
Um dos “nomes estranhos” que Jorge Furtado nunca apagou da memória é Rubnei Quícoli – “já pensou um personagem com nome desses?”, introduziu.
Rubnei Quícoli protagonizou uma ficção em 2010, mas ela saiu no jornal como verdade e Furtado lembra do episódio com detalhes. “Deram uma foto de meia página dele com um terno preto em cima de um edifício muito alto. Parecia assim uma campanha da Hugo Boss”, comparou.
A imagem ilustrava uma reportagem em que Quícoli acusava a ex-ministra da Casa Civil Erenice Guerra de ter cobrado propina para negociar um empréstimo do BNDES a um empreendimento seu na área de energia eólica.
Erenice chegou a ser investigada, mas nada sendo provado contra ela, o processo foi arquivado. A Folha de S.Paulo se limitou a noticiar o fim do inquérito.
A indignação de Furtado, entretanto, recai sobre o inusitado fato de que o denunciante, Quícoli, era um bandido com extensa ficha criminal. “Ele tinha várias passagens pela polícia. Chegou a tentar vender um caminhão e sua carga roubada ao antigo dono e depois tentou matar o motorista que o entregou”, recordou.
“E esse sujeito ocupa a capa da Folha de S.Paulo”, surpreende-se, passados já cinco anos do episódio.
Furtado coloca no mesmo cesto outros nomes que memórias ordinárias são capazes de reconhecer: o ex-deputado Roberto Jefferson (PTB) ou os delatores da Lava Jato. “São bandidos que alimentam diariamente a imprensa, são eles que fazem as capas de jornais diariamente”, conclui.
A corrupção na Petrobras
O cineasta – que levou às telas de cinema seu olhar sobre a imprensa brasileira no documentário O Mercado de Notícias (fragmentos podem ser assistidos aqui;http://www.omercadodenoticias.com.br/) – condena a partidarização da imprensa no Brasil, coisa que, aliás, foi assumida pela ex-presidente da ANJ Judith Brito, quando ainda comandava a entidade: “Os meios de comunicação estão fazendo de fato a posição oposicionista deste país, já que a oposição está profundamente fragilizada”, ela explicou em 2010.
“Neste caso, a imprensa assume que deixa de fazer jornalismo e passa a fazer política. Não se dedica mais a buscar a verdade factual e isso é um grave problema para a democracia”, defendeu.
Furtado exemplificou, com o caso da Petrobras, que o senso comum já se acostumou a relacionar a uma desvalorização e desmonte que seriam consequências diretas da corrupção ocorrida nestes 13 anos de governo do PT.
“Só que outro dia descobri que a Petrobras se tornou a maior petrolífera do mundo este ano! Que bateu o recorde de exploração de petróleo, alcançando 1 bilhão de barris. Esse ano!”, repetiu.
Ele também leu manchetes dos jornais dos anos 60, nas quais eram relatados problemas de corrupção graves na estatal. Lembrou ainda que as denúncias dos jornalistas Paulo Francis, na década de 90, e Ricardo Boechat ainda nos anos 80 sobre os desvios de verba para uso pessoal na Petrobras. Boechat, hoje no grupo Bandeirantes, ganhou o prêmio mais respeitado do jornalismo brasileiro com sua investigação, O Esso.
Mesmo analisado o atual escândalo, Furtado lembra que em seus depoimentos, os delatores dizem que “essa quadrilha” operava na Petrobras desde 1997 – antes, portanto, de o PT assumir o Palácio do Planalto.
Outro elemento que lhe causou estranhamento foi ver uma reportagem sobre o pagamento de propina na estatal ilustrada com a imagem de uma lista dos receptores de dinheiro. O jornal borrou um trecho onde aparecia a inscrição “15M para JS”, seguidos do endereço e do telefone do ex-governador de São Paulo José Serra (PSDB).
“Puseram uma tarja preta para não mostrar a vinculação com Serra. Mas quando o Bumlai (José Carlos Bumlai) foi preso, ele era o ‘amigo do Lula’”, comparou.
“A eleição não terminou”
O bate-papo com Jorge Furtado foi uma promoção dos gabinetes dos deputados do Partido dos Trabalhadores (PT) Stela Farias (estadual) e Henrique Fontana (federal).
Era um momento que vinha sendo acalentado desde o ano passado, ainda quando se discutia a reforma política que acabou saindo de maneira enviesada. Na ocasião, se achou melhor deixar “para depois da eleição”.
“Só que a eleição ainda não terminou, ela não termina nunca”, lamentou o cineasta.
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