Publicado em 19 de janeiro de 2016
Em BH, homem tem cabeça esmagada; no MS, criança morre sem ambulância e povo Guarani Kaiowá está cercado por pistoleiros; ano novo, violência velha; e a indiferença
Por Alceu Luís Castilho (@alceucastilho)
Cena 1: Urbana. Um indígena tem a cabeça esmagada em Belo Horizonte. Levou 15 chutes e pisões. Foi na sexta-feira, dia 15. “A vítima morreu sem etnia, sem nome e sem idade“, informa o El País Brasil. Ele dormia na rua, em uma calçada chamada 21 de Abril.
Cena 2: Rural. Em Juti, no Mato Grosso do Sul, povos Guarani e Kaiowá estão sendo atacados por pistoleiros. Sete veículos com jagunços cercam as terras. “Estão atirando todos os dias“, conta a líder indígena Valdelice Veron. “Estamos cercados, estou esperando notícias da ONU”.
Cena 3: Rural. Um menino de 1 ano, Kaiowá, morre por falta de ambulância em Coronel Sapucaia (MS). Chamava-se Jadison Batista Lopes. A Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai) alega más condições da estrada. Os profissionais têm medo dos fazendeiros. Trata-se de região de conflito, na terra Kurussu Ambá. Fronteira.
Cena 4: Mista. Povo Guarani MBya de São Vicente (SP) se mobiliza contra reintegração de posse na Aldeia Paranapuã, no Parque Estadual Xixová-Japuí. Haverá um ato na sexta-feira (22) em defesa da cultura indígena, na Ponte Pênsil – em um dos municípios mais antigos do Brasil.
Tudo isso está acontecendo em 2016. E você – salvo se acompanha com lupa o massacre indígena em curso no Brasil – não ficou sabendo. Ou soube pela metade. A notícia de Juti (MS) é de ontem. Cinematográfica, incrível – mas, para a sociedade branca, é como se não existisse. O que funciona como um aval para a violência.
Cena 5 (flashback): Urbana. Um bebê Kaingang de 2 anos, Vítor Pinto, é degolado na rodoviária de Imbituba (SC). Foi no dia 30 de dezembro. Mas os jornais só noticiam em 2016. O contexto é de expulsão de indígenas de rodoviárias de Santa Catarina. O delegado adota o satanismo – e não o racismo – como linha de investigação.
INVISIBILIDADE VIOLENTA
A compreensão desse roteiro do horror é prejudicada pela invisibilidade. A presidente da República e os governadores não emitiram nota de pesar porque os crimes não alcançaram as primeiras páginas. A Polícia Federal finge que não é com ela. Trata-se de uma indiferença pautada pela imprensa. Ou, em outras palavras, de um massacre varrido para debaixo do tapete.
As histórias de violência se repetem. Qualquer semelhança da primeira cena com o assassinato de Galdino Jesus dos Santos, em 1997, não terá sido mera coincidência. O Pataxó Hãhãhãe foi queimado por cinco jovens em Brasília enquanto dormia em um ponto de ônibus, um dia após o Dia do Índio. Outros jovens no Brasil crescem enxergando os indígenas como descartáveis. Escola e imprensa são cúmplices.
O presidente da Funai até deu entrevista à Folha. Negou que haja genocídio indígena no Brasil. Mas falou do bebê indígena assassinado e do orçamento aquém das necessidades. E corta para o próximo assunto – sem editoriais, sem colunas indignadas. Outras fontes (do governo, acadêmicas, de ONGs) não serão ouvidas tão cedo. As lideranças indígenas, muito menos.
O novo ciclo de violência contra os povos indígenas no Brasil se define, portanto, como um novo ciclo de narrativas pulverizadas, que não geram comoção ou empatia nacional. Porque o Brasil é uma sociedade racista. Os jornalistas são racistas, os donos do poder econômico são racistas, os políticos são racistas. Não fossem racistas, essas notícias teriam balançado suas almas.
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